Cidade do Vaticano, 17 set (RV) – Leia a seguir, na íntegra, o discurso de
Bento XVI aos bispos do Regional Nordeste 2 e a saudação do presidente do Regional,
Dom Antônio Muniz Fernandes, ao Santo Padre:
DISCURSO DO PAPA
Venerados
Irmãos no Episcopado,
Como o apóstolo Paulo nos primórdios da Igreja, viestes,
amados Pastores das províncias eclesiásticas de Olinda e Recife, Paraíba, Maceió e
Natal, visitar Pedro (cf. Gal 1, 18). Acolho e saúdo com afeto cada um de vós, a começar
por Dom Antônio, Arcebispo de Maceió, a quem agradeço os sentimentos que manifestou
em nome de todos fazendo-se intérprete também das alegrias, dificuldades e esperanças
do povo de Deus peregrino no Regional Nordeste 2 [dois]. Na pessoa de cada um de vós,
abraço os presbíteros e os fiéis das vossas comunidades diocesanas.
Nos seus
fiéis e nos seus ministros, a Igreja é sobre a Terra a comunidade sacerdotal organicamente
estruturada como Corpo de Cristo, para desempenhar eficazmente, unida à sua Cabeça,
a sua missão histórica de salvação. Assim no-lo ensina São Paulo: «Vós sois Corpo
de Cristo e seus membros, cada um na parte que lhe toca» (1 Cor 12, 27). Com efeito,
os membros não têm todos a mesma função: é isto que constitui a beleza e a vida do
corpo (cf. 1 Cor 12, 14-17). É na diversidade essencial entre sacerdócio ministerial
e sacerdócio comum que se entende a identidade específica dos fiéis ordenados e leigos.
Por essa razão é necessário evitar a secularização dos sacerdotes e a clericalização
dos leigos. Nessa perspectiva, portanto, os fiéis leigos devem empenhar-se em exprimir
na realidade, inclusive através do empenho político, a visão antropológica cristã
e a doutrina social da Igreja. Diversamente, os sacerdotes devem permanecer afastados
de um engajamento pessoal na política, a fim de favorecerem a unidade e a comunhão
de todos os fiéis e assim poderem ser uma referência para todos. É importante fazer
crescer esta consciência nos sacerdotes, religiosos e fiéis leigos, encorajando e
vigiando para que cada um possa sentir-se motivado a agir segundo o seu próprio estado.
O
aprofundamento harmônico, correto e claro da relação entre sacerdócio comum e ministerial
constitui atualmente um dos pontos mais delicados do ser e da vida da Igreja. É que
o número exíguo de presbíteros poderia levar as comunidades a resignarem-se a esta
carência, talvez consolando-se com o fato de a mesma evidenciar melhor o papel dos
fiéis leigos. Mas, não é a falta de presbíteros que justifica uma participação mais
ativa e numerosa dos leigos. Na realidade, quanto mais os fiéis se tornam conscientes
das suas responsabilidades na Igreja, tanto mais sobressaem a identidade específica
e o papel insubstituível do sacerdote como pastor do conjunto da comunidade, como
testemunha da autenticidade da fé e dispensador, em nome de Cristo-Cabeça, dos mistérios
da salvação.
Sabemos que «a missão de salvação, confiada pelo Pai a seu Filho
encarnado, é confiada aos Apóstolos e, por eles, aos seus sucessores; eles recebem
o Espírito de Jesus para agirem em seu nome e na sua pessoa. Assim, o ministro ordenado
é o laço sacramental que une a ação litúrgica àquilo que disseram e fizeram os Apóstolos
e, por eles, ao que disse e fez o próprio Cristo, fonte e fundamento dos sacramentos»
(Catecismo da Igreja Católica, n. 1120). Por isso, a função do presbítero é essencial
e insubstituível para o anúncio da Palavra e a celebração dos Sacramentos, sobretudo
da Eucaristia, memorial do Sacrifício supremo de Cristo, que dá o seu Corpo e o seu
Sangue. Por isso urge pedir ao Senhor que envie operários à sua Messe; além disso,
é preciso que os sacerdotes manifestem a alegria da fidelidade à própria identidade
com o entusiasmo da missão.
