“Se alguém está em Cristo é uma nova criatura” (2Cor 5,17). Mensagem de Quaresma do
Bispo de Santarém
(2/3/2009) Estimados diocesanos, irmãos e irmãs no Senhor, Ao iniciar a Quaresma
de 2009 dirijo-vos esta mensagem para vos exortar a viver a novidade que Cristo nos
oferece com o Mistério Pascal. São Paulo, cujo jubileu celebramos, experimentou vivamente
a novidade do cristianismo e sintetizou-a nesta expressão: “Se alguém está em Cristo
é uma nova criatura”. Quando vivemos unidos ao Senhor, adquirimos uma nova condição:
Não estamos sós pois Ele vive connosco e em nós. Somos guiados num novo estilo: vivemos
não para nós mesmos mas para Ele que por nós se entregou. Confiamos no futuro iluminado
pela Ressurreição do Senhor. O período quaresmal, que iniciamos na quarta-feira
de cinzas, é o percurso espiritual que nos prepara para acolher e viver a novidade
cristã que celebramos na Páscoa. É uma proposta muito oportuna e necessária para a
situação actual. Vivemos, de facto, num mundo ameaçado por muitas crises, fechado
no individualismo e no comodismo, apegado a preconceitos, voltado para a ostentação
e a vaidade exteriores, mas árido e vazio de valores espirituais. É, realmente, um
mundo velho, sem confiança no futuro, em que cada um vive para si mesmo, onde cresce
o número de idosos mas diminuem as crianças, aumentam os abortos mas não se protege
suficientemente a família e os nascimentos. Um mundo assim não tem encanto nem futuro.
Como viver nesta situação a vocação de “novas criaturas” e irradiar à nossa volta
a novidade cristã? 1. Jesus novo início da humanidade A Quaresma oferece-nos,
no primeiro domingo, um quadro do evangelho que nos ilumina no discernimento da novidade
cristã: O retiro de Jesus, de quarenta dias, no deserto com que deu início à Sua missão.
Ao narrar esta cena, os evangelistas apresentam-nos Jesus como um novo Adão, a viver
entre os animais selvagens, como nas origens da humanidade, e a recapitular outros
momentos simbólicos de encontro com Deus e purificação como os quarenta anos do êxodo,
os quarenta dias de jejum de Moisés no Sinai e os quarenta dias da peregrinação de
Elias para a montanha santa do Horeb. Jesus começa de novo o percurso da salvação,
como um novo Moisés, inaugura uma nova aliança, indica um novo caminho. Conduzido
pelo Espírito Santo, Jesus enfrentou e venceu as tentações que sempre acompanharam
a história da humanidade e que se insinuam a todos nós com aparências positivas e
vantajosas. Face à tentação de se deixar absorver pelas preocupações materiais e de
as resolver de forma milagrosa, Jesus realçou a importância do alimento espiritual
que é a Palavra de Deus. Perante a tentação de alcançar êxito fácil e vistoso, optou
pelo caminho do serviço obediente e humilde. Outra tentação que experimentou foi a
do poder e do domínio. Mas Jesus mostrou-se firme e livre para servir o desígnio de
Deus. Fortalecido pelo jejum, pela oração e pela meditação na palavra de Deus,
rejeita a alternativa colocada pelo tentador de se guiar pelos critérios vistosos
do êxito, da riqueza e do poder do mundo. Nesta imagem podemos descobrir, portanto,
a diferença entre os critérios do mundo e os do evangelho, entre a novidade cristã
e a mentalidade mundana. 2. Cultivar a espiritualidade A vida nova em Cristo
consiste, como ensina São Paulo, em conduzir-se pelo Espírito e não pela carne (inclinações
egoístas). Para isso, precisamos de nos purificar das dependências terrenas do egoísmo,
da vaidade, do consumismo, do poder. Só despojando-nos de nós mesmos damos a Deus
espaço no nosso coração para que Ele se torne o centro da nossa vida. Sem Deus a vida
humana é fragmentada e a relação fraterna inconsistente. Em Deus podemos descobrir
a verdade sobre nós e sobre o mundo, a beleza e a grandeza do homem criado à imagem
de Deus. No tempo da Quaresma a Igreja, para nos orientar na vida segundo o Espírito
Santo, recomenda-nos alguns exercícios espirituais, como: a oração mais intensa; a
escuta mais assídua da Palavra de Deus; o jejum e a partilha de bens. No quadro destas
recomendações, tracemos um programa de exercícios quaresmais. Não deixemos à improvisação
e ao sabor do momento. A vida espiritual, segundo uma imagem de São Paulo, é como
uma corrida de competição ou como um combate que se trava. Temos um guia e treinador
competente que é Jesus. Não podemos, porém, esquecer as resistências e os obstáculos
e, por isso, recorrer aos apoios indispensáveis para os vencer. A nível da diocese
oferecemos alguns subsídios como os retiros populares nas comunidades, retiros para
jovens, para catequistas, propostas de oração em família, etc. 3. Caridade iluminada
pela espiritualidade A vida nova em Cristo manifesta-se, sobretudo, na caridade.
Deus é amor, afirma São João, e o crescimento na comunhão com Deus traduz-se no amor
fraterno feito de acolhimento, misericórdia, afabilidade, proximidade e serviço fraterno.
A caridade começa no coração, na alma, nos sentimentos e daí passa às atitudes. Como
diz São Paulo: “Tende entre vós os mesmos sentimentos e a mesma caridade, numa só
alma e num só coração. Não façais nada por rivalidade ou por vanglória; mas, com humildade,
considerai os outros superiores a vós mesmos, sem olhar cada um aos seus próprios
interesses, mas aos interesses dos outros. (Fl 2, 2-4). A caridade conduz à partilha
de bens com os necessitados. O que o livro dos Actos diz acerca dos primeiros cristãos
“Entre eles não havia necessitados” (Act 4, 34), deveria ser realidade em todas as
comunidades cristãs. Vivemos num momento de profunda crise da economia que se
traduz numa crise social que a todos atinge e preocupa. Cada vez há mais necessitados.
Não apenas os habituais mas também pessoas da classe média com vontade de ganhar o
pão com o seu trabalho mas que de repente se vêm sem emprego. Que podemos fazer? Esta
crise convida-nos a rever o modelo de sociedade e o estilo de vida pautado pelo consumismo
desenfreado. Para nós discípulos de Cristo, esta situação é, antes de mais, um convite
a pôr em prática o estilo de vida evangélico, mais simples e austero, menos consumista
e menos egoísta, menos centrado em cada um e mais solidário. Vivemos sobretudo da
verdade, da beleza e da bondade. As necessidades emergentes e os dramas provocados
pela crise merecem a nossa solidariedade atenta e o nosso apoio generoso. Procuremos
que em todas as paróquias funcione o serviço eclesial “Caritas”, capaz de ir ao encontro
e dar alguma resposta aos problemas sociais causados pela crise. Metade da renúncia
quaresmal será encaminhada para a Caritas Diocesana que tem a função de criar uma
rede de partilha com os grupos paroquiais. Outra metade para um projecto de apoio
ao desenvolvimento, em Marere, Moçambique, onde a fome ameaça muita gente. No ano
passado, recolhemos com a renúncia 34.000 € entregues a quem fora prometido. Que
o grande Apóstolo São Paulo, que na conversão em Damasco se tornou um homem novo,
nos guie e proteja no caminho para a vida nova em Cristo. Santarém 20 de Fevereiro
de 2009 + Manuel Pelino Domingues