Cidade do Vaticano 29 ago (RV) - "Fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração
inquieta-se enquanto não descansa em Ti": essa afirmação de Santo Agostinho pode ser
o ponto de perspectiva a partir do qual analisar a questão da ratificação do Acordo
Brasil-Santa Sé.
O Brasil é um estado laico, mas não é um Estado ateu, tanto
assim, que a Constituição Federal em seu prólogo, invoca Deus da forma seguinte: "Nós,
representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para
instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais
e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade
e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a
solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.".
Efetivamente, o Brasil nasceu
sob a invocação de Deus e se organizou sob a proteção da cruz. E nossa tradição, durante
anos, foi sempre pautada na crença em Deus. A princípio, toda essa cultura nos foi
legada pela Igreja Católica. Os primeiros colégios eram católicos, as universidades
eram católicas, o povo, em sua maioria, era católico. Hoje, somos uma nação na qual
convivem os mais diversos credos e as mais diversas formas de expressar essas crenças.
Mas diante do princípio da igualdade de direitos, previsto no artigo 5º, caput, da
Constituição Federal, todos os credos devem conviver em harmonia em direitos e obrigações.
A intolerância religiosa foi e é, ainda hoje, motivo de muitas desavenças entre os
povos e muitas das guerras atuais têm como gênese conflitos inter-religiosos.
Por
esse fato, em sua célebre Declaração Universal dos Direitos Humanos, a ONU adotou
como princípio, a liberdade de religião ou de crença pelo ensino, pela prática e pelo
culto, em seu artigo 18: "Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência
e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade
de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela
observância isolada ou coletivamente, em público ou em particular".
Ora, tendo
o Brasil, pela Constituição Federal de 1988, consagrado de forma inédita, que os direitos
e garantias expressos na Constituição "não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais nos quais a República
Federativa do Brasil seja parte" (art. 5°, §2°), os direitos garantidos nos Tratados
de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil integram a relação de direitos constitucionalmente
protegidos.
Assim, com base na Declaração dos Direitos Humanos, não se pode,
sob a alegação da liberdade de crença, impedir que a nação brasileira possa, em nome
de seus filhos católicos, ser impedida de celebrar o Acordo com a Santa Sé, para disciplinar
as relações bilaterais para os cidadãos brasileiros que professam a religião católica,
uma vez que os dispositivos do Acordo só se aplicam a tais cidadãos. De fato, assim
dispõe o Acordo em seu artigo 2º: "A República Federativa do Brasil, com fundamento
no direito de liberdade religiosa, reconhece à Igreja Católica o direito de desempenhar
a sua missão apostólica, garantindo o exercício público de suas atividades, observado
o ordenamento jurídico brasileiro."
Por sua vez, no artigo 6º do mesmo Acordo,
há um reconhecimento manifesto do patrimônio artístico e cultural que a Igreja Católica
trouxe para a nação brasileira. Tentar barrar esse acordo com base na liberdade religiosa,
é desconhecer esse patrimônio, que, embora provenha do sentimento religioso católico,
hoje pertence a todo povo brasileiro: "As Altas Partes reconhecem que o patrimônio
histórico, artístico e cultural da Igreja Católica, assim como os documentos custodiados
nos seus arquivos e bibliotecas, constituem parte relevante do patrimônio cultural
brasileiro, e continuarão a cooperar para salvaguardar, valorizar e promover a fruição
dos bens, móveis e imóveis, de propriedade da Igreja Católica ou de outras pessoas
jurídicas eclesiásticas, que sejam considerados pelo Brasil como parte de seu patrimônio
cultural e artístico" – reza o Acordo.
Não se compreende, portanto, que haja
um movimento de entidades não-católicas, através de pesquisas dirigidas da opinião
pública, para impedir que o Acordo Internacional celebrado entre o Brasil e a Santa
Sé seja ratificado pelo Congresso Nacional, uma vez que esse acordo disciplina as
relações da Igreja Católica − pessoa jurídica de Direito Internacional – e se refere
aos fiéis que professam essa religião. Por outro lado, o Acordo não impede, de forma
alguma, que outras crenças – cientes dos direitos que lhe são reconhecidos pelo Direito
Internacional − venham a celebrar acordos para preservar seus cultos e ritos. (Pe.
Wagner Augusto Portugal)