Aguardando a Caritas in veritate : O contexto internacional para ler os conteúdos
da próxima Encíclica de Bento XVI.
(4/7/2009) Na véspera da conferencia de Doha promovida pela Assembleia Geral
das Nações Unidas sobre financiamento ao desenvolvimento ( em Dezembro de 2008) o
Conselho Pontifício Justiça e Paz publicou, com a explicita aprovação da Secretaria
de Estado, uma Nota como “contributo para o diálogo”. Deste texto põem evidenciar-se
as características principais do momento económico, social e financiario dentro
do qual poderão ser lidos os conteúdos da terceiro Encíclica de Bento XVI que será
publicada terça feira dia 7 de Julho A crise internacional de hoje Ao
longo dos últimos meses, precipitou a crise financeira global que teve origem no mercado
dos empréstimos subprime nos Estados Unidos da América. Não obstante a sua
longa gestação, a crise estendeu-se até envolver novos sectores do sistema financeiro
e a pôr em dificuldade um número crescente de países, cuja situação financeira, na
ausência do choque externo, não parecia apresentar problemas de sustentabilidade.
Á espera da Charitas in Veritate Ao aumento dos preços agrícolas e energéticos
que se verificou nos primeiros meses de 2008, acrescentou-se uma crise financeira
sob certos aspectos dramática, com consequências assaz negativas: sobretudo o tema
do financiamento para o desenvolvimento corre o risco de ser posto em segundo plano.
Crise e soberania nacionais Estamos diante da necessidade
de uma simples revisão, ou de uma verdadeira e própria refundação do sistema das instituições
económicas e financeiras internacionais? Muitos temas, públicos e privados nacionais
e internacionais, exigem uma espécie de nova Bretton Woods. Para além da expressão
utilizada, indubitavelmente a crise trouxe de novo à superfície a urgência de encontrar
novas formas de coordenação internacional em matérias monetária, financeira e comercial.
Hoje parece claro que a soberania nacional é insuficiente; até os grandes países estão
conscientes do facto de que não é possível alcançar as finalidades nacionais contando
unicamente com as políticas internas: acordos, regras e instituições internacionais
são absolutamente necessários. É preciso evitar que se active a cadeia do proteccionismo
recíproco; pelo contrário, devem-se revigorar as práticas de cooperação em matéria
de transparência e de vigilância sobre o sistema financeiro. É mesmo possível alcançar
soluções de "soberania compartilhada", como demonstra a história da integração europeia,
a partir de problemas concretos, no contexto de uma visão de paz e de prosperidade,
arraigada em valores compartilhados. Países ricos e países pobresOs fluxos
financeiros que ligam os países desenvolvidos aos países de baixa renda apresentam
pelo menos dois elementos paradoxais. O primeiro é representado pelo facto de que
no sistema global são os países "pobres" que financiam os países "ricos", que recebem
recursos provenientes tanto das fugas de capital privado, como das decisões governamentais
de separar reservas oficiais sob forma de actividades financeiras "seguras", inseridas
nos mercados financeiramente evoluídos ou nos mercados "offshore". O segundo paradoxo
é que as remessas dos emigrantes ou seja, do componente menos "liberalizado" dos processos
de globalização comportam um fluxo de recursos que, a nível macro, superam amplamente
os fluxos de ajuda pública destinada ao desenvolvimento. É como dizer que os pobres
do "Sul" financiam os ricos do "Norte", e os próprios pobres do "Sul" devem emigrar
e trabalhar no "Norte" para sustentar as suas famílias no "Sul". Regulamentar
o mercado financeiroA crise actual amadureceu num contexto decisório em que o
horizonte temporal dos agentes financeiros era extremamente breve e em que a confiança
ingrediente essencial do "crédito" dependia mais dos mecanismos do mercado que dos
relacionamentos entre os parceiros. Não é por acaso que a confiança definhou precisamente
no sector que era considerado "seguro" por antonomásia, ou seja, as transacções interbancárias;
