2009-04-06 14:27:10

Mensagem dos lideres religiosas ao povo da Guiné Bissau


(6/4/2009) Líderes religiosos das comunidades Católica, Evangélica e Muçulmana da Guiné-Bissau
“Si nô súmia bentu, nô na otcha turbada; Si nô súmia bardadi, nô na otcha paz”!
(“Se semearmos ventos, colheremos tempestades; se semearmos a verdade, colheremos a paz”!)
Introdução
Nós, os líderes religiosos das comunidades católica, evangélica e muçulmana da Guiné-Bissau, fomos despertados, com surpresa e horror, pelas notícias referentes aos assassinatos do Chefe de Estado Maior das Forças Armadas (Batista Tagme na Waie) e do Presidente da República (João Bernardo Vieira), nos passados dias 1 e 2 do mês de Março de 2009, com poucas horas de intervalo entre si.
Com tais acções repugnantes, mais uma vez optámos pelo caminho errado na solução dos problemas de carácter político e militar: preferimos a solução rápida mas enganadora e mortal da violência armada à solução dialogada e não violenta dos problemas, que pode ser mais vagarosa mas que é seguramente mais racional e perdurável. Para nós, o modo violento de resolver os problemas (tal como tem sido feito até aqui, em vários momentos após a Independência) é verdadeiramente deplorável, visto que só serve para gerar novos problemas, para espezinhar sem escrúpulos a dignidade e a sacralidade da vida humana, para violar de modo clamoroso as regras do Estado de Direito, e para denegrir cada vez mais a imagem do nosso país. Se continuarmos pelo caminho desta espiral de violência, o nosso país corre o risco sério de não poder participar de cabeça erguida no concerto das nações e de nunca mais chegar ao tão almejado desenvolvimento porque anseiam as nossas populações.
Perante tudo isto, não podemos deixar de nos interrogar seriamente: - Mas quando é que os Guineenses irão parar de enlutar a nossa querida pátria? Será que estamos condenados a fazer da violência e do homicídio a nossa segunda natureza? Será que ainda não chegou o tempo para aprendermos a voltar atrás neste caminho errado e sem futuro promissor?
É certo que os problemas fazem parte de todas as sociedades humanas, resultantes quase sempre de choques de interesses materiais, de má gestão da liberdade e do bem comum, de orgulhos e de incoerências individuais, etc. Mas os problemas, quando surgem, devem ser resolvidos quanto antes e de maneira conveniente porque, não sendo resolvidos ou sendo mal resolvidos, acabam sempre por constituir uma ameaça séria para a vida das sociedades. E qual será essa maneira certa e conveniente?
Para nós líderes religiosos de três comunidades de crentes da Guiné Bissau que vos enviamos esta Mensagem, a maneira certa e conveniente de resolver os nossos problemas político-sociais e militares é a do caminho não violento, do caminho do diálogo confiante e persistente, do caminho do respeito pelas instituições e pela legalidade, caminho que os nossos anciãos na fé nos apontaram e que até agora ainda não soubemos escutar nem imitar: o Bispo D. Settímio Ferrazzetta, o Aladje Malam Serco Indjai e o Pastor Ernesto Lima. Esse é mesmo o único caminho que nos poderá levar a uma sociedade realmente desenvolvida e democrática na Guiné-Bissau.
E agora, após mais esta tragédia nacional, o que será possível e desejável que façamos para redefinir de algum modo o nosso país, orientando-o definitivamente para o caminho da solução racional e dialogada dos conflitos com que nos debatemos e continuaremos a debater no futuro?
RENOVAR URGENTEMENTE A MENTE E O CORAÇÃO DOS GUINEENSES
Para nós, torna-se absolutamente necessário e urgente que todos os guineenses façam uma viragem decisiva na sua maneira de viver em sociedade. Torna-se imprescindível que todos os guineenses ousem olhar para dentro de si mesmos e para a situação geral do país e façam um profundo e sincero acto de conversão interior, de mudança de mentalidade e de comportamento, ajudados pela sua fé em Deus, com lucidez intelectual, com espírito de sacrifício e de amor patriótico, com confiança em si mesmos individualmente e como Nação. Não mais poderemos continuar a querer persistir numa mentalidade mágica e de violência desumanizante, que leva aos resultados desastrosos que já conhecemos; temos de apontar para horizontes mais positivos e humanizantes.
