Teologia e Espiritualidade do Tríduo Pascal: Ritos de Quinta-feira Santa dão inicio
ao ciclo de celebrações mais importantes no calendário da Igreja
(8/4/2009) Entre todas as semanas do ano, a mais importante para os cristãos é
a Semana Maior, que foi santificada pelos acontecimentos que a liturgia celebra, da
Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor – o Mistério Pascal. A peregrina do séc.
V, Eteria, começa a sua relação da semana santa em Jerusalém escrevendo: «O dia seguinte,
domingo, é o começo da semana da Páscoa ou Semana Maior, como a chamam aqui». De
facto, esta semana é o coração e o centro de toda a liturgia anual, nela se celebra
o mistério da redenção, o grande sinal do amor de Deus salvador. «A Páscoa é o cume»,
assim resume esta festa um escritor dos primeiros séculos. O cristão entra nesta
Semana com o espírito de paz interior e recolhimento. A Quaresma foi um tempo de trabalho,
disciplina, conversão, cerimónias penitenciais, agora chegou o tempo de descansar
na Paixão de Cristo. «Deus amou tanto o mundo que lhe deu o Seu Filho Unigénito» (Jo.
3, 16). Toda a Paixão é sinal do amor de Deus, tornado visível em Jesus Cristo. A
devoção da Semana Santa nasceu da piedade dos primeiros cristãos de Jerusalém, onde
Jesus sofreu a sua paixão. Por isso, desde os primeiros séculos, Jerusalém tornou-se
lugar de peregrinações para os cristãos que gostavam de visitar os lugares da paixão.
Nós participamos nos mistérios de Cristo não apenas com o sentimento ou imaginação,
mas antes de tudo com a fé. 2 – O tríduo pascal começa com a missa vespertina
da ceia do Senhor, em Quinta-Feira Santa, alcança o seu apogeu na vigília pascal e
termina com as vésperas do domingo de Páscoa. Todo este espaço de tempo forma uma
unidade que inclui os sofrimentos e a glória da ressurreição. O bispo de Milão, Santo
Ambrósio, refere nos seus escritos os «três santos dias» e o bispo de Hipona, Santo
Agostinho, nas suas cartas chama-os «os três sacratíssimos dias da Crucifixão, sepultura
e ressurreição de Cristo». A Quinta-Feira Santa está marcada pela instituição
da Escritura, «verdadeiro sacrifício vespertino» (cf. 141, 2). O ritual proíbe a celebração
da eucaristia sem fiéis e recomenda a concelebração, que confere à cerimónia litúrgica
uma nota de eclesialidade eucarística e de unidade entre eucaristia e sacerdócio.
A cerimónia sugestiva e humilde do Lava-Pés orienta-se também para a Eucaristia. Os
textos litúrgicos mostram a entrega de Jesus Cristo para a salvação da humanidade.
Jesus celebra a Páscoa judia mas oferece o seu corpo e sangue em lugar do cordeiro
imolado no Templo, para selar a Nova Aliança. O Lava-Pés é sinal do «amor até ao fim»
(Jo. 13, 1). A transladação solene do Santíssimo Sacramento, é um sinal de continuidade
entre o sacrifício e a adoração da presença sacramental. A Sexta-feira Santa da
Paixão do Senhor é constituída por uma liturgia austera e sóbria. O centro da celebração
é uma «sinaxis» (assembleia litúrgica) não eucarística que na liturgia antiga se chamava
«missa dos presantificados». Os paramentos são vermelhos e a liturgia desenvolve-se
em três momentos – a liturgia da Palavra, com a leitura do IV cântico do poema do
Servo de Deus (Is. 52, 13), a carta aos Hebreus com a passagem do Sumo Sacerdote «causa
de salvação para os que lhe obedecem» (Heb. 4, 14), e a Paixão segundo São João, o
teólogo místico que vê na cruz a exaltação de Cristo. Às leituras segue-se a oração
universal; - a adoração da cruz com a antífona de origem bizantina «adoramos Senhor
a vossa cruz… pelo madeiro veio a alegria a todo o mundo» e os impropérios nos quais
Jesus reprova a ingratidão do seu povo; - a comunhão com o Pão eucarístico consagrado
na tarde de quinta feira santa. A piedade popular gosta de participar na procissão
do Enterro do Senhor e comove-se com a presença da Senhora da Soledade acompanhando
o seu Filho morto. A Sexta-feira é um dia de intenso luto e dor mas iluminado
pela esperança cristã. A devoção à Paixão do Senhor está fortemente arreigada na piedade
cristã. A peregrina Eteria, ao descrever as cerimónias em Jerusalém, por volta do
ano 400, diz: «dificilmente podeis acreditar que toda a gente, velhos e jovens, chorem
durante essas três horas, pensando no muito que o Senhor sofreu por nós». A Igreja
apresenta grande austeridade, nada distrai o nosso olhar do altar e da cruz, o povo
cristão fica vigilante junto à cruz do Senhor e da Virgem da Soledade. O grande
Sábado Santo, é um dia de serena esperança e preparação orante para a ressurreição.
Os cristãos dos primeiros séculos jejuavam neste dia como em sexta feira santa, era
o tempo em que o esposo os tinha deixado (Mt. 2, 19). O Ofício Divino é rezado
perante o altar desnudado, presidido pela cruz e tem um acento de meditação e repouso.
A piedade cristã ora perante a imagem da Virgem das Dores, «ela no grande Sábado,
recolheu a fé de toda a Igreja… só ela entre todos os discípulos esperou vigilante
a ressurreição do Senhor». (Missa da Virgem Maria). A Vigília Pascal é uma vasta
celebração da Palavra de Deus que continua com o baptismo e continua com a Eucaristia.
Os símbolos são abundantes e de uma grande riqueza espiritual – o ritual do fogo e
da luz que evoca a ressurreição de Jesus e a marcha de Israel no deserto guiado pela
coluna de fogo; a liturgia da Palavra com Salmo e oração, percorrendo as etapas da
história da salvação; a liturgia da iniciação cristã que incorpora novos filhos na
Igreja; a renovação das promessas do baptismo e aspersão com a água benta que recorda
a água do nosso baptismo; por fim a eucaristia que proclama a ressurreição do Senhor,
esperando a sua última vinda (1 Cor. 11, 26). A liturgia convoca de novo os fiéis
para o «dia que fez o Senhor» na missa do dia. A piedade cristã realiza a procissão
de Cristo ressuscitado, ornamentando as estradas, estalando foguetes, tocando sinos
e ao som da música entoa o «Regina coeli» à mãe de Jesus. O Aleluia, que fora suprimido
na Quaresma, aparece repetidas vezes em sinal de alegria e vitória, de forma que o
Aleluia pascal se tornou a aclamação própria do mistério pascal. A magnífica liturgia
pascal põe em relevo uma nota escatológica que indica a meta para onde nos dirigimos
seguindo Cristo e que São Paulo apresenta na carta aos Coríntios: «Sempre que comemos
deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos a tua morte Senhor, até que venhas» (1Cor.
11, 26). † Teodoro de Faria, Bispo emérito do Funchal ( Em Eclesia
)