Há uma pobreza a escolher e uma pobreza a combater: sublinhou o Papa na homilia de
1 de Janeiro. Evocada "a violência que explodiu em Gaza"
Bento XVI sublinhou que Deus escolheu a pobreza para si mesmo ao vir a este mundo.
Porquê? Por amor. Assim fez também Francisco de Assis. Não faltou uma referência expressa
à violência que explodiu na Faixa de Gaza. Também a violência é uma forma de “pobreza”.
Há que a combater e “dar respostas concretas à aspiração geral a viver em paz, em
segurança, em dignidade”. Apresentando a todos os melhores votos para o Ano Novo,
Bento XVI, comentando a primeira leitura, evocou a “antiga tradição hebraica da bênção”.
A partir do “acontecimento de Belém”, concreto, histórico, a Palavra proclamada nesta
celebração “torna-se bênção para o povo de Deus e para toda a humanidade”. Ora – sublinhou
o Papa – “para poderem caminhar pelo caminho da paz, os homens e os povos têm necessidade
de ser iluminados pelo rosto de Deus e de ser abençoados pelo seu nome”.
Foi o que aconteceu com a incarnação, que “trouxe consigo uma bênção irrevogável,
uma luz que não se extingue e que oferece aos crentes e aos homens de boa vontade
a possibilidade de construir a civilização do amor e da paz”.
“A história
terrena de Jesus, culminando no mistério pascal, é o início de um mundo novo, porque
inaugurou realmente uma nova humanidade, capaz, sempre e só com a graça de Cristo,
de operar uma revolução pacífica. Uma revolução não ideológica, mas espiritual,
não utópica mas real, e para tal carecida de infinita paciência, com tempos por vezes
muito longos, evitando os atalhos e percorrendo o caminho mais difícil: a via da maturação
da responsabilidade das consciências”. É “esta a via evangélica para a paz”, a
via que o próprio Bispo de Roma há-de percorrer – observou Bento XVI. Passando ao
tema do Dia Mundial da Paz 2009 - “combater a pobreza, construir a paz”, o Papa propôs-se
desenvolver brevemente dois aspectos: “por um lado, a pobreza escolhida e proposta
por Jesus; por outro, a pobreza a combater para tornar o mundo mais justo e solidário”. “O
nascimento de Jesus em Belém revela-nos que Deus escolheu para si mesmo a pobreza,
ao vir ao meio de nós”. Quis nascer, viver e morrer assim. Porquê? Citando um cântico
natalício composto por Santo Afonso Maria de Ligório e muito popular em Itália, Bento
XVI apontou a resposta: “foi o amor por nós que levou Jesus não só a fazer-se homem,
mas também a fazer-se pobre”. “Testemunha exemplar desta pobreza escolhida por
amor é Francisco de Assis. Na história da Igreja e da civilização cristã, o franciscanismo
constitui uma difusa corrente de pobreza evangélica, que tanto bem fez e continua
a fazer à Igreja e à família humana”. Aliás, observou o Papa, aludindo à “estupenda
síntese de Paulo sobre Jesus” e à exortação dirigida aos cristãos de Corinto quando
lhes pedia para serem generosos a favor dos pobres: “Não se trata de colocar-vos em
dificuldade para aliviar os outros, mas sim de fazer com que haja igualdade”. Bento
XVI passou assim ao segundo aspecto: “Há uma pobreza, uma indigência, que Deus
não quer e que há que combater (como diz o tema deste Dia Mundial da Paz):
a pobreza que impede às pessoas e às famílias de viverem segundo a sua dignidade.
Uma pobreza que ofende a justiça e a igualdade e que, como tal, ameaça a convivência
pacífica. Nesta acepção negativa se incluem todas as formas de pobreza não material
que existem também nas sociedades ricas e avançadas: marginalização, miséria relacional,
moral e espiritual”. Aludindo à sua mensagem para este Dia Mundial da Paz, Bento
XVI evocou brevemente o fenómeno da globalização e suas relações com a pobreza em
larga escala: as doenças pandémicas, a pobreza das crianças, a crise alimentar e a
“inaceitável corrida ao incremento dos armamentos”. Há que “tentar estabelecer
– sublinhou o Papa – um círculo virtuoso entre a pobreza a escolher
e a pobreza a combater”:“para combater a pobreza iníqua, que oprime tantos
homens e mulheres e ameaça a paz de todos, há que redescobrir a sobriedade e a solidariedade,
como valores evangélicos e ao mesmo tempo universais”. Mais concretamente, há
que “reduzir o desnível entre quem esbanja o supérfluo e quem carece até mesmo do
necessário”. “Isto comporta escolhas de justiça e de sobriedade, opções que se impõem
aliás pela exigência de administrar sapientemente os limitados recursos da terra”.
Isso, “não por a pobreza ser um valor em si, mas porque é condição para realizar a
sobriedade”. “Quando Francisco de Assis se despoja dos seus bens, faz uma opção de
testemunho inspirada directamente por Deus, mas ao mesmo tempo mostra a todos o caminho
da confiança na Providência. Assim também, na Igreja, o voto de pobreza é o compromisso
de alguns, mas recorda a todos a exigência do desprendimento dos bens materiais e
o primado das riquezas do espírito”. “A pobreza do nascimento de Cristo, em Belém,
para além de ser objecto de adoração para os cristãos, é também, para todos, escola
de vida , que nos ensina a combater a miséria, material ou espiritual, o caminho a
percorrer é o da solidariedade, a que levou Jesus a partilhar a nossa condição humana”. Foi
na parte final da homilia que Bento XVI se referiu à situação da Faixa de Gaza. Reflectindo
sobre os sentimentos vividos por Maria, que foi compreendendo gradualmente “o mistério
da pobreza de Deus”, percebendo que “Deus se fez pobre por nós, para nos enriquecer
com a sua pobreza plena de amor, exortando-nos a conter a avidez desenfreada que suscita
lutas e divisões e convidando-nos a moderar a obsessão de possuir e a disponibilizar-nos
à partilha e ao acolhimento recíproco”. “A Maria – prosseguiu o Papa – confiamos
o profundo desejo de viver em paz que sobe do coração da grande maior parte das populações
israelitas e palestinianas, mais uma vez colocadas em situação de risco pela maciça
violência que explodiu na Faixa de Gaza, em resposta a outra violência”. “Também
a violência, também o ódio e a desconfiança - observou - são formas de pobreza (porventura
as mais tremendas) que há que combater. Não sejam elas a prevalecer!” E
Bento XVI concluiu a homilia convidando a (citamos) “depor aos pés de Maria as nossas
preocupações pelo presente e os temores sobre o futuro, mas ao mesmo tempo a fundada
esperança de que, com o contributo sapiente e clarividente de todos, não há-de ser
impossível escutar-se, ir ao encontro do outro e dar respostas concretas à aspiração
geral a vier em paz, em segurança, em dignidade”. “Acompanha-nos, celeste Mãe do Redentor,
ao longo de todo o ano que agora inicia, e obtém-nos de Deus o dom da paz para a Terra
Santa e para toda a humanidade”.