(23/12/2008) A Maternidade de Maria será, porventura, um dos temas que, desde há
muitos séculos, maior interesse desperta entre os comitentes, os artistas e, naturalmente,
entre a generalidade dos fiéis. Com efeito, o Nascimento do Menino, o Deus feito Homem,
celebrado na festa natalícia de 25 de Dezembro desde o século V, no Ocidente, apesar
da escassa referência textual no Evangelho de Lucas (2,7), conheceria uma elaborada
iconografia e um considerável desdobramento de episódios. Em primeiro lugar, graças
aos Evangelhos Apócrifos e à piedade popular, tornou-se possível a montagem de um
cenário – uma gruta com a manjedoura – assim como acrescentar diversos figurantes,
animais – o boi e o jumento – e humanos – as duas parteiras, que, neste caso, acabarão
por desaparecer, em face de uma renovada visão da Natividade, a partir do final da
Idade Média. A narrativa e os diversos circunstancialismos dos episódios seriam
igualmente muito desenvolvidos e diversamente representados, tanto na Cristandade
Oriental como na Ocidental. Os iconógrafos distinguem os chamados «prelúdios» do Nascimento
(a viagem de Maria e José de Nazaré a Belém; a recusa de alojamento nesta última localidade),
da Natividade propriamente dita e das duas Adorações que se seguem (a dos Pastores
e a dos Magos). A maior modificação iconográfica verificou-se no tratamento da
cena da Natividade. Até ao século XIV, por influência da Arte Bizantina, que, por
sua vez, a recebera da Síria, Maria surge representada deitada, como uma parturiente,
tendo o Menino, enfeixado, ao seu lado, amamentando-o em certos casos. Posteriormente,
os teólogos e os artistas vão preferir uma representação mais conforme à visão mística
de Santa Brígida da Suécia, que figura Maria, de joelhos, em pose de adoração, diante
de uma aparição do Menino nu e irradiando luz (a «Luz do Mundo»). Enquanto José, surpreso,
procura iluminar a cena ou se prepara para adorar o Menino, os Anjos cantam Glória
a Deus. A pintura do Renascimento, tanto na Itália como a Norte dos Alpes, vai consagrar
e difundir esta fórmula, em cenários de grande beleza plástica, povoados de referências
simbólicas: as ruínas da Era Ante Gratia, que acabava de terminar; a coluna truncada
que simboliza o Novo Adão que devolveu à Humanidade a promessa da Salvação; a fonte
da Água da Vida, entre outros. Os dois episódios seguintes, centrados na Adoração
do Menino pelos Humildes e pelos Poderosos do Mundo, os Pastores e os Reis Magos,
respectivamente, complementam o Ciclo da Natividade, que ainda contempla, nos grandes
ciclos narrativos, na iluminura, em frescos ou em retábulos, a Circuncisão e imposição
do Nome (oitava do Natal, dia de Ano Novo), assim como a Apresentação no Templo ou
Purificação da Virgem ou Festa da Candelária (quarenta dias após o Nascimento, celebrada
a 2 de Fevereiro). Encontram-se nos museus ou ainda in situ nos templos numerosas
representações pictóricas de todos estes episódios a partir do século XV, realizadas
pelos maiores pintores das Escolas Italiana, Flamenga, Espanhola, Francesa ou Portuguesa.
Num dos mais interessantes retábulos portugueses dos inícios do século XVI, o da Madre
de Deus, hoje no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, um dos mais belos painéis
representa a Adoração dos Pastores, em que a truculência das oferendas e o ar «tisnado»
dos humildes nos evoca o contemporâneo teatro de Mestre Gil Vicente. Num outro painel,
o da Adoração dos Magos, sobressaem as vestes opulentas dos Reis e os valiosos vasos
de ourivesaria em que oferecem o ouro, o incenso e a mirra, reminiscências da ostentação
manuelina, tanto na vida de corte como na arte sacra. A Maternidade de Maria está
também presente nas muito apreciadas representações da Madona com o Menino, desde
as representações hieráticas da Alta Idade Média, em que Maria, coroada, entronizada
ou de pé, apresenta o Divino Infante ao colo, passando pelas Virgens de Ternura das
Escolas Bizantina e de Siena, até às Virgens do Leite e às inúmeras Madonas do Renascimento
Flamengo e Italiano, imortalizadas por Van Eyck, Memling, Botticelli, Leonardo ou
Rafael. (Em Ecclesia)