ACORDO BRASIL-SANTA SÉ É APENAS UM DOS TEMAS EM DEBATE
Jales, 22 ago (RV) – A religião volta e meia retorna ao centro dos debates.
Um debate que se vê envolvido na emotividade das pessoas e que, exatamente por isso,
carece de imparcialidade, de bom senso e de discernimento.
Nestes dias, este
debate está-se intensificando, em decorrência de alguns eventos: o intento de um promotor
de Justiça, de proibir qualquer símbolo religioso em espaços públicos; a ratificação,
por parte do Congresso Nacional, do acordo Brasil-Santa Sé; e ainda as notícias de
exploração financeira envolvendo uma Igreja acusada de extorquir dinheiro de seus
membros e aplicá-lo para enriquecimento pessoal.
"Dada a complexidade do assunto
– afirma o bispo de Jales, SP, Dom Demétrio Valentini − é bom invocar, de princípio,
a prática de Cristo. Ele soube ser muito crítico diante de normas religiosas que careciam
de sentido humano. Ao mesmo tempo, soube respeitar os gestos que traduziam a fé do
povo, como a oferta da viúva no templo, ou o pedido insistente da mulher cananéia
para a cura de sua filha."
"Mas, sobretudo – prossegue o prelado − Jesus lidava
com as multidões com muita responsabilidade. Com freqüência, o evangelho observa que
Jesus se detinha em "despedir as multidões". Assim fazendo, com certeza queria preservar
o povo dos perigos que rodeavam, naquele tempo, as manifestações de massa. E queria,
a todo custo, manter sua atividade e sua pregação dentro dos objetivos de sua missão,
não permitindo que fossem deturpados por equívocos inerentes a utopias que a religiosidade
suscita facilmente."
"A mesma prontidão de espírito deveria presidir a todos
que lidam com a religiosidade do povo" – indica Dom Demétrio.
"Pois a religiosidade,
por sua força de motivação popular – argumenta o bispo − se presta muito facilmente
a explorações, sobretudo de ordem financeira. Basta conferir a escandalosa extorsão
de dinheiro que é praticada por gente que invoca a condição de igreja para enganar
o povo e mascarar seus objetivos."
Dom Demétrio explica que "a atividade religiosa,
como qualquer outra, em sua prática externa cai sob o domínio da ética". "E tudo o
que cai sob o domínio da ética – acrescenta − cai sob a responsabilidade do Estado,
que tem o direito, e o dever de urgir a coerência ética de qualquer atividade pública.
A atividade econômica de qualquer Igreja, como de qualquer indivíduo ou instituição,
precisa se guiar pelas normas traçadas pelo poder público."
"Por razões históricas
– argumenta Dom Demétrio − o Estado brasileiro se inibiu diante da religião. Desde
a proclamação da República, ficou sem parâmetros para discernir o que é incumbência
das religiões, e o que é atribuição do Estado. Diante deste embaraço estatal, com
facilidade alguns colocam a máscara de "Igreja" para praticar abusos condenáveis,
que deveriam ser coibidos pelo Estado."
"Uma das vantagens do "Acordo" que
finalmente o Estado brasileiro acaba de celebrar com a Santa Sé – conclui o bispo
de Jales − e que precisa ainda ser referendado pelo Congresso Nacional, é a de estabelecer
pelo menos alguns parâmetros que ajudem a situar campos de competências, preservar
legítimas autonomias, e estimular o cumprimento das respectivas responsabilidades."
"Pois é urgente – arremata o prelado − recolocar a fé a serviço da vida, e
não deixar que ela seja explorada para enriquecimento ilícito e outras falcatruas
que o Estado precisa reprimir." (AF)