2009-02-17 15:14:40

“Viver e morrer segundo o Evangelho” (Enzo Bianchi)


(17/2/2009) É conhecido o elevado grau de emoção e tensão que em Itália suscitou o caso de Eluana Englaro, dividindo o país em dois blocos ideológicos contrapostos, com as partes a insultarem-se mutuamente com uma violência verbal inadmissível. O pior foi que o drama desta mulher em agonia desde há 17 anos e da sua família tão marcada pelo sofrimento se tornou num caso político, com bom número de católicos e de figuras eclesiásticas apanhados na onda, muitas vezes sem distinguir os níveis de intervenção e não conseguindo manter um tom de séria reflexão, no respeito pelas outras posições. No meio do clamor geral, carregado de agressividade, tornou-se praticamente impossível inserir outros dados da questão ou simplesmente convidar os crentes a um testemunho de oração e recolhimento perante uma tragédia que exigia mais do que insultos ou atitudes radicalizadas.
Passada a vaga emotiva, surgem agora tomadas de posição convidando a reflectir melhor tudo o que aconteceu, para tirar lições da experiência. Sobre os tons exasperados a que se chegou de parte a parte, com apressadas alianças ideológicas que na prática representavam uma instrumentalização política da nítida posição da Igreja a favor da vida, interveio o abade da comunidade monástica de Bose, no Piemonte, Enzo Bianchi, num artigo no “La Stampa” (15/2) com o título “Viver e morrer segundo o Evangelho”.
Denunciando “uma política que se finge ao serviço de uma ética superior, a ética cristã, e que procura, com a complacência também de católicos, transformar o cristianismo numa religião civil”, adverte Enzo Bianchi: “se a fé cristã viesse a ser declinada como religião civil, não só perderia a sua capacidade profética, mas ficaria reduzida a capelania do potente de turno, tornar-se-ia sal sem sabor, segundo as palavras de Jesus, incapaz de estar no mundo fazendo memória do seu Senhor”.
Detendo-se mais especificamente nas circunstâncias da agonia e morte de Eluana Englaro e na posição da Igreja e da fé cristã perante a doença e o sofrimento, a vida e a morte, o abade de Bose escreveu palavras iluminadas, que vale a pena citar:

“A vida é um dom, não uma presa: ninguém dá a vida a si mesmo, nem a pode conquistar com a força. No espaço da fé, os crentes, juntamente com a esperança na vida para além da morte, têm a consciência de que este dom vem de Deus: recebida d’Ele, a Ele a devem dar de novo, com um acto concreto de obediência, procurando, por vezes com esforço, dar graças a Deus”.
“A Igreja católica e todas as Igrejas cristãs têm consciência do dever de afirmar publicamente e sobretudo de testemunhar com a existência que ninguém pode tirar ou extinguir a vida e que, da concepção até à morte natural, esta tem um valor que nenhum homem pode contradizer ou negar. Contudo, neste empenho, os cristãos não devem nunca contradizer aquele estilo que Jesus pediu aos seus discípulos: um estilo que mesmo na firmeza deve mostrar misericórdia e compaixão, sem nunca se tornar desprezo e condenação de quem pensa de modo diverso.
“De uma milenária tradição de amor pela vida, de aceitação da morte e de fé na ressurreição, podem então nascer palavras capazes de responder às inéditas interrogações que colocam o progresso das ciências e das técnicas médicas, no limiar em que vida e morte se encontram. Assim o resumia, em 1970, Paulo VI, numa carta dirigida aos médicos católicos:

“É o carácter sagrado da vida que impede o médico de matar e que ao mesmo tempo o obriga a dedicar-se com todos os recursos da sua arte a lutar contra a morte. Isto não significa todavia obrigá-lo a utilizar todas as técnicas de sobrevivência que lhe oferece uma ciência incansavelmente criadora. Não seria porventura, em muitos casos, uma inútil tortura impor a reanimação vegetativa na fase terminal de uma doença incurável? Em tal caso, o dever do médico é antes o de empenhar-se em aliviar o sofrimento, em vez de querer prolongar o mais possível, por qualquer meio e em qualquer condição, uma vida que já não é plenamente humana e que se encaminha naturalmente para o seu epílogo: a hora inelutável e sagrada do encontro da alma com o seu Criador, através de uma passagem dolorosa que a torna participante da paixão de Cristo. Também nisto o médico deve respeitar a vida”.

E após este clarificante citação de Paulo VI, Enzo Bianchi conclui o seu artigo nos seguintes termos:

“É este o contributo que, com respeito e simplicidade, os cristãos podem oferecer a todos os que não partilham a sua fé, para que a sociedade reencontre uma ética partilhada e cada um possa viver e morrer no amor e na liberdade”.








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