"O Cristianismo é religião de liberdade e de paz": Bento XVI no encontro do início
do ano com o Corpo Diplomático. Pedido o restabelecimento da trégua na Faixa de Gaza
e que se renuncie ao ódio, às provocações e ao uso das armas
A solene audiência do Santo Padre ao Corpo Diplomático, para a apresentação de votos
de Bom Ano, nesta quinta-feira de manhã, foi como habitualmente ocasião para o Papa
esboçar uma visão panorâmica sobre alguns importantes acontecimentos do ano passado
e os principais focos de preocupação, neste início de ano, através do mundo.
Bento
XVI começou por observar que é à luz do mistério do Natal que dirige o seu olhar sobre
os acontecimentos internacionais, pedindo a Deus, para todos, “o dom de um ano fecundo
em justiça, serenidade e paz”. O seu primeiro pensamento dirigiu-o o Papa, a todos
os que sofreram catástrofes naturais, nomeadamente no Vietname, Birmânia, China, Filipinas,
na Central e Caraíbas, na Colômbia e no Brasil, assim como os que foram afectados
por sangrentos conflitos nacionais ou regionais, ou em razão de atentados terroristas
que semearam a morte e destruição, como no Afeganistão, Índia, Paquistão e Argélia.
“Não
obstante muitos esforços, encontra-se ainda distante a tão desejada paz! Perante esta
constatação, é preciso não desanimar nem diminuir o empenho a favor de uma cultura
de autêntica paz, redobrando – pelo contrário – os esforços a favor da segurança e
do desenvolvimento”.
O Papa referiu os “sintomas de crise” no campo do desarmamento
e da não-proliferação nuclear e sublinhou que as despesas militares subtraem enormes
recursos humanos e materiais aos projectos de desenvolvimento, minando os processos
de paz. Evocando o tema da recente Jornada Mundial da Paz - “combater a pobreza,
construir a paz”, Bento XVI advertiu sobre a necessidade de “voltar a dar esperança
aos pobres”, referindo a propósito não só a actual crise económica, mas também a crise
alimentar e o problema do sobreaquecimento climático que tornam ainda mais difícil
o acesso ao alimento e à água.
“É urgente adoptar uma estratégia eficaz para
combater a fome e facilitar o desenvolvimento agrícola local, por maioria de razão
quando a proporção de pobres aumenta mesmo no interior dos países ricos”.
Para
o Papa, “é necessário construir uma nova confiança” que torne sã a economia, o que
só será possível respeitando a dignidade inata da pessoa humana. É – observa – um
objectivo exigente, mas não utópico.
Evocando as viagens apostólicas realizadas
em 2008 aos Estados Unidos e à França, mas também à Austrália, por ocasião da JMJ
de Sydney, Bento XVI pôs em relevo as expectativas que captou, da parte de numerosos
sectores da sociedade, em relação à Igreja Católica:
“Nesta delicada fase
da história da humanidade, marcada por incertezas e interrogações, muitos esperam
que a Igreja exerça com coragem e clareza a sua missão de evangelização e a sua obra
de promoção humana”.
O Papa recordou que na sua peregrinação a Lourdes quis
pôr em relevo a actualidade da “mensagem de conversão e de amor que irradia da gruta
de Massabielle”:
“um convite permanente a construir a nossa existência e
as relações entre os povos sobre bases de autêntico respeito e fraternidade, conscientes
de que esta fraternidade supõe um Pai comum a todos os homens, o Deus Criador. Aliás,
una sociedade sãmente laica não ignora a dimensão espiritual e os seus valores”.
De
facto – acrescentou ainda o Papa – “a religião não é um obstáculo, mas antes um fundamento
sólido para a construção de uma sociedade mais justa e mais livre”.
“Reafirmando
o elevado contributo que as religiões podem dar à luta contra a pobreza e à construção
da paz, desejaria repetir nesta assembleia que, idealmente, representa todas as nações
do mundo: o cristianismo é uma religião de liberdade e de paz e está ao serviço do
verdadeiro bem da humanidade”.
Perante “as discriminações e os gravíssimos
ataques” de que foram vítimas, no ano passado, tantos cristãos, nomeadamente no Iraque
e na Índia, o Papa, para além de exprimir a estes fiéis perseguidos o seu “afecto
paterno”, dirigiu-se às autoridades:
“às autoridades civis e políticas, peço
instantemente que se empenhem com energia para pôr termo à intolerância e às vexações
contra os cristãos, empenhando-se em reparar os prejuízos provocados, em particular
aos lugares de culto e às propriedades; e encorajando por todos os meios o justo respeito
por todas as religiões, pondo de lado todas as formas de ódio e de desprezo”.
Bento
XVI fez votos de que “no mundo ocidental não se cultivem preconceitos e hostilidades
contra os cristãos, só porque, sobre algumas questões, a sua voz incomoda”. O testemunho
do Evangelho – recordou – é sempre “sinal de contradição” em relação ao “espírito
do mundo”. Porque é uma mensagem de salvação para todos, o Evangelho de Cristo não
pode ser confinado à esfera privada, mas deve – isso sim – ser proclamado sobre os
telhados, até aos confins da terra.
