PAPA COMENTA DOUTRINA DA JUSTIFICAÇÃO EM SÃO PAULO
Cidade do Vaticano, 19 nov (RV) - Quarta-feira é dia de Audiência Geral. Em
sua catequese, o papa prosseguiu seus comentários sobre São Paulo, recordando um tema
que marcou as controvérsias do século da Reforma: a doutrina da justificação, isto
é, como o homem se torna justo aos olhos de Deus.
Na Carta aos Filipenses,
depois da Conversão, São Paulo nos dá um testemunho importante da passagem de uma
justiça fundada na lei, a uma justiça baseada na fé em Cristo: "Ele compreendeu que,
o que até então lhe parecia um lucro, na realidade, diante de Deus, era uma perda
e, assim, decidiu investir toda a sua existência em Jesus Cristo. A relação entre
Paulo e o Ressuscitado se tornou tão profunda, que o induziu a considerar Cristo não
somente a sua vida, mas o seu viver. O Ressuscitado se tornou o início e o fim da
sua existência, o motivo e a meta do seu caminho."
Se antes de seu encontro
com o Ressuscitado, Paulo se sentia um homem realizado, "irrepreensível quanto à justiça
que deriva da lei", a iluminação no caminho de Damasco mudou radicalmente sua existência:
"Devido justamente a essa experiência pessoal com Jesus Cristo, Paulo colocou no centro
do seu Evangelho, a irredutível oposição entre dois percursos alternativos em direção
à justiça _ um construído sobre as normas da lei, e o outro, fundado na graça da fé
em Cristo."
Para São Paulo, como para todas as pessoas da época, a palavra
"lei" significava a Tora na sua totalidade, ou seja, os cinco livros de Moisés. A
Tora implicava um conjunto de comportamentos que incluía um núcleo ético e o respeito
por normas rituais e culturais que determinavam a identidade do homem justo. Todo
esse conjunto de normas se tornou especialmente importante na época da cultura helênica,
começando a partir do III século a.C., porque a cultura dominante se sentia ameaçada.
Contra
essa cultura, aparentemente racional, se buscava alçar um escudo, um muro de defesa.
O próprio Paulo perseguia os cristãos, porque via neles uma ameaça à identidade de
Israel.
Porém, tudo muda com a Ressurreição de Cristo: "Com Cristo, o Deus
de Israel, o único verdadeiro Deus, se torna o Deus de todos os povos. O muro entre
Israel e os pagãos não era mais necessário: Cristo nos protege contra o politeísmo
e contra todos os seus desvios; Cristo nos une "com" e "no" único Deus; Cristo garante
a nossa verdadeira identidade na diversidade das culturas."
O encontro com
Cristo relativiza os preceitos da lei, pois "ser justo quer dizer simplesmente estar
com Cristo e em Cristo. E isso basta" _ disse o papa.
Todavia _ explicou Bento
XVI _ estar livre do respeito às leis rituais e culturais não significa libertinagem,
não implica estar livre das regras da moral. "É óbvio que esta interpretação está
errada: a liberdade cristã, a libertação da qual fala São Paulo, não é isenção de
fazer o bem."
Bento XVI não deixou de citar a interpretação de Lutero, do trecho
da Carta aos Romanos, para quem o cristão se salva unicamente pela fé, e não pelas
obras que realiza.
Essa leitura _ explicou o papa _ é verdadeira, se não coloca
a fé em contraposição à caridade, ao amor. "A fé é entregar-se a Cristo, acreditar
em Cristo, conformar-se a Cristo, à sua vida. Crer é conformar-se a Cristo e entrar
no seu amor. Por isso, Paulo fala da fé que atua por meio da caridade. Nós nos tornamos
justos, entrando em comunhão com Cristo, que é amor. Tu me visitaste, quando estive
doente? Na prisão? Tu me deste de comer, quando tive fome? Tu me deste de vestir,
quando eu estava despido? E assim a justiça se decide na caridade."
"Concluindo
_ disse o papa _ podemos apenas pedir a Deus que nos ajude a crer. Crer realmente;
crer se torna, assim, vida, unidade com Cristo, transformação da nossa vida. E, assim,
transformados por seu amor, pelo amor a Deus e ao próximo, podemos ser realmente justos,
aos olhos de Deus."
Após sua catequese, Bento XVI saudou os fiéis em várias
línguas. Eis o que disse aos fiéis de língua portuguesa: "Amados peregrinos
de língua portuguesa, uma fraterna saudação de boas-vindas a todos. Antes de vós,
muitas gerações de romeiros vieram ajoelhar-se junto dos túmulos de São Pedro e São
Paulo, à procura daquela razão de viver tão forte e segura que levou os Apóstolos
a darem a sua vida por Cristo. Espero que a encontreis... Sobre vós e vossos entes
queridos, desça a minha bênção."
Ainda nesta
quarta-feira, o Santo Padre aceitou a renúncia ao governo pastoral da arquidiocese
de Botucatu (SP), apresentada por Dom Aloysio José Leal Penna, por limite de idade. Bento
XVI nomeou arcebispo de Botucatu Dom Maurício Grotto de Camargo, até então bispo de
Assis. (CM/BF)