no entanto, sem esta confiança tudo se bloqueia, inclusivamente a possibilidade de
um normal financiamento das empresas produtivas. Com efeito, as crises financeiras
e as suas consequências têm como componente a expectativa de que o clima financeiro
chegue a piorar. Tudo isto induz os agentes a comportar-se de um modo que torna mais
provável o pioramento efectivo da situação, com um previsível efeito cumulativo. Com
a crise debelou-se repentinamente a confiança fideísta depositada no mercado, entendido
como mecanismo capaz de auto-regular-se e de gerar desenvolvimento para todos. Confiança
, transparenciae regras Os mercados financeiros não podem agir sem
confiança; e sem transparência e sem regras, não pode haver confiança. Por conseguinte,
o bom funcionamento do mercado exige um importante papel do Estado e, onde é apropriado,
da comunidade internacional para fixar e fazer respeitar regras de transparência e
de prudência. No entanto, deve-se recordar que nenhuma intervenção de regulação pode
"garantir" a sua eficácia prescindindo da consciência moral bem formada e da responsabilidade
quotidiana dos agentes do mercado, especialmente dos empresários e dos grandes agentes
financeiros. As regras do presente, tendo sido delineadas segundo a experiência do
passado, não necessariamente preservam contra os riscos do futuro. Assim, embora também
existam boas estruturas e boas regras que a ajudam, é necessário recordar que sozinhas
elas não são suficientes, pois o homem jamais pode ser mudado ou redimido simplesmente
a partir de fora. É necessário alcançar o ser moral mais profundo das pessoas, é preciso
uma educação real ao exercício da responsabilidade em relação ao bem de todos, por
parte de todos os indivíduos, a todos os níveis: agentes financeiros, famílias, empresas,
instituições financeiras, autoridades públicas e sociedade civil. Papel da
sociedade civil no financiamento ao desenvolvimento As finanças para o desenvolvimento
exige que se enfrente tanto o tema da ajuda pública ao desenvolvimento, como o papel
das outras protagonistas: pessoas, empresas e organizações. De modo particular, a
sociedade civil não só desempenha um importante papel activo na cooperação para o
desenvolvimento, mas ela mesma cumpre uma função significativa também no financiamento
para o desenvolvimento. E fá-lo, em primeiro lugar, através da contribuição voluntária
de pessoa a pessoa, como nas remessas dos emigrantes, ou através de formas organizativas
relativamente simples (pense-se na adopção à distância). Além disso, existem os recursos
para o desenvolvimento, postos em movimento pelas empresas, no exercício activo da
sua própria responsabilidade social; e aquelas que, às vezes bastante conspícuas,
são destinadas por parte de importantes fundações. Também a adopção de comportamentos
responsáveis em matéria de consumo e de investimento constitui um importante recurso
para o desenvolvimento. O difundir-se de tais comportamentos responsáveis, do ponto
de vista dos efeitos materiais, pode fazer a diferença sobre o funcionamento de determinados
mercados em particular; no entanto, a sua importância está sobretudo no facto de que
eles expressam uma participação concreta da parte das pessoas enquanto consumidores,
enquanto investidores da poupança familiar, ou então enquanto responsáveis pelas decisões
relativas às estratégias empresariais na possibilidade de que os mais pobres saiam
da sua condição de pobreza. Meios e fins Uma última, importante cautela:
é necessário prestar atenção para não confundir os meios (os recursos financeiros)
e a finalidade, ou seja, o desenvolvimento. Não é suficiente predispor uma adequada
quantia de financiamento para pensar em alcançar, de modo mecânico, o desenvolvimento.
Ele não é tanto o "resultado" que se encontrará no final, mas sim o caminho que dia
após dia é traçado pelas opções concretas de múltiplos actores: governos doadores
e receptores, organizações não governamentais e comunidades locais.