Ásia em destaque na Via Sacra do Coliseu. Jesus crucificado: o Amor que vence o ódio
e a violência
A Ásia voltou a estar em destaque na Via-Sacra a que o Papa presidiu esta Sexta-feira
Santa, no Coliseu de Roma, com as meditações do arcebispo indiano de Guwahati, D.
Thomas Menamparampil. Em 2008, os textos tinham sido escritos pelo Bispo de Hong Kong,
Cardeal Zen Ze-kiun. Milhares de pessoas acompanharam a celebração no local e outros
milhões o fizeram através da rádio e da televisão, em todo o mundo.
Intervindo
no final do rito, o Papa observou que “revivemos a trágica vicissitude de um Homem
único na história de todos os tempos, que mudou o mundo, não matando os outros, mas
deixando-se matar pregado numa cruz”. “É por nosso amor que Cristo morre na cruz.
No decurso dos milénios, falanges de homens e mulheres deixaram-se fascinar por este
mistério e seguiram a Jesus, fazendo da própria vida por sua vez, como Ele e graças
ao seu auxílio, um dom para os irmãos. São os santos e os mártires, muitos dos quais
nos são desconhecidos. Mesmo neste nosso tempo, quantas pessoas, no silêncio da sua
vida diária, unem os seus sofrimentos aos do Crucificado, tornando-se apóstolos de
uma autêntica renovação espiritual e social!” “A dolorosa paixão do Senhor Jesus
– reflectiu o Papa - não pode deixar de mover à piedade mesmo os corações mais duros,
porque constitui o cume da revelação do amor de Deus por cada um de nós. Como observa
São João: «Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único, para que todo
o que n’Ele acredita não pereça mas tenha a vida eterna». “Nesta noite, detenhamo-nos
a contemplar o seu rosto desfigurado: é o rosto do Homem das dores, que assumiu todas
as nossas angústias mortais. O seu rosto reflecte-se no de cada pessoa humilhada e
ofendida, doente e atribulada, só, abandonada e desprezada. Derramando o seu sangue,
resgatou-nos da escravidão da morte, quebrou a solidão das nossas lágrimas, entrou
em cada uma das nossas penas e aflições”.
Os textos proclamados ao longo das
14 estações falavam do mistério do sofrimento cristão, da violência que atinge grupos
étnicos e religiosos, da pobreza, da discriminação das mulheres e dos conflitos entre
interesses económicos e políticos. Males, segundo o arcebispo Menamparampil, que brotam
da avareza e do orgulho.
A escolha do arcebispo indiano aparece como um sinal
de solidariedade aos cristãos na Índia, que, sobretudo no ano passado, foram alvo
de violência da parte de facções fundamentalistas hindus. As meditações continham
muitas alusões à realidade actual, onde muitas vezes o sentido do sagrado e o impulso
em direcção a Deus são sufocados pelo efémero e por escolhas oportunistas. Diante
do ódio e das guerras, escreve o prelado indiano - "quando a justiça é administrada
de modo distorcido nos tribunais, quando a corrupção é radicada, as estruturas injustas
oprimem os pobres, as minorias são suprimidas e os refugiados e os migrantes, maltratados,
…quando as mulheres são obrigadas a humilharem-se e as crianças dos bairros pobres
buscam comida no lixo” - não devemos perguntar-nos de quem é a culpa, mas “que responsabilidade
temos nessas formas de desumanidade”.
O cristão, afirma D. Thomas, deve ter
uma conduta justa, íntegra e honesta, deve ter a coragem de assumir decisões responsáveis
quando presta um serviço público, deve combater pela justiça, desafiando o inimigo
com a certeza da própria causa, suscitando a boa vontade do opositor, para que desista
da injustiça com a conversão do coração. O bispo indiano cita como exemplo desta atitude
Mahatma Gandhi. Diante das ofensas históricas que ferem as memórias das sociedades,
o perdão “deve fazer-nos transformar a ira colectiva em novas energias de amor”, assinala. “As
tragédias fazem-nos reflectir. Um tsunami diz que a vida deve ser levada seriamente.
Hiroshima e Nagasaki continuam a ser lugares de peregrinação. Quando a morte nos atinge,
um outro mundo se apresenta ao nosso lado. Então libertamo-nos das ilusões e temos
a percepção de uma realidade mais profunda”, pode ler-se.
“Não é a eloquência
que convence e converte”, recorda o arcebispo na reflexão da 11ª estação: “É um olhar
de amor no caso de Pedro; a serenidade sem ressentimento no sofrimento, no caso do
bom ladrão. A conversão verifica-se como um milagre. Deus abre os nossos olhos”. Nas
palavras de D. Menamparampil não faltaram referências à Índia: “O modo de Jesus de
combater pela justiça não é o de suscitar a ira colectiva das pessoas contra o opositor,
com a consequência de formas ainda maiores de injustiça”. Na 8ª estação, dedicada
ao Cirineu que ajuda Jesus a levar a Cruz, as meditações falaram no “protótipo do
discípulo fiel que toma sobre si mesmo a cruz e segue Cristo. Não é diferente de milhões
de cristãos de humildes origens, com um profundo apego a Jesus. Privados de fascínio,
de elegância, mas com uma fé profunda. Homens e mulheres com tal fé continuam a crescer
em terras da África e da Ásia e nas ilhas distantes”.
As imagens do livro
com que os fiéis acompanharam a celebração são um produto típico da arte indiana,
da autoria da Irmã Marie Claire Naidu. A cruz passou pelas mãos de dois jovens de
Roma, uma família, uma jovem e duas religiosas da Índia, uma pessoa com deficiência,
duas jovens africanas, um doente em cadeira de rodas e dois franciscanos da Terra
Santa.