Comunidades vivas da igreja em África numa entrevista com o Padre José Cavallini Coordenador
do Centro Comboni Multimedia
(23/9/2009) Segundo os últimos dados do Anuário Pontifício, no período 2000-2007
na África os sacerdotes aumentaram 27,6%. Em sua opinião, a que se deve este incremento? R.
– Quando se fala destes dados, que aliás são verdadeiros, há que ter o cuidado
de não os considerar apenas em si mesmos, mas inseri-los num quadro mais amplo: na
África existe na verdade uma vitalidade muito forte, que nasce do profundo sentido
de apego ao sagrado próprio das sociedades africanas e que, mais ainda do que nos
padres, nos cristãos e na Igreja Católica, alimentam a religião do Islão, das Igrejas
independentes, as seitas de variado tipo que brotam por todo o lado. É precisamente
neste quadro geral que devemos encarar estes dados. Dito isto, é de facto impressionante
este crescimento. É um dado muito positivo que aumentem os sacerdotes, que actualmente
se vão tornando o sinal de uma comunidade cristã que, em geral, assume as suas responsabilidades,
tornando-se capaz de olhar por si mesma (…) Portanto, o aumento do clero, incluindo
do clero local, será sem dúvida um grande rampa de lançamento para o futuro da Igrejas
em África.
P. – Existe o risco de que algumas vocações nasçam por razões
de comodidade, por exemplo para fugir à pobreza? R. – Isso é, sem dúvida,
um facto, experimentamo-lo continuamente nós os missionários: é um pouco o que até
há umas dezenas de anos acontecia também nos nossos meios, em Itália, na Europa em
geral. O facto de (na África, ndr) as famílias serem tão numerosas, de existirem realidades
demográficas em constante expansão – e que também haja um crescimento real do número
de aderentes à Igreja, através do catecumenato, etc. – favorece sem dúvida o facto
de, quase em cada família, existir o desejo de que algum filho se torne religioso,
o desejo assumido também por muitos jovens que vêem abrir-se uma possibilidade mais
segura, sob certos aspectos mais fácil, de construir uma vida melhor daquela que porventura
existe nos seus contextos. Muitas vezes, este desejo leva-os efectivamente a este
caminho. E aqui nascem, naturalmente, todos os problemas ligados a este facto: se
é verdade que há muita generosidade, em muitos sacerdotes jovens – e há que o reconhecer
– é também verdade que muitos acabam por revelar mais tarde terem empreendido este
caminho com outras intenções. P- É também notável, em África,
o aumento dos fiéis baptizados, correspondente a + 3,0 %. Qual a causa desta evolução
positiva? R. – Eu próprio, por experiência, vejo, desde há muitos anos,
e ainda hoje, que há inteiras regiões da África abertas ao Evangelho, à Palavra de
Deus, ao desejo de exprimir a própria fé, mesmo – digamos – de modo institucionalizado.
E portanto há catecumenados que florescem em muitas partes da África e há sobretudo
muito desejo de procurar a Deus, de O colocar no centro da própria vida. Esta evolução
positiva, juntamente com o factor demográfico, explica o facto de a Igreja ser já
actualmente uma grandíssima realidade, com mais de 150 milhões de “habitantes”, portanto,
há também um crescimento de fiéis que se tornou já num processo natural, fisiológico,
porque todos os anos nascem muitíssimas crianças, também nas comunidades católicas,
entrando portanto automaticamente na Igreja. P. – Do ponto de vista logístico,
a seu ver, a África tem estruturas adequadas para a formação e sustentação dos religiosos? R.
– Este é um campo verdadeiramente crítico. Por um lado, praticamente em quase todas
as dioceses existem instituições, seminários, centros particulares de formação que,
no que diz respeito às estruturas, conseguem satisfazer muitas exigências do crescimento
da Igreja. Mais do que a ausência de estruturas, o que falta para a adequada formação
das pessoas é, por vezes, a preparação de um número suficiente de formadores autóctones,
de pessoal local que acompanhe efectivamente a formação destes jovens, com amor e
desinteresse, com grande fé e paixão. Aliás eu não acredito que sejam as estruturas
“gigantescas”, tradicionalmente presentes nos nossos países, a garantir um futuro
de boa formação. Deveriam ser também os âmbitos das comunidades cristãs, portanto
o crescimento dos jovens, no próprio contexto eclesial, cultural, familiar, a imprimir
a marca fundamental à formação de um clero e de uma Igreja efectivamente convicta,
responsável. P – Quais as linhas-guia da evangelização em África? R.