Para que isso possa acontecer, teremos de concentrar nossa atenção e esforços em ultrapassar algumas barreiras ou obstáculos que nos têm impedido de aceder a uma maneira de vida mais desenvolvida, mais democrática e com maiores perspectivas de futuro. É para a ultrapassagem dessas barreiras ou obstáculos que agora queremos chamar a vossa atenção.
1.Passar da hostilidade ao acolhimento fraterno:
Em nossas relações sociais, temos de abandonar o sentimento da hostilidade (rejeição) uns para com os outros: nos outros não podemos ver sobretudo o que é diferente, negativo ou perigoso para nós ou para a nossa família; pelo contrário, haveremos de olhar para os limites e falhas dos outros como um convite silencioso para que os ajudemos em espírito de colaboração e corresponsabilidade; haveremos de olhar para os outros sobretudo no aspecto positivo, procurando descobrir as afinidades que a eles nos ligam (a mesma condição humana o mesmo continente, o mesmo país etc.) e tomando consciência de que as diferenças podem ser afinal uma fonte de enriquecimento para todos, já que ninguém é tão pobre que não tenha nada para dar ao seu semelhante.
2.Não querer resolver a violência com outra violência semelhante ou ainda pior
Temos de deixar de acreditar na violência física (força ameaçadora e desumanizante) como solução para os nossos problemas, já que uma violência chama sempre outra violência (se possível ainda maior) e a cadeia de violência nunca mais acabará. Há que cortar o mal pela raiz, desejando uma convivência humana que seja diferente da convivência dos animais, onde não seja a lei “do mais forte” a imperar, mas sim as leis respeitadoras da dignidade e corresponsabilidade de cada ser humano.
3.Passar da vingança individual ao recurso à justiça:
A passagem da vingança (solução vindicativa e frequentemente desproporcional) ao recurso à justiça (solução racional e institucional) significa: ter em conta que quem se vinga imita a lógica do ofensor e abre uma espiral de vingança quase interminável; reconhecer que a vingança constitui um insulto às instituições vocacionadas para a resolução humana e legalizada dos conflitos sociais, e que acabar com ela constitui um “salto qualitativo” no desenvolvimento humano: aprender a responsabilizar sempre quem nos ofendeu, embora sabendo guardar respeito pela sua pessoa individual.
4.Substituir o comportamento irresponsável pela sujeição às exigências da Ética:
Temos de levar a ética (moral) a sério: cada ser humano não pode fazer apenas e sempre aquilo que lhe apraz; tem de se sujeitar às regras e exigências da moral social (que há-de ser apoiada não em conveniências de pessoas ou de pequenos grupos privilegiados, mas sim nos valores fundamentais resultantes da dignidade de cada pessoa humana, criada e amada por Deus). A seriedade no respeito pela ética (moral) é condição necessária para garantir a coesão social e o respeito recíproco dos cidadãos. Em todos os lugares, em todas as circunstâncias e em todas as culturas somos chamados a cumprir o primeiro princípio da ética: “ o bem deve ser feito e o mal deve ser evitado”!
Não é possível continuar com a pretensão injusta e soberba do “bu sibi ami i quim”, ou então a pretensão interesseira e incitante à corrupção “ abó son qui na cumpu Guiné”? É justo que queiramos ser cidadãos de direitos, mas não nos esqueçamos – de modo algum – que também temos de ser cidadãos de deveres.
