2008-11-22 19:45:08

COMENTÁRIO DO CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO, ODILO SCHERER


Acordo Brasil-Santa Sé No dia 13 de novembro, durante a visita do Presidente Lula ao Papa, no Vaticano, foi assinado um Acordo entre a Igreja (Santa Sé) e o Estado (Brasil), sobre a situação jurídica da Igreja no Brasil. O fato, não foi muito noticiado pela grande imprensa, é importantíssimo para a Igreja e é muito bom que o fato seja divulgado e que o texto do Acordo seja conhecido e interpretado corretamente.

Na proclamação da República (1889) foi interrompido o regime do Padroado, pelo qual a Igreja Católica havia sido até então "religião oficial" no Brasil; feita a separação entre Igreja e Estado, estabeleceu-se o princípio do Estado laico, segundo o qual não há uma religião oficial no país e a liberdade religiosa como um direito dos cidadãos. Foi bom para a Igreja, que ficou livre da tutela do Estado e ganhou liberdade para crescer e se desenvolver com autonomia; sem a interferência do Estado, a Igreja no Brasil também passou a estreitar sua relação com o Papa e com a comunhão do episcopado.

Mas, desde então, a situação da Igreja perante o Estado carecia de clareza; não havia um reconhecimento formal da existência da Igreja católica, como uma instituição presente na sociedade brasileira, com legítimos representantes e organizações próprias. Ao mesmo tempo, faltava um reconhecimento formal acerca da contribuição que a Igreja católica podia dar para a sociedade nos vários campos, como a educação, a cultura e a saúde. Não raro, isso dava origem a dificuldades para que a legitimidade dos representantes da Igreja e de suas organizações fosse reconhecida perante as Instituições do Estado. As coisas, em geral, andaram bem por força do costume, da importância inequívoca da nossa Igreja na sociedade e por causa das boas relações geralmente cultivadas entre Igreja e Estado em nosso País. Contudo, do ponto de vista jurídico e institucional, não havia clareza nem segurança para a Igreja.

Com o Acordo, as coisas devem mudar. A Igreja católica ganha um reconhecimento jurídico perante o Estado; e também muitas de suas organizações, atribuições e ações recebem um reconhecimento jurídico oficial. Assim, por exemplo, o Bispo será reconhecido oficialmente pelo Estado como representante da sua diocese; e suas decisões em relação à diocese também. Assim, o ato da criação de uma paróquia, como também a nomeação do Pároco, serão reconhecidos pelo Estado. E esse Pároco, com a nomeação recebida, poderá apresentar-se perante o banco ou o correio e afirmar que representa legitimamente aquela paróquia... Naturalmente, trata-se apenas de algumas das muitas questões implicadas no Acordo, cujo texto integral vale a pena conhecer.

O Acordo não estabelece privilégios para a Igreja Católica no Brasil, nem discrimina outras religiões ou grupos religiosos não-católicos. Esses, por sua vez, poderão também tentar negociar com o Estado um Acordo semelhante; de toda maneira, este já oferece muitas referências válidas também para outras religiões ou Igrejas. Nada daquilo que está no Acordo contraria a Constituição brasileira. De maneira geral, o Acordo recolhe elementos já presentes na legislação brasileira num documento único e orgânico, que ganha a força de um Acordo internacional entre duas entidades soberanas: o Brasil e a Santa Sé, que representa a Igreja Católica. Isso não é pouco!

Estado laico não é aquele que proíbe ou dificulta as organizações religiosas e suas manifestações; isso seria a repressão da liberdade religiosa. O Acordo deixa clara a verdadeira laicidade do Estado, quando este reconhece, respeita e garante a liberdade religiosa dos cidadãos, sem interferir nas organizações religiosas, e aceita a colaboração dessas para o bem da sociedade. É isso que o presidente da França, Nicolas Sarkozy, chamou de "laicidade positiva" do Estado durante a visita do Papa àquele país em setembro passado.

Há muito tempo a Igreja no Brasil desejava algo assim; já em 1953, a CNBB fez um primeiro pedido de um Acordo, mas as coisas não progrediram; nos anos 80, com Dom Ivo Lorscheiter na presidência, a CNBB tentou novamente; e assim também com Dom Luciano Mendes de Almeida e Dom Jayme Chemello, mas não houve avanços. Finalmente, em 2003, a CNBB reapresentou o pedido à Santa Sé e, então, houve abertura e interesse da parte do Governo brasileiro; as negociações foram bem sucedidas e o Acordo agora já foi assinado. Para entrar em vigor, precisa ainda ser ratificado pelas duas casas do Congresso Nacional, Câmara e Senado. Esperamos que isso aconteça em breve e sem problemas.

Card. Odilo P. Scherer

Arcebispo de S. Paulo







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