2009-09-25 13:24:33

Fome e a crise da agricultura em África : entrevista com Maria Vittoria de Marchi, porta voz para a Itália do WFP (World Food Programme)


(25/9/2009) Cerca de um bilião de pessoas, uma em cada seis no mundo, sofre a fome. Destas, mais de 270 milhões encontram-se na África . Como é que a pobreza se distribui no continente africano, e quais são as causas principais?
R. - A mais atingida pela pobreza é a África a sul do Sara, onde se concentra um numero muito elevado de pessoas que sofrem a fome e na qual quase todos os países ciclicamente correm o risco da pobreza. A não acessibilidade aos alimentos é a primeira causa de morte na África: causa mais vitimas do que a malária, a tuberculose e a SIDA combinadas juntas. Esta miséria – que diria endémica – tem motivações diferentes, segundo a área especifica. Nalguns casos deve-se aos conflitos – disso são exemplo o Darfur, o Chade e o Congo, onde uma guerra rastejante obriga desde há anos as populações a fugir e obriga quem tem a possibilidade a procurar refugio noutra parte. Outras vezes é reconduzível ao desmembramento de um Estado nacional, como é o caso da Somália, - onde a fome se associa á realidade de um território fora de controlo para o governo. Uma outra causa de pobreza são os factores climáticos – pensemos no Corno de África, atingido por frequentes secas ou inundações. Depois, vários países têm dificuldade em dotar-se de infra-estruturas, de instituições politicas estáveis e são receosos de dotar-se de boas praticas de governo - a chamada good governance. A ineficiência dos Estados é uma agravante que em muitos contextos, impede que se enfrente o drama da pobreza. Mas também existem contextos positivos, como é o caso do Gana, que conseguiu combater com grande eficácia a pobreza e que representa um dos bons exemplos de progresso, também do ponto de vista da consecução dos objectivos de desenvolvimento do milénio .
P. – Na África, continente ainda prevalentemente agrícola a fome está ligada directamente ás características dos sistema produtivo rural. Quais são os principais elementos da crise agrícola que aflige muitos países africanos?
R. – A falta de infra-estruturas, de serviços, de tecnologias e de sementes. Mas também a dificuldade de acesso aos mercados enquanto vendedores. As mercadorias dos pequenos agricultores muitas vezes não aguentam a concorrência com as produções industriais. Além disso, a instabilidade politica e social, bem como o estado de beligerância que persevera em vários países , são factores que prejudicam, e ás vezes destroem, o sistema de produção local.. As consequências +principais de um sistema económico que não funciona verificam-se na desnutrição – especialmente das mães e das crianças – na penalização do sistema de saúde e da educação - por causa da falta de recursos e na destruição do tecido de protecção social, que é fundamental nestes países. É por isso que também nos períodos de grande emergência económica, como o actual, o programa alimentar das Nações Unidas, continua a promover a criação de redes de segurança, para que as pessoas que não têm possibilidade de acesso autónomo aos bens de primeira necessidade, possam encontrar sempre um apoio na comunidade a que pertencem.
P. – Bento XVI na encíclica “Caritas in Veritate” faz referencia ao “escândalo das desigualdades clamorosas” que persistem no mundo. O fosso existente entre países ricos e pobres está aumentar com a actual crise mundial? Qual é a responsabilidade das Instituições Financeiras Internacionais?
R. – Existe sobretudo uma enorme desigualdade na maneira com a qual determinadas crises atingem, com maior intensidade, o sul do mundo. Pensemos por exemplo, no aumento dos preços alimentares que se verificou o ano passado. É verdade que o fenómeno atingiu em geral todos os continentes mas, enquanto que nos países ocidentais, a despesa para alimentos incide em cerca de 20/ do budget familiar, num país em vias de desenvolvimento esta percentagem chega aos 60, ás vezes 70 %.
Muitas vezes na África o problema das vitimas da fome não é a falta de alimento, mas a falta de dinheiro para o comprar. Portanto é claro que alguns fenómenos globais têm repercussões particularmente dramáticas sobre as economias do sul do mundo, porque ali não foram activados mecanismos de protecção de apoio á agricultura, não foram criadas infra-estruturas sanitárias e não se investiu o suficiente no sector da educação.
Também a drástica redução das remessas, causada pelo aumento do desemprego nos países industrializados , torna mais graves os efeitos da crise financeira sobre as economias já débeis.
Existem países africanos, mas também asiáticos ou da América do Sul que estiveram interessados por uma forte emigração e cujo produto interno bruto depende em larga medida das remessas. No âmbito dos próprios países em vias de desenvolvimento criou-se um novo fosso entre algumas nações emergentes da Ásia e da América do Sul – que registaram uma taxa acelerada de desenvolvimento nos últimos anos e que se aviam a uma relativa autonomia também na elaboração de politicas sociais - e a África a sul do Sara que, salvo raríssimas excepções, regista pelo contrario os mais graves compassos de espera.
No continente africano a crise económica tende a anular também as pequenas vantagens
Adquiridas pelas camadas da população urbanizadas, pela classe media em formação. Penso que seja responsabilidade precisamente dos países industrializados e das Organizações internacionais reactivar um circulo virtuoso a favor das economias débeis, através de investimentos, mas também graças á revisão daquelas negociações comerciais que não promovem o crescimento dos países com menos vantagens.
(Sílvia Koch)
Escuta o original desta entrevista em italiano: RealAudioMP3







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