Amados Irmãos, tenho a certeza de que, na vossa
solicitude pastoral e na vossa prudência, procurais com particular atenção assegurar
às comunidades das vossas dioceses a presença de um ministro ordenado. Na situação
atual em que muitos de vós sois obrigados a organizar a vida eclesial com poucos presbíteros,
é importante evitar que uma tal situação seja considerada normal ou típica do futuro.
Como lembrei ao primeiro grupo de Bispos brasileiros na semana passada, deveis concentrar
esforços para despertar novas vocações sacerdotais e encontrar os pastores indispensáveis
às vossas dioceses, ajudando-vos mutuamente para que todos disponham de presbíteros
melhor formados e mais numerosos para sustentar a vida de fé e a missão apostólica
dos fiéis.
Por outro lado, também aqueles que receberam as Ordens sacras são
chamados a viver com coerência e em plenitude a graça e os compromissos do batismo,
isto é, a oferecerem-se a si mesmos e toda sua vida em união com a oblação de Cristo.
A celebração quotidiana do Sacrifício do Altar e a oração diária da Liturgia das Horas
devem ser sempre acompanhadas pelo testemunho de toda existência que se faz dom a
Deus e aos outros e torna-se assim orientação para os fiéis.
Ao longo dos
meses que estão decorrendo, a Igreja tem diante dos olhos o exemplo do Santo Cura
d’Ars, que convidava os fiéis a unirem suas vidas ao Sacrifício de Cristo e oferecia-se
a si mesmo, exclamando: «Como faz bem um padre oferecer-se em sacrifício a Deus todas
as manhãs!» (Le Curé d’Ars. Sa pensée – son cœur, coord. Bernard Nodet, 1966, pág.
104). Ele continua sendo um modelo atual para os vossos presbíteros, expressamente
na vivência do celibato como exigência do dom total de si mesmos, expressão daquela
caridade pastoral que o Concílio Vaticano II [segundo] apresenta como centro unificador
do ser e do agir sacerdotal. Quase contemporaneamente vivia no vosso amado Brasil,
em São Paulo, Frei Antônio de Sant’Anna Galvão, que tive a alegria de canonizar a
11 [onze] de maio de 2007 [dois mil e sete]: também ele deixou um «testemunho de fervoroso
adorador da Eucaristia (…), [vivendo] em laus perene, em atitude constante de oração»
(Homilia na sua canonização, n. 2). Deste modo ambos procuraram imitar Jesus Cristo,
fazendo-se cada um deles não só sacerdote, mas também vítima e oblação como Jesus.
Amados
Irmãos no Episcopado, já se manifestam numerosos sinais de esperança para o futuro
das vossas Igrejas particulares, um futuro que Deus está preparando através do zelo
e da fidelidade com que exerceis o vosso ministério episcopal. Quero certificar-vos
do meu apoio fraterno ao mesmo tempo que peço as vossas orações para que me seja concedido
confirmar a todos na fé apostólica (cf. Lc 22, 32). A bem-aventurada Virgem Maria
interceda por todo o povo de Deus no Brasil, para que pastores e fiéis possam, com
coragem e alegria, «anunciar abertamente o mistério do Evangelho» (cf. Ef 6, 19).
Com esta oração, concedo a minha Bênção Apostólica a vós, aos presbíteros e a todos
os fiéis das vossas dioceses: «A paz esteja com todos vós que estais em Cristo» (1
Ped 5, 14).
SAUDAÇÃO DE DOM ANTONIO MUNIZ FERNANDES
Santo Padre!
Nós,
Bispos do Regional Nordeste 2 da CNBB, estamos sempre em comunhão com Sua Santidade,
pondo na prática de nossas Igrejas particulares as diretrizes do Documento da V Conferência
do Episcopado Latino Americano e do Caribe em Aparecida: sendo uma Igreja Missionária
e Samaritana a serviço da vida e da Esperança.
