As mulheres têm «pleno direito de se inserir activamente em todos os âmbitos públicos,
e o seu direito há-de ser afirmado e protegido, inclusivamente através de instrumentos
legais, onde estes se revelem necessários: Bento XVI em Luanda no encontro com movimentos
católicos para a promoção da mulher
(22/3/2009) “Uma saudação minha carregada de estima e de esperança vai para as mulheres,
a quem Deus confiou as fontes da vida: Vivei e apostai na vida, porque Deus vivo apostou
em vós!” Esta a saudação que Bento XVI reservou, logo no início da alocução pronunciada,
nesta tarde de domingo, na igreja de Santo António, na periferia de Luanda, às mulheres
angolanas, após a que dirigira aos diversos grupos presentes. O Papa saudou também
os leigos em geral, e de entre estes os fiéis unidos pelo sacramento do matrimónio,
assim como “os responsáveis e animadores dos movimentos eclesiais mobilizados nomeadamente
para a promoção da mulher angolana”.
“A todos exorto a tomar efectiva consciência
das condições desfavoráveis a que estiveram – e continuam a estar – sujeitas muitas
mulheres, examinando em que medida a conduta e as atitudes dos homens, às vezes falhos
de sensibilidade ou responsabilidade, possam ser a causa daquelas. Os desígnios de
Deus são outros”.
Ouvimos na leitura que o povo inteiro respondeu numa só
voz: «Faremos tudo o que o Senhor mandar». Diz a Sagrada Escritura que o Criador divino,
ao examinar a obra por Ele realizada, viu nela um senão: era tudo bom, senão fosse
o homem estar só! Como podia o homem sozinho ser imagem e semelhança de Deus que é
uno e trino, de Deus que é comunhão? «Não é conveniente que o homem esteja só; vou
dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele» (cf. Gn 2, 18-20). Deus de novo pôs mãos ao
trabalho para criar a auxiliar que faltava, dotando-a de modo privilegiado com a ordem
do amor que não via suficientemente representada na criação. Como sabeis, irmãos
e irmãs, esta ordem do amor pertence à vida íntima do próprio Deus, à vida trinitária,
sendo o Espírito Santo a hipóstase pessoal do amor. Pois bem, «no fundamento do desígnio
eterno de Deus – como dizia o saudoso Papa João Paulo II – a mulher é aquela na qual
a ordem do amor no mundo criado das pessoas encontra um terreno para deitar a sua
primeira raiz» (Carta apostólica Mulieris dignitatem, 29). De facto, à vista do gracioso
encanto que irradia da mulher pela íntima graça que Deus lhe deu, o coração do homem
ilumina-se e revê-se nela: «Esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha
carne» (Gn 2, 23). A mulher é um outro «eu» na comum humanidade.
“Há que reconhecer,
afirmar e defender a igual dignidade do homem e da mulher: ambos são pessoas, diversamente
dos outros seres vivos do mundo que os rodeia. Ambos são chamados a viver em profunda
comunhão, no recíproco reconhecimento e dom de si mesmos, trabalhando juntos para
o bem comum com as características complementares do que é masculino e do que é feminino.
Quem não adverte, hoje, a necessidade de dar mais espaço às «razões do coração»? Num
mundo como o actual dominado pela técnica, sente-se necessidade desta complementaridade
da mulher, para o ser humano poder viver nele sem se desumanizar de todo”.
Bento
XVI referiu expressamente “as terras onde abunda a pobreza, as zonas devastadas pela
guerra e tantas situações trágicas resultantes de emigrações, forçadas ou não”, observando
que “são quase sempre as mulheres que ali mantêm intacta a dignidade humana, defendem
a família e tutelam os valores culturais e religiosos”. Apesar da história registar
quase exclusivamente as conquistas dos homens – observou o Papa, “na realidade uma
parte importantíssima da mesma deve-se a acções determinantes, perseverantes e benéficas
realizadas por mulheres”.
