O SIGNIFICADO DO JEJUM CRISTÃO EM RELAÇÃO ÀS OUTRAS RELIGIÕES, NA REFLEXÃO QUARESMAL
DO CARDEAL CORDES
Cidade do Vaticano, 24 fev (RV) - Amanhã, com a Quarta-feira de Cinzas, tem
início a Quaresma, período forte de preparação para a celebração da Paixão, morte
e Ressurreição de nosso Salvador. É também um tempo em que a Igreja nos convida, de
modo particular, às práticas penitenciais da oração, esmola e jejum.
Em sua
mensagem para a Quaresma deste ano – refletindo sobre o jejum – o Santo Padre afirma,
entre outras coisas:
"Nos nossos dias, a prática do jejum parece ter perdido
um pouco do seu valor espiritual e ter adquirido antes, numa cultura marcada pela
busca da satisfação material, o valor de uma medida terapêutica para a cura do próprio
corpo."
Amanhã, o papa não concederá a habitual audiência geral das quartas-feiras.
Bento XVI presidirá, ao término da celebração eucarística na Basílica romana de Santa
Sabina, o rito da bênção e imposição das Cinzas - que marca o início da Quaresma.
Nos
microfones da nossa emissora, o presidente do Pontifício Conselho Cor Unum, Cardeal
Paul Josef Cordes, se detém sobre o valor atribuído por Bento XVI ao jejum cristão:
Cardeal
Paul Josef Cordes:- "Fiquei muito contente com o fato de o papa ter escolhido
esse tema. Vivemos num mundo marcado pelo culto ao corpo. É verdade que São Paulo
diz: 'Ninguém jamais desprezou o próprio corpo' e, portanto, é importante querer bem
ao corpo. Mas por vezes esse cuidado é exagerado. Somente na Alemanha foram vendidos
18 milhões de kits para emagrecimento. Portanto, era importante que o papa falasse
sobre o jejum. Ademais, também outras religiões praticam o jejum."
P. O
que caracteriza a prática do jejum cristão em relação ao jejum das outras religiões?
Cardeal
Paul Josef Cordes:- "O islamismo, por exemplo, não tem uma relação com a Criação
como o cristianismo. O islamismo não pode descobrir na Criação nenhum elemento divino
porque Deus está muito distante da Criação: há um abismo entre Deus e a Criação. Deus
inspira a Criação mediante a lei, a shariá, não tem nenhuma relação pessoal com a
Criação. Ao invés, o cristão pode identificar-se com a Criação, porque Cristo é o
Filho de Deus e se encarnou, assumiu a nossa carne. Isso é sem igual, porque assim
nós podemos ter na Criação uma relação com o próprio Deus. Cristo é o nosso modelo,
ele retirou-se para o deserto e assim nós podemos encontrar no jejum a pessoa de Jesus
Cristo. O islamismo tem diante de si uma lei, um Deus distante, nós temos Cristo próximo
a nós, que nos dá o exemplo do jejum. Os métodos do jejum têm essa finalidade, mas
não são muito importantes: o importante é encontrar Cristo. O papa diz em sua mensagem
que o jejum nos ajuda a dedicar-nos totalmente a Deus."
P. O jejum voluntário
no tempo da Quaresma pode contribuir para o combate à fome no mundo?
Cardeal
Paul Josef Cordes:- "O papa diz isso muito claramente na mensagem. Se eu renuncio
algo de bom e de útil a meu corpo, acabo de certo modo economizando. Se renuncio um
pouco a televisão, acabo tendo tempo para rezar. Se tiro o orgulho do meu coração,
terei talvez o desejo de confessar-me. Assim, o tempo da Quaresma é para mim um tempo
de aprofundamento da vida cristã. É quase um exercício espiritual. A Igreja oferece
40 dias para preparar-nos para a Páscoa. A mensagem do papa nos indica o verdadeiro
sentido da Quaresma, que significa preparar-nos para a celebração da Páscoa como morte
e ressurreição de Jesus Cristo. Somente quem morreu pode sentir a alegria da Ressurreição,
e somente quem fez realmente uma passagem rumo a essa morte, negando a si mesmo, terá
a satisfação de celebrar, na vigília da Páscoa, a alegria da Ressurreição." (RL)