A Conferência Geral do Episcopado
Latino-Americano e do Caribe nos desafia para a Missão O ponto de partida
de Aparecida é a constatação de uma realidade de mudanças profundas que atingem a
sociedade. É uma mudança de época, na qual o sentido da vida é questionável em todas
as suas dimensões. Constata uma realidade que se coloca em direto confronto com
os valores do Reino de Vida. A exclusão e o abandono de uma multidão de pessoas, colocadas
à margem, ignoradas em sua dor e sofrimento, aniquiladas e negadas em sua condição
é algo gritante que contradiz o projeto de Deus e desafia a Igreja para assumir um
compromisso no qual a vida ocupe um lugar de primazia. Jesus anuncia um Reino
onde a plenitude da vida é valor a ser promovido e defendido. Ele veio para que todos
tenham vida e a tenham em abundância. Quando confrontamos este Reino da vida e da
liberdade com as situações de desumanização das pessoas, somos levados a perceber
o abismo existente e a incompatibilidade gritante entre este Reino e a atual realidade
que vivemos. Cada vez mais são gerados novos tipos de pobreza e exclusão, e rostos
diversos desta realidade que é fruto da exclusão social vão se delineando diante de
nós. Há uma pobreza que leva o ser humano a experimentar não somente a exclusão, mas
a própria condição de sentir-se supérfluo e descartável em um sistema que eleva o
desenvolvimento econômico e o lucro como valores absolutos. Diante desta idolatria,
há um clamor que emerge dos porões da humanidade e exige uma atitude verdadeiramente
profética por parte dos discípulos de Jesus.
A Igreja se redescobre Missionária
e se coloca em permanente estado de missão Como a Samaritana, a Igreja encontra
o Mestre, sentado à beira dos poços da história, oferecendo a água que sacia, gera
vida, provoca conversão, recupera o vigor e impulsiona para a missão. Convoca a um
processo de desinstalação da rotina e do comodismo da vida; provoca revisão das estruturas,
métodos e meios que não mais respondem à transmissão audaz da boa-nova do Evangelho. Como
a comunidade de Samaria que recebeu o anúncio e acolhe a verdade transformadora do
Evangelho, a Igreja deseja que cada uma de nossas comunidades, livre do cansaço, da
desilusão e da acomodação seja, a partir do Evangelho, um centro capaz de irradiar
a vida e de gerar e reacender nos corações a esperança. Há um desejo explícito
que a realidade da missão seja algo a penetrar o tecido da vida eclesial em todas
as suas dimensões, inclusive com a conversão necessária de pessoas, estruturas e instituições
que ultrapassadas não mais servem para a comunicação da boa nova libertadora de Jesus
e para a promoção da cultura da vida. A audácia é exigida de todos para ir para além
de uma pastoral de conservação a uma atitude decididamente missionária no campo da
evangelização. Isto exige uma profunda renovação pastoral na qual todos os atores
da vida da Igreja devem ser comprometidos e implica uma ação pastoral que seja realmente
pensada, levando em conta os novos areópagos que desafiam a evangelização e o protagonismo
dos novos agentes da evangelização. Também neste contexto de missão gostaríamos de
humildemente pedir à Santa Mãe Igreja a reabilitação canônica do Padre Cícero Romão
Batista e a Canonização do Apóstolo da Caridade o Padre Ibiapina.
Ao encontro
de cada ser humano caído à beira do Caminho A Igreja quer ser uma Igreja Samaritana
e peregrina, uma Igreja sempre a caminho, misturada na história das pessoas, solidária
com todos os que encontramos à beira do Caminho, deixados à margem, excluídos, negados
na sua condição de humanidade. Uma Igreja que não seja uma mera passante, apressada,
com compromissos superficiais que roubam a sensibilidade, mas uma Igreja com tempo
para parar junto das pessoas e cuidar das suas feridas, sem horas marcadas para o
fim da viagem, com reservas para provocar nos outros a cadeia de solidariedade e de
comunhão com a vida humana ferida. Uma Igreja da esperança, capaz de pronunciar
uma palavra no turbilhão do mundo. Uma Igreja onde a vida, mesmo frágil tem sabor
de eternidade; Igreja, esposa de Jesus Cristo, que caminha na sua presença, que desperta
nos seus filhos o sonho de trabalhar e servir com todas as forças. Pedimos a Sua
Santidade a tão desejada Benção Apostólica!