2009-09-24 14:21:45

Diálogo inter religioso e ecuménico e o problema das seitas numa entrevista com Sandra Mazzolini, docente de Teologia e Eclesiologia na Pontifícia Universidade Urbaniana


(24/9/2009) Existem em África possibilidades reais de diálogo inter-religioso?  
R. – A possibilidade concreta de diálogo inter-religioso precisa de ser contextualizada tendo como pano de fundo a história da África, a partir do Sínodo de 1994: uma história caracterizada pela proliferação de sangrentos conflitos. Penso que terá sido precisamente isso a sugerir a escolha de centrar os trabalhos desta Sínodo nas questões de reconciliação, justiça e paz. Parece-me que è precisamente nesta opção que reside a possibilidade concreta de um diálogo inter-religioso, sobretudo na perspectiva do que João Paulo II chamava “diálogo da vida”. É um diálogo em que se testemunham reciprocamente os próprios valores espirituais e humanos, sustentando-se as pessoas mutuamente para os viver e assim edificar uma sociedade mais justa e fraterna (cfr.RMi 57). É claro que, se considerarmos reconciliação, justiça e paz, vemos que implicam um empenho partilhado e, neste sentido, parece-me que constituem âmbitos específicos de concretização do diálogo inter-religioso que, evidentemente, os bispos consideram possível para a África..  
P.- Quais são as religiões com as quais o cristianismo tem melhores relações, em África? 
R. – É difícil dar indicações precisas a essa respeito, porque objectivamente a situação é muito variegada. Basta pensar no mapa geográfico da África, com os países do norte do continente e os da África sub-saariana ou da África do Sul. Olhando para este mapa, do ponto de vista religioso, é claro que a presença dos cristãos em geral (e dos católicos em particular) varia nas diversas zonas do continente, assim como varia também a presença das outras tradições religiosas. Depois, há também que tomar em consideração que, na qualidade da relação com as outras religiões, incidem também outros factores. Estou a pensar, por exemplo, nas diferentes legislações de cada país, nesta matéria. Devemos também tomar em consideração a própria história da evangelização: a África foi evangelizada em diversas fases, com diferentes métodos e metodologias. Actualmente, no que diz respeito a esta rede de relações do cristianismo, ou melhor, do catolicismo, com as outras religiões, existem outros dois factores que podem tornar mais problemática a relação entre as várias tradições religiosas.
O primeiro factor é a difusão do radicalismo islâmico. Também aqui basta controlar um mapa: é inegável que este radicalismo se está a difundir-se no Corno de África, mas também na Nigéria, Sudão, Costa do Marfim, Guiné-Conakri, Níger, Mali, Togo, entre outros. Esta difusão torna possível a constituição de redes terroristas.
Um segundo factor é a difusão das seitas que muito dificilmente se podem definir “cristãs”: se o são, são-no apenas como uma capa exterior. São seitas que se apresentam com uma oferta de bem-estar, naturalmente a alcançar mediante uma compensação, um bem-estar proposto aqui e agora.
 
P. – Seria possível traçar brevemente um mapa do continente africano indicando as áreas geográficas em que se manifestam mais tensões ligadas à diversidade religiosa? 
R. – Seria bastante difícil, porque os conflitos que ensanguentam a África têm diversas chaves de leitura: há casos de conflitos étnicos, clãs, tribalismo, senhores da guerra e, actualmente, também episódios de terrorismo. Portanto, é uma tarefa complexa identificar as causas; embora se pense que hoje em dia existe um factor – que aliás não é novo, senão nas formas – que é o das novas presenças coloniais. A África é rica de matérias primas que sustentam o desenvolvimento económico de outros países como os Estados Unidos e a Europa e que são muito apetecíveis para as novas nações emergentes como a Índia e a China. Se quiséssemos analisar, por exemplo, a guerra na zona dos Grandes Lagos, encontrar-nos-íamos perante uma série de conflitos que são emblemáticos desta complexidade. E então acontece por vezes que episódios de conflito violento, na aparência de carácter religioso, se verifiquem em contextos caracterizados por complexidades etno-tribais e pela presença de “confrarias” religiosos com interesses locais (estou a pensar no Sudão, mas também na questão do Darfur). Assim sendo, como individuar as áreas geográficas do continente africano em que se manifestam maiores tensões ligadas à diversidade de credos? Penso que há, em síntese, um indicador muito claro: as áreas onde mais facilmente surgem estas tensões são aquelas onde maior é o subdesenvolvimento, em contraste com riquezas naturais que não são utilizadas para o desenvolvimento interno. Esta situação de terrível sub-desenvolvimento comporta uma maior possibilidade de penetração das seitas e dos movimentos fundamentalistas.  
    – Existem na África casos positivos de relação entre cristianismo e Islão?