Neste contexto, “de entre muitas mulheres extraordinárias”,
Bento XVI quis evocar expressamente duas, ligadas à história recente da Igreja em
Angola: a angolana Teresa Gomes e a italiana Maria Bonino. A primeira (recordou
o Papa) faleceu em 2004 na cidade de Sumbe, depois duma vida conjugal feliz de que
nasceram 7 filhos:
“inquebrantável foi a sua fé cristã e admirável o seu zelo
apostólico, sobretudo nos anos 1975 e 1976 quando uma feroz propaganda ideológica
e política se abateu sobre a paróquia de Nossa Senhora das Graças, de Porto Amboim,
conseguindo quase fechar as portas da igreja. Teresa tornou-se a líder dos fiéis inconformados
com a situação, apoiando-os, defendendo com bravura as estruturas paroquiais e tudo
fazendo para terem de novo a santa Missa. O seu amor à Igreja tornou-a incansável
na obra da evangelização, sob a orientação dos sacerdotes”.
Quanto a Maria
Bonino, Bento XVI explicou tratar-se de uma médica pediatra italiana, que se ofereceu
como voluntária para diversas missões em África, tendo sido a responsável do sector
pediátrico no Hospital provincial do Uíje, nos dois últimos anos da sua vida.
“Devotada
ao seu cuidado diário de milhares de crianças lá internadas, Maria haveria de pagar
com o sacrifício mais alto o serviço lá prestado durante uma terrível epidemia da
febre hemorrágica de Marburg, acabando ela mesma contagiada; ainda transferida para
Luanda, aqui faleceu e aqui repousa desde 24 de Março de 2005 – faz depois de amanhã
4 anos. A Igreja e a sociedade humana foram – e continuam a ser – imensamente enriquecidas
pela presença e as virtudes das mulheres, em particular daquelas que se consagraram
ao Senhor e, apoiadas n’Ele, puseram-se ao serviço dos outros.”
Hoje em dia
“já ninguém deveria nutrir dúvidas de que as mulheres têm, na base da sua igual dignidade
com os homens, pleno direito de se inserir activamente em todos os âmbitos públicos,
e o seu direito há-de ser afirmado e protegido, inclusivamente através de instrumentos
legais, onde estes se revelem necessários” – sublinhou o Papa, logo advertindo, porém,
que “o reconhecimento do papel público das mulheres não deve diminuir a função insubstituível
que têm no interior da família”, onde “a sua contribuição para o bem e o progresso
social, apesar de pouco considerado, é de um valor realmente inestimável”:
“A
presença materna no seio da família é tão importante para a estabilidade e o crescimento
desta célula fundamental da sociedade que deveria ser reconhecida, louvada e apoiada
de todos os modos possíveis. E, pelo mesmo motivo, a sociedade deve chamar os maridos
e pais às próprias responsabilidades para com a família”.
Bento XVI sublinhou
ainda que “a edificação de cada família cristã se situa no contexto da família maior
que é a Igreja, que a apoia e abraça no seu seio garantindo-lhe que sobre ela pousa,
agora e no futuro, o «sim» do Criador”.
A concluir, o Papa exortou as mulheres
angolanas a tomar Maria como (disse) “Advogada [de cada uma ]junto do Senhor”.
“Assim
A conhecemos desde as bodas de Caná: como a Mulher benigna, cheia de materna solicitude
e coragem, a Mulher que Se dá conta das necessidades alheias e, no desejo de pôr-lhes
remédio, leva-as diante do Senhor. Junto d’Ela, poderemos todos, mulheres e homens,
recuperar aquela serenidade e íntima confiança que nos torna felizes em Deus e incansáveis
na luta pela vida. Seja a Senhora da Muxima a estrela da vossa vida, que vos guarde
unidos na grande família de Deus. Ámen.” (testo integral em "Viagens apostólicas"