– Como sabemos, o primeiro Sínodo africano, há mais de quinze anos, já tinha oferecido
um quadro global que falava de reconstruir uma Igreja entendida como grande família,
“a família de Deus”, como tinha sido definida. No centro dessa tinha-se inserido,
de modo fortíssimo, o tema da inculturação, isto é, a capacidade de encontrar as expressões
da tradição cultural de cada povo, de cada grupo, e portanto também de cada Igreja,
que melhor exprimissem o próprio Evangelho. Parece-me que continua a ser necessário
recuperar este grande tema. Esperemos que agora, neste segundo Sínodo, de Outubro,
a inculturação volte a ser posta no centro, porque é dela que nasce uma autêntica
identidade para as comunidades tão extensas e tão favoráveis, do ponto de vista numérico,
que existem hoje em dia na África. O outro grande tema da evangelização é certamente
o de prosseguir a caminho da auto-suficiência, em termos económicos, da parte das
Igrejas locais, e também em termos ministeriais – como aliás vai acontecendo – e em
termos de missionariedade. Também aqui, a África se está a exprimir muito bem, porque
realmente este intercâmbio de pessoal, de sacerdotes, de religiosos, vai acontecendo
cada vez mais. O último elemento è o do diálogo com as outras realidades religiosas,
porque deveríamos ser nós a promovê-lo, segundo o espírito do Concílio Vaticano II,
tanto a nível ecuménico como a nível inter-religioso, tornando-nos assim autênticos
agentes de transformação social, porque um importante papel desempenhado pela Igreja
até agora (e decerto também no futuro continuará a ser importante) é precisamente
o de aplicar a presença da fé à transformação do homem e da sociedade. P.
– Falámos de inculturação, mas existe também a outra frente, a das culturas tradicionais
africanas: como conciliar os dois aspectos? R. – Eu creio que se conciliam
de modo perfeito, porque - pelo menos na minha experiência, na de tantos amigos
e confrades meus e no encontro directo com as Igrejas locais – aonde se soube agir
de modo suficientemente acertado e sapiente, eu diria que a introdução, a todos os
níveis, de elementos de expressão tradicional, mesmo no plano religioso, da sensibilidade
pelo sagrado, a inculturação ocorreu segundo um processo quase espontâneo, e foi ali
onde as Igrejas alcançaram maior grau de responsabilidade, de capacidade de se gerirem,
mesmo na passagem gradual para superarem o grande risco, aliás muito presente, de
“clericalizar” um tanto o ambiente eclesial. Ao passo que, pelo contrário, inculturar
significa promover por exemplo a responsabilidade dos leigos, dos chefes locais, que
são muito apreciados, muito escutados, mesmo no âmbito tradicional. Também no âmbito
da formação e da educação, a inculturação é a chave para dar “um rosto africano à
Igreja na África” como dizia Paulo VI. P. – À luz do que foi
dito, qual è o contributo das missões? R. – (…) Com base na minha experiência,
provavelmente ser-nos-á pedido uma obra de auto-conversão ainda maior do que aquela
de que fomos capazes até agora. Porque, para mim, a África está a viver a estação
da própria adolescência, está portanto em pleno fermento e à procura da sua própria
identidade, que a coloca automaticamente quase em conflito, muitas vezes, com as modalidades
tradicionais de ver gerido o próprio crescimento, quero dizer mais a partir de fora.
É um grande desafio desempenhar o papel de João Baptista, neste tempo, isto é, diminuir
para lhes deixar efectivamente espaço: ao que é local, ao clero autónomo, aos leigos
já empenhados, muito capazes e convictos na fé. Portanto, o nosso contributo é o de
requalificar um pouco o nosso empenho, a nossa presença como missionários, preparando-nos
melhor, especializando-nos não na pastoral “ordinária”, digamos assim, mas naquelas
estruturas em que é importante estarmos para dar garantias de preparar bem aqueles
que serão os protagonistas futuros do contínuo crescimento da maturação desta Igreja. (Isabella
Piro) Escuta o original desta entrevista em italiano: