Valorizar o jejum: Mensagem de Quaresma do Cardeal-Patriarca de Lisboa
(28/2/2009) O Santo Padre Bento XVI, na sua Mensagem para a Quaresma, convida-nos
a redescobrir o sentido e o valor do jejum, tendo-nos recordado primeiro que o jejum
faz parte de um conjunto de práticas penitenciais muito queridas à tradição bíblica
e cristã: a oração, a esmola e o jejum. Ao acentuar uma delas, não esquece que
são indesligáveis entre si, citando São Pedro Crisólogo: “O jejum é a alma da oração
e a misericórdia é a vida do jejum. Portanto quem reza jejue; quem jejua tenha misericórdia.
Quem, ao pedir, deseja ser atendido, atenda quem a ele se dirige. Quem quer encontrar
aberto, em seu benefício, o coração de Deus, não feche o seu a quem lhe suplica”.
A Mensagem do Santo Padre é proposta para toda a Igreja e, portanto, também para
a Igreja de Lisboa. Não teria sentido contrapor-lhe uma mensagem minha. Quero apenas
ajudar a concretizar, no contexto da nossa diocese, o que pode significar valorizar
o jejum. À partida, penso que devemos acentuar a íntima relação que há entre jejuar,
procurar o rosto do Senhor na oração e abrir o nosso coração ao amor dos irmãos, no
fundo descobrir que se jejua para amar e que dificilmente o nosso amor atinge a pureza
da caridade se não procurarmos, com gestos concretos de desapego das coisas materiais,
a pureza e a transcendência de Deus. Jejuarão quando o Esposo lhes for tirado
2. Gostaria de partir de um texto do Evangelho, que sempre me tocou, porque nele
Jesus anuncia o sentido profundo do jejum: “Estando os discípulos de João e os
fariseus a jejuar, vieram dizer-lhe: porque é que os discípulos de João e os fariseus
guardam jejum, e os teus discípulos não jejuam? Jesus respondeu: poderão os convidados
para a boda jejuar enquanto o Esposo está com eles? Enquanto têm consigo o Esposo,
não podem jejuar. Dias virão em que o Esposo lhes será tirado e então, nesses dias,
hão-de jejuar” (Mc. 2,18-20) O Esposo é Ele, a intimidade com Ele tem a alegria
das núpcias. Para quem experimentou e deseja esse convívio, a Sua ausência pode revestir-se
de grande sofrimento espiritual. O “vem Senhor Jesus” foi sempre oração da Igreja
que exprime esse anseio doloroso. Jesus dá uma dimensão mística ao jejum. Se se refere,
em primeiro plano, aos dias da Sua paixão, abarca nas Suas palavras toda a densidade
de quem o procura, a dureza da oração, a obscuridade da fé, a intensidade dolorosa
de um desejo, que nenhuma fruição de bens materiais satisfaz, uma fome que nenhum
alimento deste mundo sacia. Jejuar, como renunciar e partilhar os seus bens, torna-se
sinal de que pomos o nosso coração nessa sede de Deus, nesse anseio de intimidade
com o Senhor. O Esposo foi-nos tirado e prometido. O caminho do encontro é o caminho
da fé, na oração, na ascese, na caridade vivida. Sabemos que Ele está connosco; mas
a Sua presença não anula a ausência. Buscar o Seu rosto convida-nos a não pormos o
nosso coração nas coisas deste mundo. Como esta mensagem de Jesus pode ser iluminadora
para quem hesita em responder às inquietações do coração, para quem sofre o desgaste
da dúvida, para aqueles que não aguentam a persistência num caminho de oração, o único
que pode proporcionar, quando Ele nos deu esse dom, a alegria da presença e da intimidade.
A vida cristã é um caminho exigente e austero, na atitude corajosa e generosa de quem
espera a vinda do Esposo. O Esposo ausente torna-se presente naqueles que o mundo
não convida para o banquete 3. “O que fizestes ao mais pequenino dos meus irmãos,
foi a Mim que o fizestes” (Mt. 25,40). A esses que o mundo não convida para o banquete,
só a nossa caridade os pode introduzir no festim e fazê-los participar das alegrias
das núpcias. O jejum toma então a forma da renúncia e da partilha. O Santo Padre abre-nos
para essa concretização do jejum: “O jejum ajuda-nos a tomar consciência da situação
em que vivem tantos irmãos nossos. Jejuar voluntariamente ajuda-nos a cultivar o estilo
do Bom Samaritano, que se inclina e socorre o irmão que sofre. Escolhendo livremente
privar-nos de algo para ajudar os outros, mostramos concretamente que o próximo em
dificuldade não nos é indiferente”. A nossa Diocese tem já uma longa experiência
de jejum sob a forma de renúncia quaresmal, cujo fruto canalizamos para ajudar os
que mais precisam. Nos últimos anos temos constituído um “Fundo de Ajuda Inter-Eclesial”,
através do qual ajudamos Igrejas mais pobres de todo o mundo que batem à nossa porta.
Em anexo damos notícia das ajudas distribuídas durante o ano de 2008 e do saldo ainda
disponível para essa inter-ajuda, pois são já muitos os pedidos que temos em análise.
Mas este ano quero propor-vos um outro destino para a nossa renúncia quaresmal:
a ajuda às crianças em risco, de modo particular através da Casa do Gaiato de Santo
Antão do Tojal que a diocese assumiu, numa circunstância em que a Obra da Rua já não
a podia manter. Uma informação complementar sobre a Casa do Gaiato será também anexada
a esta Mensagem. 4. Façamos da nossa Quaresma uma caminhada ao encontro do Senhor
Ressuscitado, sabendo que o caminho é árduo e exigente, porque exige a conversão e
a coragem da esperança, sabendo que as renúncias escolhidas são mais libertadoras
do que as que nos são impostas e não esquecendo que o jejum, isto é, a privação e
a renúncia, são uma pedagogia para Deus, um caminho para aprender a amar.