Castel Gandolfo, 07 set (RV) – Leia na íntegra o discurso de Bento XVI aos
bispos dos Regionais Oeste 1 e 2 da CNBB, na conclusão de sua visita ad Limina, e
a saudação ao papa do Arcebispo de Campo Grande, Vitório Pavanello:
DISCURSO
DE BENTO XVI
Queridos Irmãos no Episcopado,
Com sentimentos de íntima
alegria e amizade, acolho e saúdo a todos e cada um de vós, amados Pastores dos Regionais
Oeste 1 [um] e 2 [dois] no âmbito da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Com
o vosso grupo, abre-se a longa peregrinação dos membros desta Conferência Episcopal
em visita ad limina Apostolorum, que me dará ocasião de conhecer melhor a realidade
das respectivas comunidades diocesanas. Serão jornadas de partilha fraterna para refletirmos
juntos sobre as questões que vos preocupam. Um momento profundamente esperado desde
aqueles inesquecíveis dias de maio de dois mil e sete, em que durante a minha visita
ao vosso país pude experimentar todo o carinho do povo brasileiro pelo Sucessor de
Pedro e, de modo especial, quando tive a possibilidade de abraçar com o olhar todo
episcopado desta grande nação no encontro na catedral da Sé, em São Paulo. Com
efeito, só o coração grande de Deus pode conhecer, guardar e reger a multidão de filhos
e filhas que Ele mesmo gerou na vastidão imensa do Brasil. Ao longo dos nossos colóquios
destes dias, emergiam alguns desafios e problemas que enfrentais, como o Arcebispo
de Campo Grande referia ao início deste nosso encontro. Impressionam as distâncias
que vós mesmos, juntamente com vossos sacerdotes e demais agentes missionários, tendes
de percorrer para servir e animar pastoralmente os respectivos fiéis, muitos deles
a braços com problemas próprios duma urbanização relativamente recente onde o Estado
nem sempre consegue ser um instrumento de promoção da justiça e do bem comum. Não
vos desanimeis! Lembrai-vos que o anúncio do Evangelho e a adesão aos valores cristãos,
como afirmei recentemente na Encíclica Caritas in Veritate «é um elemento útil e mesmo
indispensável para a construção duma boa sociedade e dum verdadeiro desenvolvimento
humano integral» (n. 4). Obrigado, Senhor Dom Vitório, pelas amáveis palavras e devotados
sentimentos que me dirigiu em nome de todos e que me apraz retribuir com votos de
paz e prosperidade para o povo brasileiro neste significativo dia da sua Festa Nacional. Como
Sucessor de Pedro e Pastor universal, posso assegurar-vos que o meu coração vive dia
a dia as vossas inquietudes e canseiras apostólicas, não cessando de lembrar junto
de Deus os desafios que enfrentais no crescimento das vossas comunidades diocesanas.
Em nossos dias, e concretamente no Brasil, os trabalhadores na Messe do Senhor continuam
a ser poucos para a colheita que é grande (cf. Mt 9, 36-37). Não obstante a carência
sentida, é verdadeiramente essencial uma adequada formação daqueles que são chamados
a servir o Povo de Deus. Por essa razão, no âmbito do Ano Sacerdotal em curso, permiti
que me detenha hoje a refletir convosco, amados Bispos do Oeste brasileiro, sobre
a solicitude qualificativa do vosso ministério episcopal que é a geração de novos
pastores. Embora seja Deus o único capaz de semear no coração humano a chamada
para o serviço pastoral do seu povo, todos os membros da Igreja deveriam interrogar-se
sobre a urgência íntima e o real empenho com que sentem e vivem esta causa. Um dia,
quando alguns dos discípulos temporizavam observando que faltavam «ainda quatro meses»
para a colheita, Jesus rebateu: «Pois eu vos digo: Levantai os olhos e vede os campos,
como estão dourados, prontos para a colheita» (Jo 4, 35). Deus não vê como o homem!
