Florença, 27 mai (RV) - Passados 400 anos, ainda falta um reexame sereno e
objetivo do caso Galileu, que supere a estéril contraposição entre leigos e católicos
e relance a colaboração, hoje mais do que nunca necessária, entre ciência e fé. Por
esse motivo, o Instituto Stensen dos Jesuítas de Florença, dirigido pelo Padre Ennio
Brovedani, organizou, em concomitância com o Ano da Astronomia, o Encontro Internacional
“O caso Galileu”: uma releitura histórica, filosófica e teológica”.
A iniciativa
teve início ontem na presença do presidente da República italiana, Giorgio Napolitano,
e reúne até o próximo sábado, 18 importantes instituições historicamente envolvidas
neste episódio cultural, inclusive algumas instituições da Santa Sé.
O encontro,
no auspício do arcebispo de Florença, Dom Betori, deveria demonstrar a infundada hipótese
de uma oposição constitutiva entre ciência e fé, da qual o processo ao astrônomo Galileu
seria o reflexo. Falando aos microfones da Rádio Vaticano, o Sub-secretário do Pontifício
Conselho para a Cultura, Mons. Melchor José Sánchez de Toca y Alameda fala dos erros
cometidos no passado sobre o caso e dos objetivos do Encontro.
R. Antes de
João Paulo II, foi o Concílio Vaticano II a deplorar as incompreensões que estiveram
na origem do “Caso Galileu”, incompreensões que nasceram do fato de não se ter percebido
e respeitado a legítima autonomia das ciências naturais. Mas o que pode trazer de
novo esse encontro? Nós fazemos votos de que finalmente se possa olhar para frente
ao invés de sempre olhar para traz, e fechar idealmente o tribunal da história onde,
neste caso, a fazer a figura do réu não é mais Galileu, mas sim a Igreja Católica.
Creio que em todos esses séculos, e em particular nas últimas décadas, registrou-se
um sério esforço para um exame de consciência sobre o caso.
P. Para voltar,
porém, mais uma vez no tempo, segundo o senhor quais os erros cometidos pela Igreja
em relação a Galileu, 400 anos atrás?
R: Um primeiro erro, obviamente foi não
aceitar a teoria de Copérnico, ainda que seja um erro que se possa entender no contexto
científico do seu tempo. O erro fundamental foi a invasão de campo, isto é, acreditar
que a questão do movimento do sol e da terra fosse matéria de fé, quando se tratava,
ao invés, de uma questão natural. Também isso, todavia, se pode entender referindo-se
ao contexto da época de Galileu: uma teoria científica nova, que não tinha ainda sido
suficientemente demonstrada, que tocava sobretudo uma questão muito ligada à visão
do mundo, do homem, do universo daquele tempo, e que foi declarada contrária à fé:
isso foi, claramente, um erro. E se pode compreender considerando que os juízes de
Galileu cederam ao proibir o ensino de uma doutrina que acreditavam pudesse colocar
em perigo a fé das pessoas simples. Aquilo foi um erro. Um erro que para nós, hoje,
é muito evidente, mas que naquele tempo não parecia assim tão evidente e que em todo
caso fez sofrer muito Galileu. P. Hoje muitos acusam a Igreja de querer, em qualquer
modo “apoderar-se” de personagens como Galielu ou Darwin, personagens “incômodos”
para o pensamento católico. O que o senhor pensa disso?
R. No que se refere
a Galileu, eu não diria “apoderar-se”, porque Galileu sempre foi um católico, jamais
renegou a sua pertença à Igreja. Não foi um livre pensador, mas nem um anti-clerical;
essa última visão é uma visão distorcida da figura de Galileu. Galileu é um homem
que procura conciliar o que vê nas suas descobertas astronômicas com a fé que professa
sinceramente, e que – ao contrário – queria evitar a todo custo que a Igreja se pronunciasse
sobre uma questão de ordem natural, porque se em seguida fosse demonstrado verdadeiro
o movimento da terra, as autoridades da Igreja, se encontrariam em uma situação difícil,
como de fato ocorreu. Não se trata de “apoderar-se” de um personagem que sempre esteve
ali, mas sim de colocá-lo na justa luz. E também de convidar os cristãos a olharem
para o “Caso Galileu” sem medo sem preconceitos, mas também sem tentativas apologéticas
banais. (SP)