Igreja e preservativo: insulto e distorção dos factos
(21/3/2009) O jornal do Vaticano, “L’Osservatore Romano”, condena em editorial a
onda de críticas que se abateu sobre Bento XVI por causa das suas declarações contra
o uso do preservativo na prevenção da SIDA, “uma doença que é uma prioridade dramática
para o continente africano”. “É possível discordar da visão católica, com certeza,
mas o que justifica – como se fez – que se criem polémicas até chegar ao insulto e
à distorção dos factos?”, pergunta o director do jornal, Giovanni Maria Vian. O
editorial, intitulado “Uma outra viagem”, defende que a viagem do Papa tem uma avaliação
diferente em África do que na Europa, frisando que “só quem está longe pode pensar
que a Igreja não está a fazer tudo o que se pode fazer” no combate ao HIV/SIDA. Giovanni
Maria Vian aponta o dedo a “novos e velhos colonialismos, mesmo culturais”, que exploram
“toda a África”. Sobre a polémica em torno das declarações de Bento XVI sobre
o uso do preservativo, D. Jorge Ortiga, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa
(CEP) disse à Agência ECCLESIA ser redutor analisar a viagem do Papa tendo em conta
apenas essa declaração: “Corre-se o risco de se falar apenas dessa questão, quando
na realidade o Papa vai trazer uma mensagem mais vasta, complexa, com desafios e interpelações.
É redutor fixarmo-nos apenas numa frase que se diz, quando a Igreja tem uma missão
mais vasta e a própria viagem do Papa tem outras motivações”. Ao defender que
a distribuição mais ou menos generalizada de preservativos não soluciona o problema
(ver notícias relacionadas), Bento XVI limitou-se a reafirmar uma posição que defendeu
sempre. Pouco tempo após ser eleito, em Junho de 2005, o Papa dizia aos Bispos da
África do Sul que “o ensinamento tradicional (baseado na abstinência, na castidade
e na fidelidade, ndr) da Igreja provou que constitui o único caminho seguro para impedir
a propagação do HIV”. Em Portugal, D. Januário Torgal Ferreira voltou a assumir
a opinião de que “há situações tão graves de doença que justificam utilizar os métodos
que os médicos advogam, para respeitar também a vida”. Em entrevista ao “Açoriano
Oriental”, o Bispo das Forças Armadas e de Segurança precisou, contudo, que “o problema
é que o preservativo é visto como uma forma fácil de alguém começar a calcorrear os
caminhos de uma sexualidade desviada”. O secretário da CEP, Pe. Manuel Morujão,
defendeu à Lusa que “existe compreensão para os casos que não possam cumprir o que
a Igreja dita como sendo ideal. Há essa tolerância, mas a compreensão dos casos particulares
não deve baixar a fasquia da exigência". D. António Vitalino, Bispo de Beja, diz
na sua nota semanal para a “Rádio Pax” que “muitos responsáveis de governos, sobretudo
europeus, incluídos alguns portugueses, resolveram pegar nessa notícia distorcida
e incompleta para tecer duras críticas à Igreja e ao Papa, esquecendo toda a obra
de evangelização e de promoção cultural, social e sanitária desenvolvida pela Igreja
católica e suas instituições, sobretudo nos países pobres onde há liberdade religiosa
e se permite às Igrejas desenvolver a sua actividade”. “Talvez com essas reacções
estes responsáveis queiram abafar o pouco que fazem pelo desenvolvimento deste continente,
por vezes com métodos de nova colonização, explorando as suas matérias-primas, por
um lado, e, por outro, inundando-os de subprodutos industriais e poluentes”, atira.
Segundo D. António Vitalino, “na sua resposta o Papa não disse que era contra
o preservativo, mas sim que esta praga não se combate só com slogans publicitários
do preservativo, pois é um problema de fundo da educação e da pessoa humana”. “A
humanização da sexualidade, o respeito pela dignidade das pessoas, a fidelidade conjugal,
a ajuda aos doentes, a luta contra o comércio sexual e a escravidão da mulher, são
remédios muito mais profundos que as técnicas da indústria dos países desenvolvidos,
comercializadas e impostas aos pobres do terceiro mundo”, indica o Bispo de Beja.
