(14/3/2009) A realização da primeira visita do actual Papa a território africano
culmina, de forma mais visível, a constante preocupação de Bento XVI com a Igreja
e a sociedade africanas. Na intenção de oração missionária para o mês de Fevereiro,
por exemplo, o Papa rezava para que a Igreja na África encontrasse caminhos e meios
adequados para promover – de modo eficaz – a reconciliação, a justiça e a paz, segundo
as indicações da II Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos. Este
evento, que decorrerá de 4 a 25 de Outubro próximo, terá como tema “A Igreja na África
a serviço da reconciliação, da justiça e da paz”, justifica a ida de Bento XVI aos
Camarões, onde irá publicar o instrumento de trabalho deste Sínodo. São várias
as ocasiões em que, desde o início do pontificado, o Papa deixou apelos e dedicou
reflexões ao continente africano. Num encontro com o clero de Roma, no dia 13 de Maio
de 2005 - menos de um mês depois da sua eleição – Bento XVI falou sobre a extraordinária
riqueza humana e espiritual da África, sem deixar de ressaltar as responsabilidades
da Europa. “A África é um continente de grandes possibilidades, de grande generosidade
por parte do povo, com uma fé viva impressionante. Mas devemos confessar que a Europa
exportou não somente a fé em Cristo, mas também todos os vícios do Velho Continente.
Exportou o sentido da corrupção, exportou a violência que agora está devastando a
África. E devemos reconhecer a nossa responsabilidade em fazer de modo que a exportação
da fé, que responde à íntima expectativa de todo homem, seja mais forte do que a exportação
dos vícios da Europa”, disse então. Ainda nos primeiros meses de pontificado,
no Angelus de 3 de Julho de 2005, Bento XVI aproveitou a ocasião do então iminente
G-8 da Escócia para exortar a comunidade internacional a não esquecer as populações
africanas, atingidas pela pobreza e por conflitos: “De coração, desejo sucesso a essa
importante reunião, fazendo votos de que ela leve a partilhar solidariamente os custos
da redução da dívida externa, a adoptar medidas concretas para a erradicação da pobreza,
e a promover um autêntico desenvolvimento da África.” No seu livro “Jesus de Nazaré”,
Joseph Ratzinger fala das parábolas do Evangelho, em especial a do Bom Samaritano,
que é apresentado como um “ícone da compaixão”, através do qual Cristo ensina que
“não se trata já de estabelecer quem, entre os outros, é o meu próximo, mas trata-se
de mim: eu devo tornar-me o próximo”. A actualidade da parábola é, segundo o Papa,
“óbvia”: os povos da África, caídos por terra, “olham-nos de perto”. “Nós levamos-lhes
o cinismo de um mundo sem Deus, onde apenas contam o poder e o lucro”, lamenta. Estes
foram apelos e observações renovados em várias outras ocasiões, em particular, nos
discursos ao Corpo diplomático, nas audiências aos prelados africanos em visita “ad
Limina”, e nas mensagens para o Dia Mundial da Paz. No encontro de 2009 com os
diplomatas credenciados junto da Santa Sé, Bento XVI falava já na “alegria de me encontrar
com muitos irmãos e irmãs de fé e humanidade que vivem na África”. “Na expectativa
desta visita, que tanto desejei, peço ao Senhor que seus corações se abram para acolher
o Evangelho e vivê-lo com coerência, construindo a paz e lutando contra a pobreza
moral e material”, indicou. Segundo Bento XVI, em África é importante “reservar
uma atenção especial à infância: vinte anos depois da adopção da Convenção sobre os
direitos das crianças, elas ainda são vulneráveis”. O Papa pediu aos responsáveis
políticos que “tomem todas as medidas necessárias para resolver os conflitos actuais
e colocar fim às injustiças que os provocaram”. Entre as várias conferências episcopais
que visitaram o Vaticano desde Abril de 2005 conta-se a dos Camarões, recebida em
Março de 2006. Na ocasião, Bento XVI lembrou o aniversário da Exortação apostólica
pós-sinodal “Ecclesia in África”, assinada em Yaoundé em Setembro de 1995, pelo Papa
João Paulo II. “Este momento de graça, vivido na fé e na esperança, revelou uma real
solidariedade pastoral orgânica em todo o continente africano, manifestada sobretudo
pelos trabalhos fecundos e estimulantes da Assembleia Especial para a África do Sínodo
dos Bispos”, disse. O Papa falou na necessidade de “fazer penetrar o Evangelho
em profundidade nas culturas e nas tradições do vosso povo, caracterizadas pela riqueza
dos seus valores humanos, espirituais e morais, sem deixar de purificar essas culturas,
através de uma necessária conversão de tudo o que, nelas, se opõe à plenitude da verdade
e da vida que se manifesta em Jesus Cristo”. “Isto exige também que seja anunciada
e vivida a Boa Nova iniciando sem receio um diálogo crítico com as culturas novas
relacionadas com o emergir da globali-zação, para que a Igreja lhes transmita uma
mensagem cada vez mais adequada e credível, permanecendo fiel ao mandamento que recebeu
do seu Senhor”, acrescentou. Neste Dossier, a Agência ECCLESIA procura antecipar
e contextualizar algumas das questões que o Papa irá encontrar nesta viagem: o que
significa a incul-turação? Que espaço há para o génio africano na liturgia? Que representa
o Cristianismo para África e qual o papel do Continente na Igreja Católica? Estatísticas Em África, os católicos cresceram mais de 3% nos últimos anos, o que ultrapassa
o crescimento da população total (2,5%). Estima-se que em 2050, três países africanos
estejam entre as dez maiores nações católicas de todo o mundo: a República Democrática
do Congo (97 milhões de católicos), o Uganda (56 milhões) e a Nigéria (47 milhões).
A “explosão” do catolicismo na África subsaariana, ao longo do século XX, pode
ser considerada como um dos maiores sucessos missionários na história da Igreja -
embora deva ser sempre lida com atenção, como se lê neste dossier -, já que de uma
população de 1,9 milhões de católicos, em 1900, se passou para 139 milhões. África
é mesmo um dos continentes em que se regista maior crescimento no número de padres,
com um aumento na ordem dos 25% no período de 2000 a 2007.