5.Levar a sério a nossa fé em Deus
Somos crentes em Deus, nas nossas diferentes comunidades religiosas (religião tradicional africana, muçulmana, cristã e outras). Para nós, a criatura humana não é “senhora” total de sua vida e comportamento moral; depende de Deus que a criou, que a ama e que a julgará. A dependência de Deus não diminui a dignidade da pessoa humana, antes a defende melhor e lhe dá uma dimensão não apenas para este mundo mas também para a vida eterna. Nossa fé de crentes em Deus contribuirá seguramente para melhorar as nossas relações sociais: ajudar-nos-á a ver os outros como Deus gostaria que fossem vistos, com amor e sem preconceitos; encorajar-nos-á a utilizar nossa vida para defender e promover a vida dos outros e o respeito pela natureza que nos rodeia, e que é a nossa “casa comum”. Se acreditamos em Deus, tiremos daí todas as consequências lógicas e todas as energias interiores para podermos participar corajosamente no desenvolvimento integral de nossas populações e de nossa terra comum. Se acreditamos a sério em Deus, tenhamos a coragem de reconhecer que, individual ou colectivamente, errámos variadas vezes na maneira de resolver os nossos problemas mais graves, desviando-nos da vontade de Deus e ofendendo o nosso próximo. Agora, a nossa fé comum nos pede que saibamos arrepender-nos de verdade e que façamos alguma acção concreta que demonstre o desejo sincero de procedermos de maneira diferente no futuro.
Conclusão
Caros concidadãos,
O gravíssimo momento social que estamos a atravessar não é de muitas palavras, ou de oportunísticas e enganadoras promessas. É de exame de consciência profundo e de necessidade urgente de mudança de comportamentos na nossa vida social e comunitária. Não podemos continuar com uma mentalidade e uma actuação prática baseadas na magia ou na violência, recorrendo à vingança individual, aos golpes militares forjados ou verdadeiros, à corrupção no uso dos bens públicos ou na participação em negócios escondidos, imorais e ilegais. Temos de passar para um modo de vida mais positivo e desenvolvido: uma vida social em que em que o acolhimento fraterno e recíproco, o não – recurso à violência física mas sim à justiça legalmente exercida, o respeito pelas exigências comuns da ética e a ajuda inestimável da nossa fé em Deus, nos ajudem a crescer cada vez mais na felicidade de sermos cidadãos da mesma pátria, continuadores daqueles que nos ofereceram gratuitamente o benefício da liberdade e da independência, para que as defendêssemos e concretizássemos. É indiscutível que “ se continuarmos a semear ódios, recolheremos apenas mais tempestades; mas se, pelo contrário, passarmos a semear a verdade, ela nos libertará e haveremos finalmente de colher a Paz”!
Não é vergonha nem fraqueza voltar atrás num caminho que descobrimos ser errado ou perigoso. Vergonha é não termos coragem de o fazer. A este respeito, e como fruto concreto desta Mensagem, queremos hoje propor-vos o seguinte:
Que façamos da próxima semana( 5-12 deste mês de Abril) uma semana de oração, e que também durante ela, cada comunidade escolha um Dia particular de oração e de Penitência em favor da Paz e da verdadeira reconciliação entre todos os Guineenses. Procuremos rezar mais intensamente, jejuar conscientemente, e reflectir a sério sobre aquilo em que temos urgentemente de mudar.
Que, nessas várias celebrações que irão ser feitas em cada uma de nossas comunidades religiosas, os crentes descubram alguns gestos concretos que sejam o sinal visível de arrependimento, de pedido de perdão e de reconciliação.
Que a partir desse momento, nós os crentes nos empenhemos juntos no trabalho árduo e longo, em favor duma reconciliação nacional, em que estejam envolvidas todas as camadas sociais. Os últimos acontecimentos dramáticos provam à evidência que a sociedade guineense ainda não está reconciliada consigo mesma.
Que Deus todo-poderoso e cheio de Misericórdia ajude a transformar as nossas mentes e os nossos corações, volte para nós o seu rosto e abençoe a Guiné-Bissau!
Pela Igreja Católica:
D. José Câmnate na Bissign, Bispo de Bissau
D. Pedro Carlos Zilli – Bispo de Bafatá
Pela Igreja Evangélica:
Pastor José Paulo Domingos Semedo
Pastor Paulo Mendes
Pela comunidade Muçulmana:
Aladje Tcherno Embalo, Conselho Superior dos Assuntos Islâmicos
Aladje Abdulai Baio,Conselho Nacional Islâmico
Bissau, 02 de Abril de 2009








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