2009-04-10 19:36:27

PAIXÃO DO SENHOR: "SEM A FÉ EM DEUS O SOFRIMENTO SE TORNA IMENSAMENTE MAIS ABSURDO", DIZ FREI CANTALAMESSA


Cidade do Vaticano, 10 abr (RV) - Hoje, Sexta-feira Santa, a Igreja celebra a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, nosso Salvador. Esta tarde, o Santo Padre presidiu, na Basílica de São Pedro, ao rito da Paixão do Senhor, com a adoração da Santa Cruz.

O rito da Paixão do Senhor consiste na proclamação da Palavra de Deus, a apresentação e adoração da Cruz, e a comunhão dos fiéis. Durante a Liturgia da Palavra, é lida a narração da Paixão segundo o Evangelho de São João.

Após a Liturgia da Palavra, teve lugar a homilia da celebração, feita pelo pregador da Casa Pontifícia, Frei Raniero Cantalamessa.

O frade capuchinho fez a sua homilia propondo algumas passagens dos escritos de São Paulo sobre o mistério da morte de Cristo, que estamos celebrando. Recordando o Ano paulino em andamento – no bimilenário do nascimento do Apóstolo dos Gentios – Frei Cantalamessa afirmou que ninguém melhor que São Paulo pode ajudar-nos a compreender o significado e alcance de tal mistério.

O religioso ressaltou que "a morte de Cristo tem um alcance universal: 'O amor de Cristo nos compele, considerando que, se um só morreu por todos, logo todos morreram' (2 Cor 5, 14). Sua morte deu um sentido novo à morte de cada homem e mulher".

Aos olhos de Paulo, a cruz assume uma dimensão cósmica. Frei Cantalamessa lembrou que "a antiga tradição desenvolverá o tema da cruz como árvore cósmica que, com o braço vertical, une céu e terra e, com o braço horizontal, reconcilia entre si os diversos povos do mundo".

Evento cósmico e ao mesmo tempo personalíssimo, observou o pregador da Casa Pontifícia: "me amou e se entregou por mim" (Gal 2, 20). Cada homem, escreve o Apóstolo, é um "daquele por quem Cristo morreu" (Rom 14, 15).

"Paulo plantou a cruz no centro da Igreja como mastro principal no centro do navio; tornou-a fundamento e centro de gravidade de tudo. Fixou para sempre o quadro do anúncio cristão. Os evangelhos, escritos depois dele, seguiram o esquema, fazendo do relato da paixão e morte de Cristo a base sobre a qual tudo está orientado."

A finalidade do Ano paulino – observou o frade capuchinho – não é tanto conhecer melhor o pensamento do Apóstolo, é mais, como recordou em muitas ocasiões o Santo Padre, aprender de Paulo como responder aos desafios atuais da fé. O pregador da Casa Pontifícia identificou num desses desafios, talvez o mais aberto e mais conhecido até hoje, um slogan publicitário escrito nos meios de transporte público de Londres e de outras cidades européias: "Deus provavelmente não existe. Portanto deixe de se preocupar e aproveite a vida".

"O elemento de maior preocupação desse slogan não é a premissa 'Deus não existe', mais a conclusão: 'Aproveite a vida!' A mensagem subliminar é que a fé em Deus impede de desfrutar a vida, é inimiga da alegria. Sem essa, existiria mais felicidade no mundo! Paulo nos ajuda a dar uma resposta a este desafio, explicando a origem e o sentido de cada sofrimento, a partir do sofrimento de Cristo."

Porque "era necessário que Cristo padecesse para entrar em sua glória"? (Lc 24, 26). A necessidade não é de ordem natural, mas sobrenatural, observou Frei Cantalamessa, acrescentando que nos países de antiga fé cristã se associa quase sempre a idéia de sofrimento e de cruz à de sacrifício e expiação.

São Paulo escreve que Deus predeterminou Cristo "a servir como instrumento de expiação" (Rm 3, 25), mas tal expiação não opera sobre Deus para aplacá-lo, mas sobre o pecado para eliminá-lo. "Pode-se dizer que é Deus mesmo, não o homem, que expia o pecado... a imagem é mais a da remoção de uma mancha corrosiva ou a neutralização de um vírus letal que a de uma ira aplacada pela punição".

O pregador da Casa Pontifícia evidenciou que Paulo leva a sério o pecado, não o banaliza: "O pecado é, para ele, a causa principal da infelicidade do homem, isto é, a rejeição de Deus, não Deus! Isso prende a criatura humana na 'mentira' e na 'injustiça' (Rm 1, 18 ss; 3, 23), condena o próprio cosmo material à 'vaidade' e à 'corrupção' (Rm 8, 19 ss.) e é a causa última também dos males sociais que afligem a humanidade".

Fazem-se análises sem fim da crise econômica em ação no mundo e de suas causas, mas quem ousa meter o machado na raiz e falar do pecado? – perguntou-se o religioso.

"O Apóstolo define a avareza insaciável uma 'idolatria' (Col 3,5) e aponta na desenfreada ganância de dinheiro 'a raiz de todos os males' (1 Tm 6, 10). Podemos dizer que está errado?" – insistiu Frei Cantalamessa.

"Por que tantas famílias perderam tudo, massas de operários que permanecem sem trabalho, se não pela sede insaciável de lucro por parte de alguns? A elite financeira e econômica mundial se tornou uma locomotiva louca que avançava em curso desenfreado, sem pensar no restante do trem que ficou parado à distancia sobre os trilhos. Estávamos andando todos na 'contramão'."

O religioso observou que o sofrimento permanece sendo, certamente, um mistério para todos, especialmente o sofrimento dos inocentes, mas sem a fé em Deus ele se torna imensamente mais absurdo.

O pregador da Casa Pontifícia concluiu afirmando que "a cruz de Cristo é motivo de esperança para todos, e o Ano paulino, uma ocasião de graça também para aqueles que não acreditam, mas buscam. Uma coisa fala a favor deles diante de Deus: o sofrimento! Como o restante da humanidade, os ateus também sofrem na vida, e o sofrimento, uma vez que o Filho de Deus tomou sobre si, tem um poder redentor quase sacramental. É um canal, escreve João Paulo II na 'Salvifici doloris', através do qual a energia salvífica da cruz de Cristo é oferecida à humanidade".

Frei Cantalamessa encerrou citando uma comovente oração feita na liturgia desta Sexta-feira Santa, logo após o convite a rezar "por aqueles que não acreditam em Deus":

"Deus onipotente e eterno, tu colocaste no coração do homem uma profunda nostalgia de ti, e só quando te encontramos vivemos a paz: faze que, superando cada obstáculo, reconheçamos os sinais da tua bondade e, estimulados pelo testemunho da nossa vida, tenhamos a alegria de crer em ti, um verdadeiro Deus e Pai de todos os homens. Através de Cristo, nosso Senhor."

Concluída a homilia, a Liturgia da Paixão prosseguiu com a Oração universal e a adoração da Santa Cruz e se encerrou com a santa Comunhão. (RL)







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