 R. - Quando se fala das relações com o Islão, há que precisar que não é um mundo monolítico, mas sim complexo, um mundo que actualmente passa, no seu interior, por não fáceis dinâmicas de transformação. Portanto, há que compreender as relações com o Islão, no quadro do seu dinamismo actual, que apresenta também as marcas da intolerância religiosa. Depois, há que não esquecer também o variegado impacto político do Islão, que tantas vezes torna difícil o diálogo. Apesar de tudo, existem muitas experiências positivas, em que se verifica o chamado “diálogo da vida”. São experiências ligadas, por exemplo, ao âmbito caritativo e social. Um exemplo interessante é o da “Rádio Sol Mansi”, da Guiné Bissau, em que se verifica uma colaboração concreta, quotidiana, de cristãos e muçulmanos, portando uma concretização do “diálogo de vida”. Observando a programação desta Rádio [católica], vê-se que existem programas tanto para os muçulmanos, como também para os evangélicos. E há também intervenções conjuntas de formação sobre temas da actualidade, por exemplo a luta à sida, a promoção da mulher, a educação alimentar, o diálogo entre diferentes crenças.
 
P – E no diálogo ecuménico entre as Igrejas cristãs, em que ponto se está, na África?
 
R. – O diálogo ecuménico – na África como noutras partes do mundo – avança actualmente mais na linha do “diálogo de vida”, embora não faltem também casos de empenho a nível do pensamento Há luzes e sombras a marcar o inegável caminho já percorrido, que, positivamente, encontra uma expressão concreta em experiências partilhadas de oração: por exemplo, na celebração da Semana da Unidade dos Cristãos, mas também experiências de estudo. Significativa é a tradução da Bíblia nas línguas locais em colaboração com a Aliança bíblica, mas penso também nas experiências partilhadas de empenho caritativo e social. Trata-se de um caminho a potenciar, porque há evidentemente sombras, superando obstáculos como certa desconfiança, rivalidade entre grupos, falta de tolerância e incompreensão recíproca. As raízes destes obstáculos encontram-se certamente na história anterior das relações entre as diversas comunidades cristãs, mas também, por outro lado, na frequente falta de conhecimento da própria identidade e, sobretudo, da identidade dos outros. Portanto, as Igrejas e as comunidades eclesiais envolvidas na diálogo ecuménico na África hoje em dia enfrentam também os desafios que derivam da multiplicação descontrolada das seitas, que geram evidentes fenómenos de “transumância” religiosa. Trata-se de fenómenos que não se podem explicar apenas com a agressividade das seitas. À luz de tudo isto, creio que também na África, para prosseguir o diálogo ecuménico, se exige hoje mais do que nunca uma apropriada formação cristã.
 
P. – Enfrentemos o tema das religiões tradicionais africanas: é possível conciliá-las com o cristianismo? E de que modo?
 
R. - Se “conciliar” significa criar uma religião “sincretista”, então essa conciliação não é possível, porque o cristianismo tem uma sua especificidade irredutível, que não é conciliável com outras experiências religiosas (penso no mistério salvífico cristológico -Jesus Cristo plena realização da salvação e das promessas divinas). Mas se “conciliar” significa apenas reconhecer nas religiões tradicionais a presença de aspectos positivos – e portanto salvíficos (os que, com categorias tradicionais, se chamam as “sementes do Verbo”) – tal conciliação é possível. Mestre, neste sentido, é o Concílio Vaticano II, que marca um momento de abertura ao mundo das outras tradições religiosas. O Concílio adopta uma linguagem positiva para falar da relação da Igreja com as diversas religiões, pondo em realce elementos comuns que podem favorecer um diálogo recíproco. As religiões tradicionais africanas constituem um humus sócio-cultural de referência, também para os que já são cristãos, e portanto também por isso impõe-se como necessário um discernimento que ponha em evidência os seus elementos positivos e negativos. Por outro lado, não há dúvida que a atenção às culturas tradicionais pode favorecer os processos de inculturação e de contextualização do cristianismo, desde que se recorde porém que não há que mitizar as culturas tradicionais. Estas não existem em estado “puro”, até porque ao longo dos tempos sofreram modificações causadas, por exemplo, pelo encontro com outros universos culturais.

P. – À luz de tudo o que se disse, pode-se considerar a África “um continente de esperança”? 
R. – A África è mais do que um continente de esperança: è um continente onde já se vive uma transformação, por muito difícil que a consideremos. É um continente ferido, mas que, ainda assim, caminha. Nós, aqui no Ocidente, precisaríamos porventura de aprender a olhar para a África com estas “lentes”. A África não é só o continente da sida. É também a África do cinema, da literatura, e de tanta bela gente: entre os meus estudantes tenho conhecido pessoas excepcionais do ponto de vista humano e cristão.
(Isabella Piro)
Escuta o original desta entrevista em italiano: RealAudioMP3







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