Quaresma 2009: conversão a Deus, servindo o próximo:Mensagem de Quaresma do
Bispo do Porto
(28/2/2009) Caríssimos diocesanos do Porto, com todas as pessoas de boa vontade:
No actual contexto social e económico, a conversão a Deus, que é a substância
da Quaresma, tem de sublinhar a humanidade de todos e a sua necessária realização
em cada um. Quer isto dizer que a Quaresma de 2009 em Portugal exige a correcta compreensão
do significado do trabalho e o maior esforço para que ele não falte a ninguém. Tanto
quanto possível, isto é, sem desistir nunca. O trabalho, de direito e de facto,
não é exterior ao ser humano: é-lhe absolutamente indispensável e intrínseco, como
realização pessoal. Reconhecemos que é pelo trabalho que as pessoas respondem às necessidades
próprias e dos seus. É por isso imprescindível que a sociedade tudo encaminhe para
esse bem essencial. E que o façamos na convicção de que só assim cada um descobre
as suas potencialidades e se realiza positivamente como criador de bens, com proveito
geral. Somemos então algumas responsabilidades. De todos nós, cidadãos; e, em
especial, de cada um de nós, os cristãos, que acreditamos no trabalho como disposição
divina para o papel de todos no desenvolvimento da própria criação. Quando lemos no
Génesis (2, 15), que “o Senhor Deus levou o homem e colocou-o no jardim do Éden, para
o cultivar e, também, para o guardar”, descobrimos a nossa responsabilidade, para
que a criação frutifique e se garanta. É missão de todos, para que o propósito divino
se cumpra e nos realizemos nele. Consequentemente, entre cristãos e pessoas de boa
vontade, não deverá passar esta Quaresma sem fazermos o possível para criar postos
de trabalho ou ajudar a mantê-los quando periguem. Nem se dispensarão os trabalhadores
e as suas organizações de contribuir para ultrapassarmos as dificuldades presentes.
Responsabilidades, igualmente, de todos os empresários e dadores de trabalho.
Tantos existem que tudo fazem para que as suas empresas não encerrem, ou dispensem
o menor número possível. Resistem à tentação de fechar ou despedir, com o pretexto
da crise. A empresários assim, devemos uma palavra de reconhecimento e estímulo. Como
apelamos à consciência de quem não proceda deste modo, para que não lese a sociedade
nem ofenda a Deus, condenando ao desemprego quem podia continuar a trabalhar. Também
neste ponto se abra agora uma autêntica “Quaresma” empresarial, para defender e promover
o trabalho e o emprego. Biblicamente sabemos que cumprir a vontade de Deus, aqui e
agora, passa exactamente por aí. A vontade de um Deus “trabalhador”, assim definido
pelo próprio Cristo: “O meu Pai continua a realizar obras até agora, e eu também continuo!”
(Jo 5, 17). Responsabilidade muito particular dos governantes, como primeiros
zeladores do bem comum. Não lhes pedindo o que não possam, não se dispensarão do que
nos devem. Valorizando e promovendo a criatividade e o esforço de quantos trabalham
e criam trabalho, activarão a subsidiariedade geral da sociedade, com especial aproveitamento
das capacidades dos mais novos e sem esquecer a formação contínua dos mais velhos.
Neste sentido ainda, as comunidades cristãs saberão abrir espaços de proximidade
e partilha, em que, além da resposta imediata e possível às solicitações de pobrezas
antigas e novas, se originem porventura respostas práticas e criativas no sentido
do trabalho e do emprego. E os cristãos viverão a Quaresma de 2009 em disponibilidade
total para uma cidadania inteira e consequente. A actual crise tem evidentes conotações
morais. Muita riqueza a todo o custo ocasionou muita pobreza insustentável. Os tópicos
quaresmais por excelência – oração, jejum e esmola – significam agora mais atenção
à vontade de Deus, que é o bem de todos, num mundo realmente solidário, quer dizer,
consistente, frugal e fraterno. Com o exemplo e o Espírito de Cristo, teremos, mais
profundamente, Páscoa. Com o resultado da renúncia quaresmal de 2008, foi criado
o Fundo Social Diocesano, passando os 160 000 euros. O que permitiu ajudar a Obra
Diocesana de Promoção Social (mais apoio a famílias carenciadas), a Caritas Diocesana
(acções de apoio a crianças em idade escolar) e Vida Norte (apoio à maternidade e
à família). Confio na generosidade de todos para que a renúncia desta Quaresma possa
reforçar o Fundo Social Diocesano para novas acções de solidariedade, na caridade
cristã. A todos desejo uma Santa Quaresma, na conversão a Deus, servindo o próximo.
Porto, Quarta-Feira de Cinzas, 25 de Fevereiro de 2009, + Manuel Clemente,
Bispo do Porto