Natal….paz na terra: Meditação do irmão Alois, de Taizé
(26/12/2008) «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por ele amados!»
Desde que este hino ecoou, desde a noite em que os anjos o cantaram, muitas guerras,
injustiças e actos de violência feriram a humanidade. A própria história do Natal
é contada com um fundo trágico: o imperador Augusto pretendia fazer chegar a paz a
todo o seu império, mas essa não era mais do que uma pseudo-paz, estabelecida à custa
de inúmeras opressões. Nestes dias de Natal, ainda me sinto marcado pelas palavras
de uma jovem ruandesa, chamada Clarisse, que escutei há algumas semanas. Estávamos
em Nairobi, no Quénia. Juntamente com as Igrejas dessa cidade, a nossa Comunidade
tinha preparado um encontro de jovens para fins de Novembro. Era uma etapa africana
da nossa «Peregrinação de Confiança através da Terra». Reuniram-se jovens de quinze
países africanos. Clarisse pronunciou estas palavras: «Digam na Europa para que se
reze pelos jovens do Ruanda. Lá, o desemprego faz devastações. E ainda há todos aqueles
que, por causa dos sofrimentos vividos durante genocídio, já não conseguem acreditar
em Deus, nem mesmo acreditar na vida.» Entre estes jovens, se havia tristezas,
havia também felicidade. Por mais impressionante que pareça, em África, as dificuldades
da vida não afastam a alegria, a gravidade das situações não exclui a dança. Durante
as orações comunitárias, explodia uma vitalidade, sobretudo nos cantos de louvor.
Sete mil jovens a cantar juntos libertavam uma energia extraordinária, que saía do
mais profundo de si mesmos. Após as leituras bíblicas, um longo silêncio expressava
a espera comum a todos, quer fossem kikujus, louos, massaï, congoleses, ruandeses:
paz sobre a terra! Com estes jovens africanos, recordámos-nos que o Evangelho
se abre sobre a grande esperança da noite de Natal: Deus não enviou o seu Filho para
não mudar nada. A sua glória nas alturas é a paz na terra. Mas ele não impõe esta
paz das alturas. O Evangelho conta a maneira inacreditável como Deus age com a humanidade.
Em Jesus, ele vem pedir a cada uma e cada um, geração após geração, para participar
na sua obra de reconciliação. Então, mesmo nas horas sombrias, a promessa do Natal
é fonte de perseverança para os que procuram construir a paz onde ela é ameaçada.
No Natal, compreendemos que a paz é um dom de Deus e que é importante, em primeiro
lugar, acolhê-lo. Somos chamados a uma verdadeira conversão, voltando-nos para uma
criança numa creche. Sem esta conversão do coração, não há paz verdadeira, apenas
aparência de paz, como a do imperador Augusto. «Começai em vocês próprios a obra de
paz para que, uma vez pacificados vocês mesmos, possais levar a paz aos outros», dizia
Santo Ambrósio. Quando celebramos o Natal, Deus faz nascer em nós a paz de coração.
Nós vamos buscá-la à confiança que temos de que Deus ama os homens, todos os homens
sem distinção. Contudo, para muitos dos nossos contemporâneos, entender tal palavra
sobre o amor de Deus parece demasiado fácil. São muitos os que procuram seriamente
dar um sentido à sua vida, sem, no entanto, serem capazes de acreditar num Deus pessoal
que os ama. Estaremos suficientemente atentos àqueles a quem uma procura da fé coloca
perante um Deus que lhes parece incompreensível? No Natal celebramos um Deus que
se faz próximo, mas não queremos esquecer que ele permanecerá sempre para além daquilo
que podemos compreender. Abramos generosamente o nosso coração e a nossa inteligência
a estas duas dimensões do mistério de Deus: à sua proximidade e à sua transcendência.
Nem todos podem compreender estas duas dimensões. Alguns são tocados pela sua
presença muito próxima, quase sensível ao seu coração. Outros, como a Madre Teresa,
conhecem sobretudo o silêncio de Deus. No entanto, é possível caminhar com Jesus:
ele conheceu simultaneamente a grande proximidade e o silêncio ao mesmo tempo. Os
Padres da Igreja comentaram muito bem a simultânea encarnação e incompreensibilidade
de Deus. A fé cristã aparece, então, como um risco, como a audácia da confiança.
Toda a Bíblia nos conduz a esta confiança: é o Deus absolutamente transcendente que
nos vem falar numa linguagem acessível. Meditar a proximidade de Deus manifestada
no Natal provocará sempre o espanto. O Verbo fez-se carne. Deus fez-se vulnerável.
Santo Agostinho insiste: a sua palavra torna-se numa pequena criança incapaz de falar.
A partir do seu nascimento, Jesus é lançado à precariedade, à instabilidade da existência
humana. Imediatamente depois, sofre com Maria e José a perseguição e o exílio. No
Natal, já se mostra a sombra da cruz . Encarnando-se, Deus escolhe revestir a fragilidade
humana. Vem habitar as nossas rupturas e os nossos sofrimentos. Cristo junta-se a
nós no mais baixo, faz-se homem como nós para melhor nos estender a mão. Pela
vinda de Jesus, Deus compromete-se a uma verdadeira partilha. Assume a nossa humanidade
e, através dela, a nossa própria pessoa. Em troca, comunica-nos a sua vida. Maria
é a garantia de que esta partilha é real, pois ela traz a promessa que conduzirá à
reconciliação da humanidade com Deus. Ousemos reconhecer na pequena criança do
presépio a presença de Deus, acolhamos a sua paz, e com ela a esperança de paz para
o mundo inteiro. No Natal, Deus envia-nos a transmitir esta paz a todo o lado. O nosso
mundo precisa de mulheres e de homens corajosos que através da sua existência expressem
o apelo do Evangelho à reconciliação. Recordemos que na história, por vezes bastaram
algumas pessoas para fazer inclinar a balança no sentido da paz. A confiança e a coragem
de uma mulher, a Virgem Maria, foram suficientes para deixar Deus entrar na nossa
humanidade. Deixemo-nos levar por esta confiança e por esta coragem. Podemos lê-las
nos olhos desta Virgem com o Menino aqui representada, inspirada no rosto de uma jovem
africana.