2009-07-04 13:08:44

Aguardando a Caritas in veritate : O contexto internacional para ler os conteúdos da próxima Encíclica de Bento XVI.


(4/7/2009) Na véspera da conferencia de Doha promovida pela Assembleia Geral das Nações Unidas sobre financiamento ao desenvolvimento ( em Dezembro de 2008) o Conselho Pontifício Justiça e Paz publicou, com a explicita aprovação da Secretaria de Estado, uma Nota como “contributo para o diálogo”. Deste texto põem evidenciar-se as características principais do momento económico, social e financiario dentro do qual poderão ser lidos os conteúdos da terceiro Encíclica de Bento XVI que será publicada terça feira dia 7 de Julho
 
A crise internacional de hoje
Ao longo dos últimos meses, precipitou a crise financeira global que teve origem no mercado dos empréstimos subprime nos Estados Unidos da América. Não obstante a sua longa gestação, a crise estendeu-se até envolver novos sectores do sistema financeiro e a pôr em dificuldade um número crescente de países, cuja situação financeira, na ausência do choque externo, não parecia apresentar problemas de sustentabilidade. Á espera da Charitas in Veritate
Ao aumento dos preços agrícolas e energéticos que se verificou nos primeiros meses de 2008, acrescentou-se uma crise financeira sob certos aspectos dramática, com consequências assaz negativas: sobretudo o tema do financiamento para o desenvolvimento corre o risco de ser posto em segundo plano.
 
Crise e soberania nacionais
Estamos diante da necessidade de uma simples revisão, ou de uma verdadeira e própria refundação do sistema das instituições económicas e financeiras internacionais? Muitos temas, públicos e privados nacionais e internacionais, exigem uma espécie de nova Bretton Woods. Para além da expressão utilizada, indubitavelmente a crise trouxe de novo à superfície a urgência de encontrar novas formas de coordenação internacional em matérias monetária, financeira e comercial. Hoje parece claro que a soberania nacional é insuficiente; até os grandes países estão conscientes do facto de que não é possível alcançar as finalidades nacionais contando unicamente com as políticas internas: acordos, regras e instituições internacionais são absolutamente necessários. É preciso evitar que se active a cadeia do proteccionismo recíproco; pelo contrário, devem-se revigorar as práticas de cooperação em matéria de transparência e de vigilância sobre o sistema financeiro. É mesmo possível alcançar soluções de "soberania compartilhada", como demonstra a história da integração europeia, a partir de problemas concretos, no contexto de uma visão de paz e de prosperidade, arraigada em valores compartilhados.
Países ricos e países pobresOs fluxos financeiros que ligam os países desenvolvidos aos países de baixa renda apresentam pelo menos dois elementos paradoxais. O primeiro é representado pelo facto de que no sistema global são os países "pobres" que financiam os países "ricos", que recebem recursos provenientes tanto das fugas de capital privado, como das decisões governamentais de separar reservas oficiais sob forma de actividades financeiras "seguras", inseridas nos mercados financeiramente evoluídos ou nos mercados "offshore". O segundo paradoxo é que as remessas dos emigrantes ou seja, do componente menos "liberalizado" dos processos de globalização comportam um fluxo de recursos que, a nível macro, superam amplamente os fluxos de ajuda pública destinada ao desenvolvimento. É como dizer que os pobres do "Sul" financiam os ricos do "Norte", e os próprios pobres do "Sul" devem emigrar e trabalhar no "Norte" para sustentar as suas famílias no "Sul".
Regulamentar o mercado financeiroA crise actual amadureceu num contexto decisório em que o horizonte temporal dos agentes financeiros era extremamente breve e em que a confiança ingrediente essencial do "crédito" dependia mais dos mecanismos do mercado que dos relacionamentos entre os parceiros. Não é por acaso que a confiança definhou precisamente no sector que era considerado "seguro" por antonomásia, ou seja, as transacções interbancárias; no entanto, sem esta confiança tudo se bloqueia, inclusivamente a possibilidade de um normal financiamento das empresas produtivas. Com efeito, as crises financeiras e as suas consequências têm como componente a expectativa de que o clima financeiro chegue a piorar. Tudo isto induz os agentes a comportar-se de um modo que torna mais provável o pioramento efectivo da situação, com um previsível efeito cumulativo. Com a crise debelou-se repentinamente a confiança fideísta depositada no mercado, entendido como mecanismo capaz de auto-regular-se e de gerar desenvolvimento para todos.
 Confiança , transparencia e regras
Os mercados financeiros não podem agir sem confiança; e sem transparência e sem regras, não pode haver confiança. Por conseguinte, o bom funcionamento do mercado exige um importante papel do Estado e, onde é apropriado, da comunidade internacional para fixar e fazer respeitar regras de transparência e de prudência. No entanto, deve-se recordar que nenhuma intervenção de regulação pode "garantir" a sua eficácia prescindindo da consciência moral bem formada e da responsabilidade quotidiana dos agentes do mercado, especialmente dos empresários e dos grandes agentes financeiros. As regras do presente, tendo sido delineadas segundo a experiência do passado, não necessariamente preservam contra os riscos do futuro. Assim, embora também existam boas estruturas e boas regras que a ajudam, é necessário recordar que sozinhas elas não são suficientes, pois o homem jamais pode ser mudado ou redimido simplesmente a partir de fora. É necessário alcançar o ser moral mais profundo das pessoas, é preciso uma educação real ao exercício da responsabilidade em relação ao bem de todos, por parte de todos os indivíduos, a todos os níveis: agentes financeiros, famílias, empresas, instituições financeiras, autoridades públicas e sociedade civil.
Papel da sociedade civil no financiamento ao desenvolvimento
As finanças para o desenvolvimento exige que se enfrente tanto o tema da ajuda pública ao desenvolvimento, como o papel das outras protagonistas: pessoas, empresas e organizações. De modo particular, a sociedade civil não só desempenha um importante papel activo na cooperação para o desenvolvimento, mas ela mesma cumpre uma função significativa também no financiamento para o desenvolvimento. E fá-lo, em primeiro lugar, através da contribuição voluntária de pessoa a pessoa, como nas remessas dos emigrantes, ou através de formas organizativas relativamente simples (pense-se na adopção à distância). Além disso, existem os recursos para o desenvolvimento, postos em movimento pelas empresas, no exercício activo da sua própria responsabilidade social; e aquelas que, às vezes bastante conspícuas, são destinadas por parte de importantes fundações.
Também a adopção de comportamentos responsáveis em matéria de consumo e de investimento constitui um importante recurso para o desenvolvimento. O difundir-se de tais comportamentos responsáveis, do ponto de vista dos efeitos materiais, pode fazer a diferença sobre o funcionamento de determinados mercados em particular; no entanto, a sua importância está sobretudo no facto de que eles expressam uma participação concreta da parte das pessoas enquanto consumidores, enquanto investidores da poupança familiar, ou então enquanto responsáveis pelas decisões relativas às estratégias empresariais na possibilidade de que os mais pobres saiam da sua condição de pobreza.
Meios e fins
Uma última, importante cautela: é necessário prestar atenção para não confundir os meios (os recursos financeiros) e a finalidade, ou seja, o desenvolvimento. Não é suficiente predispor uma adequada quantia de financiamento para pensar em alcançar, de modo mecânico, o desenvolvimento. Ele não é tanto o "resultado" que se encontrará no final, mas sim o caminho que dia após dia é traçado pelas opções concretas de múltiplos actores: governos doadores e receptores, organizações não governamentais e comunidades locais.







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