A pressa do bom Deus é ditada pelo seu desejo de que «todos os homens se salvem e
cheguem ao conhecimento da verdade» (1 Tm 2,4). Há tantos que parecem querer consumir
a vida toda em um minuto, outros que vagueiam no tédio e na inércia, ou abandonam-se
a violências de todo gênero. No fundo, não passam de vidas desesperadas à procura
da esperança, como o demonstra uma difusa embora às vezes confusa exigência de espiritualidade,
uma renovada busca de pontos de referência para retomar a estrada da vida. Prezados
Irmãos, nos decênios sucessivos ao Concílio Vaticano II [segundo], alguns interpretaram
a abertura ao mundo, não como uma exigência do ardor missionário do Coração de Cristo,
mas como uma passagem à secularização, vislumbrando nesta alguns valores de grande
densidade cristã como igualdade, liberdade, solidariedade, mostrando-se disponíveis
a fazer concessões e descobrir campos de cooperação. Assistiu-se assim a intervenções
de alguns responsáveis eclesiais em debates éticos, correspondendo às expectativas
da opinião pública, mas deixou-se de falar de certas verdades fundamentais da fé,
como do pecado, da graça, da vida teologal e dos novíssimos. Insensivelmente caiu-se
na auto-secularização de muitas comunidades eclesiais; estas, esperando agradar aos
que não vinham, viram partir, defraudados e desiludidos, muitos daqueles que tinham:
os nossos contemporâneos, quando vêm ter conosco, querem ver aquilo que não vêem em
parte alguma, ou seja, a alegria e a esperança que brotam do fato de estarmos com
o Senhor ressuscitado. Atualmente há uma nova geração já nascida neste ambiente
eclesial secularizado que, em vez de registrar abertura e consensos, vê na sociedade
o fosso das diferenças e contraposições ao Magistério da Igreja, sobretudo em campo
ético, alargar-se cada vez mais. Neste deserto de Deus, a nova geração sente uma grande
sede de transcendência. São os jovens desta nova geração que batem hoje à porta
do Seminário e que necessitam encontrar formadores que sejam verdadeiros homens de
Deus, sacerdotes totalmente dedicados à formação, que testemunhem o dom de si à Igreja,
através do celibato e da vida austera, segundo o modelo do Cristo Bom Pastor. Assim
esses jovens aprenderão a ser sensíveis ao encontro com o Senhor, na participação
diária da Eucaristia, amando o silêncio e a oração, procurando, em primeiro lugar,
a glória de Deus e a salvação das almas. Amados Irmãos, como sabeis, é tarefa do Bispo
estabelecer os critérios essenciais para a formação dos seminaristas e dos presbíteros
na fidelidade às normas universais da Igreja: neste espírito devem ser desenvolvidas
as reflexões sobre este tema, objeto da assembléia plenária da vossa Conferência Episcopal,
em abril passado. Certo de poder contar com o vosso zelo no tocante à formação
sacerdotal, convido todos Bispos, seus sacerdotes e seminaristas a reproduzirem na
vida a caridade de Cristo Sacerdote e Bom Pastor, como fez o Santo Cura d’Ars. E,
como ele, tomem por modelo e proteção da própria vocação a Virgem Mãe, que correspondeu
de um modo único ao chamado de Deus, concebendo no seu coração e na sua carne o Verbo
feito homem para doá-lo à humanidade. Às vossas dioceses, com uma cordial saudação
e a certeza da minha oração, levai uma paterna Bênção Apostólica.
SAUDAÇÃO
DE DOM VITÓRIO PAVANELLO
Beatíssimo Padre, Estamos no fim da nossa Visita
ad Limina, quando, pela primeira vez, nós bispos dos regionais Oeste I e Oeste II
da CNBB, temos a graça de nos encontrar com Vossa Santidade, como Papa eleito para
governar a santa Igreja, e através de vossa pessoa, sentir o pulsar do coração da
Igreja católica que tanto nós amamos. Toda Visita ad Limina se torna um momento
marcante para nós bispos, no encontro pessoal e reservado com Vossa Santidade, e,
nesse momento, além de ouvir vossas palavras, quais filhos confiantes no coração do
pai, abrir o nosso para expor as realizações pastorais que acontecem em cada uma de
nossas Dioceses, como também relatar os grandes desafios que se apresentam à Igreja
na nossa vasta região de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Nos dois regionais da
CNBB - Oeste I e Oeste II, temos a alegria, Santo Padre, de apresentar-vos que, desde
a última Visita ad Limina, cresceu em número e também em qualidade o clero diocesano.
Para atender a sua formação temos dois centros ou seminários regionais, primeiro em
Campo Grande, o Seminário Regional Maria Mãe da Igreja, dividido em duas comunidades,
uma dos estudantes de filosofia e a outra a dos estudantes de teologia. Todos os seminaristas
de filosofia freqüentam o curso de filosofia na Universidade Católica Dom Bosco e
os de teologia no Instituto Teológico do Oeste, João Paulo II. No Regional Oeste
II, o Seminário também é regional e todos estudam num único centro de formação filosófica
e teológica. Ao lado das alegrias de um clero crescente e oblativo, temos também
a alegria de informar-vos, Santo Padre, sobre o despertar sempre mais numeroso de
agentes de pastoral formados por leigos e leigas. Para atender as suas aspirações
e exigências, a maioria das Dioceses abriram para eles escolas de formação cristã,
pastoral, de teologia para que eles, bem preparados e treinados ,se tornem forças
vivificadoras nas dioceses, nas paróquias e nas pequenas comunidades eclesiais e na
sociedade. Graças aos leigos mais conscientizados e preparados, vemos crescer