Passando a um giro de horizonte sobre
as situações de crise no mundo, neste momento, Bento XVI partiu naturalmente da Terra
Santa, onde – observou – “assistimos nestes dias a um recrudescer de violência que
provoca imensos danos e sofrimentos às populações civis”, complicando ainda mais a
busca de uma solução para o conflito entre Israelitas e Palestinianos, vivamente desejada
por muitos deles e pelo mundo inteiro”.
“Mais uma vez desejaria voltar a repetir
que a opção militar não é uma solução, e que a violência, venha de onde vier e qualquer
que seja a forma que assuma, deve ser firmemente condenada. Faço votos de que,
com o empenho determinante da comunidade internacional, seja restabelecida a trégua
na Faixa de Gaza (o que é indispensável para restituir à população condições de vida
aceitáveis) e que se relancem as negociações de paz, renunciando ao ódio, às provocações
e ao uso das armas”.
Referindo expressamente as próximas eleições em Israel
e na Palestina, Bento XVI sublinhou a importância de que possam vir a ser eleitos
“dirigentes capazes de fazer progredir com determinação” o processo de paz e de “guiarem
os povos em direcção à “difícil mas indispensável reconciliação”, pois – advertiu
– há que “adoptar uma abordagem global dos problemas destes países, no respeito pelas
aspirações e pelos legítimos interesses de todas as populações interessadas”. Ainda
no Médio Oriente, o Papa lembrou a necessidade de apoiar com vigor o diálogo entre
Israel e a Síria. Quanto ao Líbano, fez votos por um reforço das instituições políticas
e da unidade nacional. Aos iraquianos, dirigiu um encorajamento a construírem o futuro
“sem discriminações de raça, etnia ou religião”. Sobre o Irão, fez votos por uma solução
negociada sobre o programa nuclear.
Passando ao continente asiático, Bento
XVI referiu com apreço a retomada de negociações de paz, em Mindanau, nas Filipinas,
e a nova fase nas relações entre Pequim e Taipé. Fez também votos por uma solução
definitiva ao conflito em curso no Sri-Lanka.
“As comunidades cristãs que
vivem na Ásia são frequentemente reduzidas do ponto de vista numérico, mas desejam
oferecer uma contribuição convicta e eficaz ao bem comum, à estabilidade e ao progresso
do seu país, testemunhando o primado de Deus que estabelece uma sã hierarquia de valores
e dá uma liberdade maior do que as injustiças”.
“A Igreja – reafirmou o Papa
– não pede privilégios, mas a aplicação do princípio da liberdade religiosa, em toda
a sua extensão”.
Passando ao continente africano, Bento XVI referiu a sua
próxima visita, que “tanto desejei” (disse) e declarou pedir ao Senhor que os corações
dos “irmãos e irmãs em fé e humanidade que vivem em África” estejam “disponíveis para
acolherem o Evangelho e o viverem coerentemente, construindo a paz”. Referindo com
preocupação as principais zonas de crise – nomeadamente Somália, Darfur e República
Democrática do Congo, mas também o Zimbabwe, o Papa assegurou que “a Santa Sé segue
com especial atenção o continente africano”.
Passando à América Latina, o
Papa observou que “também lá os povos desejam viver em paz, libertos da pobreza e
exercendo livremente os seus direitos fundamentais”. E recordou a posição da Igreja
e dos cristãos perante estes desafios:
“Desde há cinco séculos que a Igreja
acompanha os povos da América Latina, partilhando as suas esperanças e preocupações.
Os seus Pastores sabem que, para favorecer um autêntico progresso da sociedade, a
sua tarefa própria é esclarecer as consciência e formar leigos capazes de intervir
com ardor nas realidades temporais, colocando-se ao serviço do bem comum”.
Finalmente,
uma saudação à comunidade cristã da Turquia, neste ano paulino, e votos de soluções
justas e pacíficas para as crises de Chipre, do Cáucaso, em particular na Geórgia
e entre as populações da Sérvia e do Kosovo, no respeito das minorias. A concluir,
uma nova alusão ao tema do recente Dia Mundial da Paz: a pobreza a escolher e a pobreza
a combater, para construir a paz.
“Combate-se a pobreza se a humanidade se
tornar mais fraterna graças aos valores e aos ideais partilhados, assentes na dignidade
da pessoa, na liberdade aliada à responsabilidade, no reconhecimento efectivo do lugar
de Deus na vida do homem. Nesta perspectiva, fixemos o nosso olhar sobre Jesus,
o humilde menino recostado na manjedoura. Porque é o Filho de Deus, Ele indica-nos
que a solidariedade fraterna entre os homens é a via mestra para combater a pobreza
e para construir a paz. Que a luz do seu amor ilumine todos os governos e toda a humanidade!”