2009-10-04 11:16:04

O fenomeno das migrações


(4/10/2009) No início de 1990, a África detinha 12,4% dos 118,5 milhões de migrantes no mundo, ou seja 14,7 milhões de pessoas. No período 1965-1990 o aumento do número de migrantes provenientes da África foi superior a 90,9% em relação aos outros continentes.
A maior parte das migrações dizem respeito à África a sul do Sahara, sobretudo na sequência dos movimentos de refugiados e deslocados devido aos conflitos. Contrariamente às outras zonas do mundo, no caso da África é difícil distinguir entre as pessoas que migram por motivos profissionais e as que o fazem devido às dramáticas condições de vida. Seja como for, é preciso pôr de lado a ideia de que a grande massa de migrantes no mundo tem como meta os países economicamente mais avançados. A África é, neste sentido, um caso emblemático. Com efeito, é preciso ter em conta que, em estreita ligação com o fenómeno migratório no continente, está também a crescente urbanização e o abandono das zonas rurais para as cidades. Geralmente, isto constitui apenas o primeiro passo para a emigração fora do país. Isto acontece com muita frequência na África do Norte.

A rota do tráfico

Os migrantes utilizam diversos percursos (terrestre, marítimo e aéreo) para chegar aos países da África do Norte e da Europa. As políticas de imigração cada vez mais restritivas da União
Europeia e a intensificação dos controles nos aeroportos têm levado os migrantes a uma crescente dependência das vias terrestres. Mesmo assim, os migrantes que dispõem de meios fazem uma parte da viagem de avião geralmente para chegar à África do Norte.
Uma das rotas principais da imigração legal ou ilegal (e do consequente tráfico de seres humanos) é a que passa pelo deserto do Sahara (imensa distensão de areia que une a África subshariana aos países da África setentrional), etapa intermédia entre a África meridional e a Europa. O Sahara, atravessado, desde tempos imemoráveis, por caravanas, está actualmente no centro de diversos tráficos, lícitos e ilícitos, entre os quais o de seres humanos. De entre as vítimas desse tráfico, pessoas, na sua maioria da África Ocidental, e do Corno da África, levadas a emigrar, no primeiro caso por motivos económicos e no segundo sobretudo por motivos políticos. São pessoas que viajam a bordo de camiões ou de gipes repletos de viajantes: o tráfico é gerido por organizações criminais que lucram com o transporte ilegal de pessoas e bens para países da África do Norte. Ao longo da travessia os imigrados são submetidos a maus-tratos e razias por parte das forças da ordem dos países de trânsito, por grupos rebeldes e pelos próprios motoristas.
É praticamente impossível calcular quantas pessoas morrem por ano na tentativa de atravessar o deserto do Sahara: segundo testemunhos dos próprios migrantes sobreviventes, em quase todas as viagens há mortos devido à fome, à sede, a acidentes de viação ou a violências.
A viagem ao longo da rota trans-sahariana é geralmente efectuada em diversas fases, podendo variar de um mês a vários anos. Com efeito, ao longo do caminho os migrantes podem decidir ou ver-se mesmo obrigados a estabelecer-se temporariamente numa cidade situada na rota das migrações para trabalhar e obter o dinheiro necessário a fim de continuar a viagem.
Há diversas rotas para atravessar o Sahara. A partir dos anos 90, foi activado um percurso que atravessa o Mali, apanha as pessoas provenientes da África Ocidental em direcção à Argélia, dirigindo-se depois para Marrocos e, daí para a costa meridional da Espanha ou das ilhas Canárias, ou então procuram entrar nas duas enclaves espanholas de Ceuta e Melila, no Marrocos. O tráfico segue o percurso feito ao longo de séculos pelas antigas caravanas trans-saharianas das populações nómadas tuaregues do Mali, Níger e Argélia.
O fluxo de migrantes à espera de poder transitar para o outro lado tem perturbado a vida de inteiras cidades do Mali e do Sul da Argélia, que se encontram no centro do tráfico de seres humanos, de droga e de armas, para além do contrabando tradicional. Exemplos disso são, de modo particular, as cidades malianas de Gao e de Kidal, assim como a cidade de Tamanrasset (no Sul da Argélia), onde migrantes de diferentes nacionalidades vivem em verdadeiros guetos. Existe o gueto dos ivorianos, dos nigerianos, dos camaruneses… Cada comunidade tem um presidente, um vice-presidente, um secretário e um responsável pela segurança. Estas pessoas vivem em habitações precárias, em grutas ou em barracas sem electricidades nem água canalizada.

