Uma religião genuína rejeita todas as formas de violência e de totalitarismo: Bento
XVI no encontro com os representantes da comunidade muçulmana dos Camarões.
(19/3/2009) Esta manhã na nunciatura apostolica de Yaoundé o Papa encontrou os representantes
dos muçulmanos dos Camarões e recordou-lhes que uma religião genuina “rejeita todas
as formas de violência e de totalitarismo: não só por princípios de fé, mas também
com base na recta razão. Neste país africano o Islão representa cerca de 22% de
uma população de 17 milhões de pessoas e mantém boas relações com os membros de outras
religiões, a começar pelos catolicos ( 27%). Este o texto integral do discurso
de Bento XVI.
Caros amigos!
Feliz por
esta oportunidade que me é dada de encontrar representantes da comunidade muçulmana
nos Camarões, exprimo o meu cordial obrigado ao Senhor Bello Amadu pelas palavras
amáveis que me dirigiu em vosso nome. O nosso encontro é um sinal eloquente do desejo,
que partilhamos com todas as pessoas de boa vontade – nos Camarões, na África inteira
e em todo o mundo –, de procurar ocasiões para trocar ideias sobre o modo como a religião
preste um contributo essencial para a nossa compreensão da cultura e do mundo e para
a pacífica coexistência de todos os membros da família humana. Nos Camarões, iniciativas
como a Association Camerounaise pour le Dialogue Interreligieux mostram como um tal
diálogo aumente a compreensão recíproca e apoie a formação duma ordem política estável
e justa. Os Camarões são a pátria de milhares de cristãos e de muçulmanos
que frequentemente vivem, trabalham e praticam a sua fé no mesmo ambiente. Os membros
de ambas as religiões crêem num Deus único e misericordioso, que no último dia há-de
julgar a humanidade (cf. Lumen gentium, 16). Juntos dão testemunho dos valores fundamentais
da família, da responsabilidade social, da obediência à lei de Deus e do amor pelos
doentes e atribulados. Plasmando a sua vida segundo estas virtudes e ensinando-as
aos jovens, cristãos e muçulmanos mostram não só como favorecem o pleno desenvolvimento
da pessoa humana, mas também como se forjam laços de solidariedade com os seus vizinhos
e promovem o bem comum. Amigos, eu creio que um dever da religião particularmente
urgente hoje é tornar manifesto o vasto potencial da razão humana, que é ela mesma
um dom de Deus e é elevada por meio da revelação e da fé. Crer em Deus, longe de prejudicar
a nossa capacidade de nos compreendermos a nós mesmos e ao mundo, dilata-a. Longe
de nos colocar contra o mundo, empenha-nos a favor dele. Somos chamados a ajudar os
outros a descobrirem os sinais discretos e a presença misteriosa de Deus no mundo,
que Ele maravilhosamente criou e sustenta com o seu amor inefável que tudo abraça.
Embora a sua glória infinita nunca possa ser directamente agarrada nesta vida pela
nossa mente finita, todavia apanhamos vislumbres dela na beleza que nos rodeia. Se
os homens e as mulheres permitem que as suas mentes sejam iluminadas pela ordem magnífica
do mundo e pelo esplendor da dignidade humana, podem descobrir que aquilo que é «razoável»
estende-se muito além daquilo que a matemática pode calcular, a lógica deduzir e as
experiências científicas demonstrar; o «razoável» inclui também a bondade e o encanto
intrínseco de uma existência honesta e secundo a ética, que nos é manifestado através
da própria linguagem de criação. Esta visão induz-nos a procurar tudo
o que é recto e justo, a sair do âmbito restricto do nosso interesse egoísta e a agir
em prol do bem dos outros. Assim uma religião genuína alarga o horizonte da compreensão
humana e está na base de toda a cultura humana autêntica. Rejeita todas as formas
de violência e de totalitarismo: não só por princípios de fé, mas também com base
na recta razão. Na realidade, religião e razão reforçam-se mutuamente, visto que a
religião é purificada e estruturada pela razão e o potencial da razão é plenamente
libertado pela revelação e a fé. Por isso, encorajo-vos, caros amigos muçulmanos,
a permear a sociedade com os valores que emergem desta perspectiva e elevam a cultura
humana, e juntos trabalhemos para construir uma civilização do amor. Que a cooperação
entusiasta entre muçulmanos, católicos e outros cristãos nos Camarões seja para outras
nações africanas um farol luminoso do enorme potencial de um empenho inter-religioso
para a paz, a justiça e o bem comum. Com estes sentimentos, exprimo
de novo a minha gratidão por esta venturosa oportunidade de vos encontrar durante
a minha visita aos Camarões. Agradeço a Deus omnipotente as bênçãos que concedeu a
vós e aos vossos compatriotas e rezo para que os vínculos que unem cristãos e muçulmanos
na sua profunda veneração do único Deus continuem a reforçar-se de tal modo que se
tornem um reflexo mais claro da sabedoria do Omnipotente que ilumina os corações da
humanidade inteira.