A Enciclica "Caritas in veritate": ser cristãos num mundo globalizado e em crise
(15/7/2009) Bento XVI publicou a sua terceira encíclica dedicada ao desenvolvimento
humano integral na caridade e na verdade: "Caritas in veritate". É uma
reflexão profunda que apresenta a Doutrina da Social da Igreja, tendo como base a
encíclica de Paulo VI: "Populorum progressio" (1967) e a sua noção de desenvolvimento
do "Homem todo e todo o homem". O contexto actual da globalização e da crise
económico-financeira justificam uma reflexão nova que nasce da fé e da razão dum Pastor
com coração e solicitude universal. Como homem de fé, Bento XVI, alerta para os
perigos dum humanismo sem Deus, nem referência ao "mais" da transcendência: "Um
humanismo que exclui Deus é um humanismo desumano. (...) O amor de Deus chama-nos
a sair daquilo que é limitado e não definitivo, dá-nos coragem de agir continuando
a procurar o bem de todos" (nº78). Quem perde o sentido de Deus, facilmente cai
no relativismo, no laicismo e na idolatria da técnica e da ciência. Por outro lado,
o fundamentalismo ou expressões religiosas que negam o valor da criação alienam-nos
da construção do bem comum. Só a caridade na verdade, que nasce da fé no Deus Trindade,
nos pode ajudar a superar a visão materialista da realidade e a reconhecer no outro
um irmão, membro da mesma família que chama a Deus: Pai-Nosso (cf. nº71, 79). O
Papa, convida-nos ao discernimento guiado pela razão, pois o desenvolvimento integral
e universal é uma vocação que exige uma boa fundamentação ética, uma análise interdisciplinar
e uma participação responsável de todos. "O actual quadro do desenvolvimento é
policêntrico" e devemos libertar-nos das "ideologias que o simplificam"
(nº22). Daí a importância da formação e da educação para o desenvolvimento e a sensibilidade
para o bem comum, baseados na caridade e na verdade. "A sociedade cada vez mais
globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos" (nº 19). O desenvolvimento
deve ser integral e universal, inclusivo e participativo, subsidiário e solidário,
justo e amigo do bem comum, ecológico e sustentável, fundado no amor e na verdade.
Por outro lado, Bento XVI identifica algumas opções que não contribuem para o desenvolvimento
e que enumero sumariamente: o assistencialismo e a dependência, a exclusão e o monopólio,
a exploração e especulação, a ilegalidade e a corrupção, a falta de transparência
e o autoritarismo, a violência e a procura desenfreada do lucro, as políticas contra
a vida e o meio ambiente, as relações desiguais por motivos culturais, religiosos,
de poder ou tecnológico. Como membro de uma organização missionária (Rede Fé e
Justiça Europa-África - AEFJN) que procura mais justiça nas relações entre a Europa
e a África, gostei de ler que a doutrina social da Igreja é um elemento essencial
da evangelização: "O testemunho da caridade de Cristo através de obras de justiça,
paz e desenvolvimento faz parte da evangelização, pois a Jesus Cristo que nos ama,
interessa o homem inteiro." (nº 15) A encíclica aprofunda temas como a globalização,
o mercado, o ambiente e a técnica: "É preciso empenhar-se sem cessar por favorecer
uma orientação cultural personalista e comunitária, aberta á transcendência, do processo
de integração mundial" (nº 42). O ser humano, presente e futuro, é o centro
de todas estas reflexões: "Nas intervenções em prol do desenvolvimento, há que
salvaguardar o princípio da centralidade da pessoa humana, que é o sujeito que primariamente
deve assumir o dever do desenvolvimento" (nº47). Por isso, o Papa preocupa-se
com as desigualdades entre pessoas e povos, as migrações e o desemprego, o turismo
e exploração sexual, a falta de respeito pelos direitos humanos, a deslocação de empresas,
as formas de participação da sociedade civil, a regulação nacional e internacional
do mercado, a interacção das culturas e a paz, a fome e a pobreza, o acesso à água
e à educação, o respeito pela vida e pela liberdade, a bioética, a finança ética e
o microcrédito, os meios de comunicação social e a democracia económica. A cooperação
e ajuda internacional têm neste documento critérios e análises fundamentais para uma
reflexão e avaliação das práticas dos Estados, empresas e organizações não governamentais
(cf. Nº 47, 57-60). Termino, citando um parágrafo com o qual a AEFJN se identifica
totalmente: "Sente-se a urgência de encontrar formas inovadoras para actuar o princípio
da responsabilidade de proteger e para atribuir às nações mais pobres uma voz nas
decisões comuns" (nº 67). José Augusto Duarte Leitão, svd, Responsável
da AEFJN Portugal( Em Ecclesia )