Esta ideia de que o preservativo pode ser uma espécie de “violência cultural”
imposta a uma África que nunca teve mentalidade contraceptiva está presente no pensamento
do Papa. O Pe. Jorge Cunha, professor de Teologia Moral e director-adjunto da
UCP (Porto), indicou à RR que “a única maneira que a Igreja entende a respeito da
sexualidade é uma vivência da sexualidade no contexto do Amor e, portanto, não tem
qualquer sentido usar o preservativo”. “Os meios de comunicação social ficam irritadíssimos,
porque dizem que o Papa permite e incentiva comportamentos de risco que levam à morte
das pessoas, quando ele está a pensar noutro registo: «eu, em nome da Igreja, nunca
posso dizer que se pode viver anarquicamente a sexualidade». O sexo só faz sentido
no Amor – é o que Bento XVI quer dizer”, concluiu. Em 2001, a Conferência Episcopal
Portuguesa publicou uma nota a respeito do drama da SIDA, afirmando claramente que
“a fidelidade conjugal ou ao parceiro que se elegeu para partilhar a vida, a castidade
como expressão de uma vivência equilibrada e generosa da sexualidade, são elementos
decisivos na luta contra este flagelo”. “Na prevenção têm-se privilegiado os métodos
da «barreira física», que isola o contacto dos corpos na intimidade sexual, que é,
em si mesmo, um encontro plenificante de todo o ser. Não pensamos que a luta contra
esta ameaça possa ser vencida sem mobilizar as liberdades e as consciências, levando
a uma real transformação dos comportamentos”, apontavam então os Bispos, recordando
“as reticências da moral católica em relação ao uso generalizado do preservativo,
porque ele significa uma alteração profunda do sentido e da dignidade da sexualidade
humana”. “Nenhuma razão pode levar a Igreja a deixar de afirmar claramente essa
verdade, pois só ela pode atrair as pessoas para novas etapas de responsabilidade
e generosidade”, observava a CEP. Entre Roma e África Os religiosos
e religiosas da Igreja Católica são responsáveis pelos cuidados e a assistência mais
de um quarto dos doentes de SIDA em todo o mundo. Em Maio de 2008, durante o Congresso
da União dos Superiores Gerais (UISG) e da União internacional das Superioras Gerais
(USG), o padre Frank Monks, da Comissão para a Saúde dos organismos, afirmou que a
resposta dos religiosos ao problema do HIV nem sempre foi visível, obscurecida pela
atenção quase exclusiva que se reservou à questão do preservativo. "O modo dos religiosos
de enfrentar a questão, pelo contrário, vai além", disse. Os institutos religiosos
estão empenhados em várias frentes: tratamento médico, prevenção geral, prevenção
da transmissão mãe-filho, cuidados dos órfãos e das famílias atingidas, assistência
espiritual, educação sexual e, por fim, a pesquisa, em especial para se encontrar
uma vacina contra a doença. Na África, os institutos religiosos não deixam de
se confrontar com a questão do preservativo. A missionária comboniana Ir. Maria Martinelli
explicou que os princípios da Igreja a este propósito são conhecidos, mas, na prática,
considerando que os religiosos lidam com pessoas de várias religiões, culturas e etnias,
"percebe-se que, em situações especiais, o preservativo é necessário". Vários
teólogos defendem esta mesma posição e algumas congregações religiosas distribuem
preservativos em África para evitar a propagação de doenças como a SIDA ou a hepatite.
O Bispo sul-africano Kevin Dowling também promove essa distribuição e tem sido uma
das vozes mais activas em relação à necessidade de adaptar as orientações de Roma
à prática pastoral. D. Filomeno Vieira Dias, coordenador da visita papal a Luanda,
disse ao JN que “a sexualidade está orientada para ser desenvolvida num ambiente de
responsabilidade. Por isso, havendo estes princípios, acreditamos que o preservativo
só poderá ser usado em situações extremas, mas respeitando a liberdade das pessoas”. (
Com Ecclesia)