2009-03-02 12:41:43

“Se alguém está em Cristo é uma nova criatura” (2Cor 5,17). Mensagem de Quaresma do Bispo de Santarém
 


(2/3/2009) Estimados diocesanos, irmãos e irmãs no Senhor,
Ao iniciar a Quaresma de 2009 dirijo-vos esta mensagem para vos exortar a viver a novidade que Cristo nos oferece com o Mistério Pascal. São Paulo, cujo jubileu celebramos, experimentou vivamente a novidade do cristianismo e sintetizou-a nesta expressão: “Se alguém está em Cristo é uma nova criatura”. Quando vivemos unidos ao Senhor, adquirimos uma nova condição: Não estamos sós pois Ele vive connosco e em nós. Somos guiados num novo estilo: vivemos não para nós mesmos mas para Ele que por nós se entregou. Confiamos no futuro iluminado pela Ressurreição do Senhor.
O período quaresmal, que iniciamos na quarta-feira de cinzas, é o percurso espiritual que nos prepara para acolher e viver a novidade cristã que celebramos na Páscoa. É uma proposta muito oportuna e necessária para a situação actual. Vivemos, de facto, num mundo ameaçado por muitas crises, fechado no individualismo e no comodismo, apegado a preconceitos, voltado para a ostentação e a vaidade exteriores, mas árido e vazio de valores espirituais. É, realmente, um mundo velho, sem confiança no futuro, em que cada um vive para si mesmo, onde cresce o número de idosos mas diminuem as crianças, aumentam os abortos mas não se protege suficientemente a família e os nascimentos. Um mundo assim não tem encanto nem futuro. Como viver nesta situação a vocação de “novas criaturas” e irradiar à nossa volta a novidade cristã?
1. Jesus novo início da humanidade
A Quaresma oferece-nos, no primeiro domingo, um quadro do evangelho que nos ilumina no discernimento da novidade cristã: O retiro de Jesus, de quarenta dias, no deserto com que deu início à Sua missão. Ao narrar esta cena, os evangelistas apresentam-nos Jesus como um novo Adão, a viver entre os animais selvagens, como nas origens da humanidade, e a recapitular outros momentos simbólicos de encontro com Deus e purificação como os quarenta anos do êxodo, os quarenta dias de jejum de Moisés no Sinai e os quarenta dias da peregrinação de Elias para a montanha santa do Horeb. Jesus começa de novo o percurso da salvação, como um novo Moisés, inaugura uma nova aliança, indica um novo caminho. Conduzido pelo Espírito Santo, Jesus enfrentou e venceu as tentações que sempre acompanharam a história da humanidade e que se insinuam a todos nós com aparências positivas e vantajosas. Face à tentação de se deixar absorver pelas preocupações materiais e de as resolver de forma milagrosa, Jesus realçou a importância do alimento espiritual que é a Palavra de Deus. Perante a tentação de alcançar êxito fácil e vistoso, optou pelo caminho do serviço obediente e humilde. Outra tentação que experimentou foi a do poder e do domínio. Mas Jesus mostrou-se firme e livre para servir o desígnio de Deus.
Fortalecido pelo jejum, pela oração e pela meditação na palavra de Deus, rejeita a alternativa colocada pelo tentador de se guiar pelos critérios vistosos do êxito, da riqueza e do poder do mundo. Nesta imagem podemos descobrir, portanto, a diferença entre os critérios do mundo e os do evangelho, entre a novidade cristã e a mentalidade mundana.
2. Cultivar a espiritualidade
A vida nova em Cristo consiste, como ensina São Paulo, em conduzir-se pelo Espírito e não pela carne (inclinações egoístas). Para isso, precisamos de nos purificar das dependências terrenas do egoísmo, da vaidade, do consumismo, do poder. Só despojando-nos de nós mesmos damos a Deus espaço no nosso coração para que Ele se torne o centro da nossa vida. Sem Deus a vida humana é fragmentada e a relação fraterna inconsistente. Em Deus podemos descobrir a verdade sobre nós e sobre o mundo, a beleza e a grandeza do homem criado à imagem de Deus.
No tempo da Quaresma a Igreja, para nos orientar na vida segundo o Espírito Santo, recomenda-nos alguns exercícios espirituais, como: a oração mais intensa; a escuta mais assídua da Palavra de Deus; o jejum e a partilha de bens. No quadro destas recomendações, tracemos um programa de exercícios quaresmais. Não deixemos à improvisação e ao sabor do momento. A vida espiritual, segundo uma imagem de São Paulo, é como uma corrida de competição ou como um combate que se trava. Temos um guia e treinador competente que é Jesus. Não podemos, porém, esquecer as resistências e os obstáculos e, por isso, recorrer aos apoios indispensáveis para os vencer. A nível da diocese oferecemos alguns subsídios como os retiros populares nas comunidades, retiros para jovens, para catequistas, propostas de oração em família, etc.
3. Caridade iluminada pela espiritualidade
A vida nova em Cristo manifesta-se, sobretudo, na caridade. Deus é amor, afirma São João, e o crescimento na comunhão com Deus traduz-se no amor fraterno feito de acolhimento, misericórdia, afabilidade, proximidade e serviço fraterno. A caridade começa no coração, na alma, nos sentimentos e daí passa às atitudes. Como diz São Paulo: “Tende entre vós os mesmos sentimentos e a mesma caridade, numa só alma e num só coração. Não façais nada por rivalidade ou por vanglória; mas, com humildade, considerai os outros superiores a vós mesmos, sem olhar cada um aos seus próprios interesses, mas aos interesses dos outros. (Fl 2, 2-4).
A caridade conduz à partilha de bens com os necessitados. O que o livro dos Actos diz acerca dos primeiros cristãos “Entre eles não havia necessitados” (Act 4, 34), deveria ser realidade em todas as comunidades cristãs.
Vivemos num momento de profunda crise da economia que se traduz numa crise social que a todos atinge e preocupa. Cada vez há mais necessitados. Não apenas os habituais mas também pessoas da classe média com vontade de ganhar o pão com o seu trabalho mas que de repente se vêm sem emprego. Que podemos fazer?
Esta crise convida-nos a rever o modelo de sociedade e o estilo de vida pautado pelo consumismo desenfreado. Para nós discípulos de Cristo, esta situação é, antes de mais, um convite a pôr em prática o estilo de vida evangélico, mais simples e austero, menos consumista e menos egoísta, menos centrado em cada um e mais solidário. Vivemos sobretudo da verdade, da beleza e da bondade.
As necessidades emergentes e os dramas provocados pela crise merecem a nossa solidariedade atenta e o nosso apoio generoso. Procuremos que em todas as paróquias funcione o serviço eclesial “Caritas”, capaz de ir ao encontro e dar alguma resposta aos problemas sociais causados pela crise. Metade da renúncia quaresmal será encaminhada para a Caritas Diocesana que tem a função de criar uma rede de partilha com os grupos paroquiais. Outra metade para um projecto de apoio ao desenvolvimento, em Marere, Moçambique, onde a fome ameaça muita gente. No ano passado, recolhemos com a renúncia 34.000 € entregues a quem fora prometido.
Que o grande Apóstolo São Paulo, que na conversão em Damasco se tornou um homem novo, nos guie e proteja no caminho para a vida nova em Cristo.
Santarém 20 de Fevereiro de 2009
+ Manuel Pelino Domingues








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