A crescente diversificação dos destinos

 
Embora tenha havido um aumento do fluxo migratório proveniente do Sul do Sahara com destino ao Magrebe e à Europa, as migrações entre as diversas regiões da África é de longe superior às da África sub-sahariana para o resto do mundo. Com efeito, as migrações dessa região para a Europa são particularmente modestas se comparadas com as migrações da África do Norte ou da Europa Oriental. Segundo dados recolhidos em diversos países europeus de destino, a uma dada altura os migrantes da África sub-sahariana eram 800 mil, enquanto que os norte-africanos eram 2.600.000. O número de marroquinos imigrados na Europa ultrapassa a totalidade dos migrantes da África subsahariana que residem na França.
Enquanto que os migrantes dos diversos países da África Ocidental continuam a dirigir-se essencialmente para os ex-países colonizadores (como por exemplo a França para os países francófonos) nota-se uma crescente diversificação dos destinos para os migrantes africanos. O Gana e o Senegal sobressaem como países que já abandonaram os tradicionais modelos migratórios “coloniais” e estão na cabeça da lista dos países que tentam diversificar as metas da emigração.
Depois que a Itália e a Espanha passaram, no início dos anos 90, a exigir vistos dos cidadãos da África do Norte para entrarem nos seus territórios, a travessia ilegal do Mar Mediterrâneo tornou-se um fenómeno persistente. Os migrantes provenientes da África subsahariana começaram, a partir do ano 2000, a utilizar ilegalmente essa rota e já ultrapassaram nisto os da África do Norte, tornando-se no principal grupo a utilizar os barcos do contrabandistas de seres humanos.
Os dados sobre as interceptações dos barcos repletos de migrantes clandestinos deixam supor que a intensificação dos controlos no canal de Gibraltar mais do que a uma redução do fenómeno levou a uma diversificação geral dos pontos da travessia e à profissionalização dos métodos de contrabando.
A Europa tende, na sua percepção do fenómeno, a minimizar ou a ignorar o facto de que há mais migrantes da África sub-sahariana que vivem na África do Norte do que os seus compatriotas que vivem na Europa. Os dados disponíveis indicam que cerca de 65.000 a 120.00 cidadãos da África a Sul do Sahara entram todos os anos nos países da África setentrional. Segundo a OIM (Organização Internacional das Migrações) apenas cerca de 20 a 38% destes migrantes cruzam o mar para chegar à Europa. Estes dados estão, portanto, em contradição com a percepção de que o Magreb é apenas uma zona de trânsito para os migrantes da África subsahariana.
Perante as crescentes dificuldades para entrar na Europa, o Norte da África tornou-se para um número cada vez maior de migrantes da Sul do Sahara, uma alternativa. Neste contexto, a Líbia é um dos principais pontos de atracção.
Esta tendência é encorajada pelas políticas dos países europeus que procuram a colaboração dos Estados da outra margem do Mediterrâneo a fim de conter os fluxos migratórios. Estas políticas têm, porém, uma série de efeitos colaterais: em primeiro lugar as violações cada vez mais difusas dos direitos de migrantes acusadas de imigrar clandestinamente. Um outro efeito colateral é a profissionalização dos métodos utilizados pelos contrabandistas de seres humanos e a diversificação das rotas migratórias seja terrestres, seja marítimas. Aumentou, consequentemente, a superfície que os órgãos policiais devem controlar para conter a imigração irregular. A enorme extensão das fronteiras terrestres e marítimas tornam praticamente impossível impedir às pessoas atravessar o Sahara, o Atlântico e o Mediterrâneo. Enquanto parece praticamente impossível esbarrar o caminho ao longo dos confins do Sahara e as costas do Mediterrâneo, é, todavia, lícito perguntar-se se os governos estão verdadeiramente dispostos a fazê-lo. A imigração irregular é um fenómeno muito mais tolerado do que parece. A economia dos Estados da União Europeia e, cada vez mais também os magrebinos, necessitam da mão de obra ilegal e barata dos imigrados. Por outro lado, as autoridades dos países do Magreb e da África sub-sahariana demonstram pouco interesse em travar a emigração considerada uma válvula de escape das próprias tensões sociais e uma importante fonte de rendimento graças às remessas dos migrantes.
À parte alguns acontecimentos excepcionais, é, portanto, provável que as migrações da África subsahariana para os países do Magrebe e da União Europeia esteja destinado a continuar. Há uma crescente discrepância entre as políticas migratórias restritivas e a demanda de mão de obra a baixo custo na Líbia e na Europa, demanda que é preenchida pelos migrantes. Isto explica porque é que o aumento de controlos junto das fronteiras, mais do que a uma diminuição das migrações, levou a uma rápida diversificação das rotas migratórias e a um aumento dos riscos, dos custos e dos sofrimentos dos migrantes. Enquanto não aumentarem as vias legais da imigração para satisfazer a demanda de mão de obra, e enquanto continuar a existir amplos sectores de economia informal e paralela, uma parte substancial das migrações continuará a ser irregular. As políticas tendentes a “lutar contra a imigração clandestina” não só levará a ver a imigração como um crime, como são também destinadas a falir, pois que, constituem uma das causas do fenómeno que pretendem combater.

(Tirado do Dossier Fides “Le migrazioni dall’Africa”)







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