e se organizar sempre melhor a dimensão catequética, visando sobretudo os adultos,
sem menosprezar as crianças e adolescentes. Pela ação da Catequese estamos adotando
o Ritual da Iniciação Cristã de Adultos, entre nós chamado de RICA. São muitos os
adultos não batizados e que agora pedem o Batismo. São os leigos os nossos grandes
e disponíveis agentes a preparar os catecúmenos para a recepção dos Sacramentos do
Batismo, da Confirmação e da Eucaristia. No coração da ação dos leigos, colocamos
como força prioritária a pastoral da Família, como nos pede a Familiaris Consortio
e o Documento de Aparecida entre outros documentos pontifícios e nacionais da Igreja. Outra
ação que se espalha com força evangélica são as missões populares que em todas as
Dioceses estão se organizando, programando e acontecendo com muitos frutos de conscientização
e compromissos sempre mais assumidos pelos fiéis. Ao lado desses dados positivos
que certamente alegrarão o coração de Vossa Santidade, não podemos esconder também
os grandes desafios que as nossas Igrejas particulares têm de enfrentar. Em primeiro
lugar, temos os desafios das seitas evangélicas que, em sua maioria, são terrivelmente
agressivas, tornando quase impossível a tentativa de aproximação e de diálogo ecumênico. Mesmo
com toda a força missionária que estamos desenvolvendo em nossas dioceses, não podemos
deixar de lamentar o êxodo de grande número de fiéis incautos que caem nas malhas
destas igrejas que, com a Bíblia, como Palavra de Deus, enganam os fiéis expropriando-lhes
o dinheiro para fins pessoais ou de poucos, em vez de aplicá-lo para o bem social
da sua comunidade. Um dos seus objetivos é a busca do poder político. Para isso
investem muito na política partidária, de modo a buscar a eleição e escolha de muitos
de seus representantes para serem eleitos nas câmaras municipais, nas assembléias
legislativas e também no Congresso federal. Sofremos também, Santo Padre, com a
política indigenista, sobretudo em Mato Grosso do Sul onde a maioria dos índios Guaranis
e Kadiweus estão sendo sempre mais encurralados em pequenas áreas, dificultando a
expansão, a expressão da sua cultura e da sua própria sobrevivência. Podemos afirmar
que a única voz em sua defesa é a Igreja que, graças a Deus, é bastante ouvida, mas
que, na hora de agir, sempre aparecem recursos jurídicos a postergar aquilo que é
fundamental para eles: a delimitação das áreas indígenas que por direito histórico
lhes pertence. No campo político reconhecemos que a Igreja goza de estima, sobretudo
quando se pronuncia em defesa dos mais fracos e tenta dialogar com os poderes executivo,
legislativo e judiciário. Torna-se, porém, delicada a presença da Igreja, em vista
da corrupção que grassa em todas as esferas do Governo. Para não comprometer-se com
ela, às vezes acabamos por ficar longe dos centros decisórios. Mas aqui estamos
Santo Padre, não só para relatar-vos alguns dos pontos que mais nos preocupam no nosso
trabalho pastoral, mas também para ouvir a vossa palavra que certamente como Pastor
supremo tem a mensagem oportuna para nos animar e iluminar no nosso múnus pastoral. Santo
Padre, estamos aqui para testemunhar a nossa comunhão profunda com toda a Igreja.
Queremos estar sempre cum Petro e sub Petro, na certeza de que, na comunhão plena
com o Santo Padre, está a garantia do êxito do nosso trabalho pastoral e, através
do Romano Pontífice, estamos também em comunhão com todos os bispos da nossa Igreja. Por
fim, Santo Padre, certo de interpretar os sentimentos dos meus irmãos bispos aqui
presentes, quero agradecer, em primeiro lugar a Vossa visita pastoral, pela canonização
de Santo Antonio Maria Galvão, em São Paulo, e sua presença na abertura da Conferência
dos Bispos da América Latina e do Caribe, em Aparecida. Vossa Santidade não pode avaliar
o grande bem que produziu no meio do nosso povo a sua presença amável, sorridente,
emoldurada na simplicidade de um verdadeiro bom pastor e, ao lado da sua presença,
também as palavras sábias para a vida pastoral e missionária para a nossa Igreja que
vive no Brasil. Quero também agradecer a promulgação do Ano Paulino que levou a
muitos e também a nós a nos aprofundar na vida e missão do grande Apóstolo dos gentios. Quero
agradecer a criação do Ano Sacerdotal que está despertando muito interesse e reflexão
sobre a vida e a missão do sacerdote, consciência não só vivenciada pelos próprios
sacerdotes, mas também despertada entre os nossos fiéis como a valorizar a vida e
o ministério dos presbíteros e exigir deles uma vida transparente de santidade, de
pureza e de entrega aos fiéis a exemplo de Cristo, o bom Pastor. Por último, Santo
Padre, quero agradecer-Vos a sua última carta encíclica “Caritas in veritate” , muito
oportuna e muito incisiva para todos os homens de boa vontade, mas também para nós
muito propícia para o nosso múnus episcopal. Pedimos a Nosso Senhor, na intercessão
de Nossa Senhora e dos Apóstolos Pedro e Paulo, cujos túmulos visitamos e sobre eles
renovamos a profissão de fé, que o conserve por muitos anos, com saúde e força física
suficiente para governar a Igreja que o Espírito Santo lhe confiou a partir do último
conclave. Dê-nos a vossa Bênção Apostólica para retornarmos às nossas dioceses
com mais vigor, alegria e sabedoria e que essa Bênção seja estendida aos nossos presbíteros,
religiosas, religiosos, seminaristas e a todos os nossos fiéis.