NA AUDIÊNCIA GERAL, PAPA FALA DO RENASCIMENTO DA TEOLOGIA LATINA
Cidade do Vaticano, 28 out (RV) - A fé e a razão, quando se encontram em respeitoso
diálogo entre si, são como asas com as quais "o espírito humano se eleva rumo à contemplação
da verdade". A afirmação de João Paulo II foi retomada por Bento XVI na conclusão
da audiência geral desta manhã, realizada na Praça São Pedro.
O papa dedicou
a sua catequese aos dois modelos de teologia – monástica e escolástica – que se firmaram
no Séc. XII na Europa, graças a uma feliz conjuntura social e cultural. E convidou
os cristãos a fazerem tesouro dessa rica herança espiritual.
Alimentar a própria
existência dos cristãos mediante uma "mais atenta" escuta do Evangelho e das Escrituras,
como 800 anos atrás ensinaram os promotores da teologia monástica. E compreender mediante
a razão humana, com um "amor que se torna inteligência", horizontes sempre mais vastos
do mistério de Deus, como naquele mesmo período ensinaram os teólogos escolásticos.
São
as duas heranças fundamentais para os fiéis de hoje que Bento XVI evidenciou falando
na audiência geral sobre o florescimento da teologia latina do Séc. XII. Traçando,
para a Europa da época, um período de "grande atividade cultural" e de "maior pureza
evangélica" dentro da Igreja – favorecida pela reforma gregoriana – o pontífice afirmou
o seguinte:
Naquele mesmo contexto "refloresceu também a teologia adquirindo
uma maior consciência da própria natureza: afinou o método, enfrentou problemas novos,
progrediu na contemplação dos Mistérios de Deus, produziu obras fundamentais, inspirou
iniciativas importantes da cultura, da arte à literatura, e preparou as obras-primas
do século sucessivo, o século de Tomás de Aquino e de Boaventura de Bagnoregio".
O
pontífice explicou às mais de 30 mil pessoas que o ouviam as diferenças de método
sobre os quais monges, de um lado, e cultos pastores, de outro, desenvolveram naquela
estação medieval o seu respectivo modo de fazer teologia.
O modo monástico
– assim chamado porque nascido nos mosteiros – estava ligado "principalmente à explicação
da sagrada página, à lectio divina, ou seja, à leitura rezada da Bíblia – ressaltou:
"Para
eles a simples leitura do Texto não bastava para perceber o seu sentido profundo,
a unidade interior e a mensagem transcendente. Portanto, era necessário praticar uma
"leitura espiritual", conduzida em atitude dócil ao Espírito Santo. Na escola dos
Padres, a Bíblia era assim interpretada alegoricamente, para descobrir em cada página,
do Antigo bem como do Novo Testamento, o que diz Cristo e a sua obra de salvação."
Portanto,
os monges da época eram preparados não somente do ponto de vista espiritual, mas também
do ponto de vista literário do texto bíblico. Para eles, fazer teologia equivalia
a escutar a Palavra divina purificando o coração que devia acolhê-la, numa constante
meditação que desembocava no louvor a Deus. Bento XVI acrescentou que essa dinâmica
constitui também para nós, hoje, um convite:
Um convite "a alimentar a nossa
existência com a Palavra de Deus, por exemplo, mediante uma escuta mais atenta das
leituras e do Evangelho especialmente na Missa dominical. Ademais, é importante reservar
um certo tempo, todos os dias, para a meditação da Bíblia, para que a Palavra de Deus
seja lâmpada que ilumina o nosso caminho cotidiano sobre a terra."
Por outro
lado, o papa observou que, por sua vez, a teologia escolástica – nascida justamente
nas escolas, que depois se tornaram as primeiras universidades – era cultivada por
verdadeiros "profissionais da cultura", pesquisadores que desejavam ardentemente "mostrar
a racionalidade e o fundamento dos mistérios de Deus", "aceitos com a fé", mas "compreendidos
também pela razão":
Nesse sentido, "a teologia escolástica buscava apresentar
a unidade e a harmonia da Revelação cristã com um método, justamente chamado "escolástico",
da escola, que dá confiança à razão humana (...) ainda hoje, lendo as sumas escolásticas,
fica-se impressionado com a ordem, a clareza, a concatenação lógica dos temas, e com
a profundidade de algumas intuições".
Explicando o articulado procedimento
da teologia escolástica – que partindo de um tema central confrontava as várias teses
até se chegar a uma suma, isto é, a uma síntese "entre autoridade e razão", o Santo
Padre observou o seguinte:
Que tal teologia "nos recorda que entre fé e razão
existe uma amizade natural, fundada na própria ordem da criação (...) A fé está aberta
ao esforço de compreensão por parte da razão; a razão, por sua vez, reconhece que
a fé não a mortifica, pelo contrário, a impulsiona rumo a horizontes mais amplos e
elevados".
Concluída a sua catequese, o Santo Padre passou a fazer, em diversas
línguas, um resumo da mesma, dirigindo-se aos vários grupos de fiéis e peregrinos
presentes. Eis o resumo que fez em português de sua catequese, seguida da saudação
aos lusófonos:
"Queridos irmãos e irmãs, No século
XII, a partir dos mosteiros e das escolas junto das catedrais, desenvolveram-se dois
modelos diferentes de teologia: a «teologia monástica» e a «teologia escolástica».
A primeira foi desenvolvida pelos monges, devotados ouvintes e leitores orantes da
Sagrada Escritura, que procuravam incentivar e nutrir o desejo amoroso de Deus. A
teologia escolástica é obra de pessoas cultas, de mestres desejosos de mostrar o caráter
razoável e o fundamento dos mistérios de Deus e do homem, que se devem acreditar com
a fé, mas também compreender pela razão. Fé e razão, em recíproco diálogo, vibram
de alegria quando ambas são animadas pela busca duma união cada vez mais íntima com
Deus. Amados peregrinos do Porto e demais pessoas de língua
portuguesa, sede bem-vindos! Uma saudação particular ao coro infanto-juvenil de Maringá
e aos grupos paroquiais de Santa Cruz, em Belém, e de Nossa Senhora do Carmo, no Rio
de Janeiro. Que nada vos impeça de viver e crescer na amizade de Deus. Procurai iluminar
o vosso caminho com a Palavra divina, ouvindo-a atentamente na Eucaristia do domingo
e reservando alguns momentos em cada dia para a sua meditação. Sobre vós e vossas
famílias, desça a minha bênção."
Antes que
o papa saudasse os fiéis de língua portuguesa, o coro infanto-juvenil de Maringá,
PR, entoou a música "Aquarela do Brasil" na Praça S. Pedro:
O Santo Padre
concluiu a audiência geral concedendo a todos a sua benção apostólica. (BF-RL)