D. António Taipa conta à RV o que mais o impressionou neste Sínodo dos Bispos
“Criou-se de facto
uma solidariedade, uma comunhão entre nós todos que se vem sentindo nesta última semana
nas Proposições que estamos para apresentar ao Santo Padre, na maneira de as apresentar,
na maneira de as discutir agora nos Círculos pequenos, que é uma coisa de facto maravilhosa:
sentir esta solidariedade e esta comunhão com as Igrejas do mundo inteiro”. É
com o coração nas mãos, vibrante e comovido, que D. António Taipa, um dos delegados
da Igreja portuguesa ao Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus fala desta experiência
para si nova. Homem da Palavra de Deus, o bispo auxiliar do Porto, que realizou na
assembleia sinodal uma intervenção original e convicta, aceitou de bom grado explicar
aos nossos ouvintes o sentido da sua declaração sinodal e o modo como está a decorrer
este encontro de Bispos de todo o mundo sobre a Palavra de Deus na vida e na missão
da Igreja. Interpelado sobre as impressões gerais que retém desta participação
no Sínodo, D. António Taipa considera “uma experiência única” o “ver, sentir, ouvir
esta Igreja que nós constituímos, senti-la nos seus problemas, dificuldades, nos projectos,
nas realizações”. Uma experiência propícia a fazer um bispo sentir melhor aquilo que
de facto é. “Estar aqui, no coração da Igreja”, lado a lado com pastores das Igrejas
de todo o mundo, tentando advertir e sublinhar o que mais importante se apresenta
sobre um tema tão central, “faz-nos tomar consciência da responsabilidade que assumimos
como bispos”. “Há coisas que me impressionam muito, a partir da Europa, onde
estou, onde vivo, que é a pobreza de muitas Igrejas, ao ponto de não haver dinheiro
para editar a Sagrada Escritura. Igrejas que se debatem com um analfabetismo quase
a 100%, que não têm hipóteses de fazer chegar a Palavra de Deus por via da Sagrada
escritura, que o fazem de outras maneiras, com uma capacidade criativa enorme, no
sentido de fazer com que as pessoas sintam e ouçam a Palavra que Deus também lhes
dirige”. Falando do “impacto com o acontecimento do Sínodo, com o fazer parte
de um Sínodo”, D. António Taipa confessa a “estranheza” inicial, ao verificar que
muitas intervenções se afastavam do tema desta assembleia sinodal e do documento preparatório,
apresentando-se antes como “desabafos dos respectivos Bispos, das respectivas Igrejas”.
Aos poucos, porém, a sua percepção das coisas foi mudando: “Foi-se diluindo aquela
estranheza, ao verificar que se ia criando entre nós uma comunhão, uma solidariedade,
que não pensaria nunca que fosse possível entre pessoas que, de facto, não falam muito
uns com os outros”, para além dos contactos pessoais com quem está ao lado, na Aula
sinodal, ou quem se vai encontrando nos momentos de pausa… Convidado a esboçar
um primeiro balanço do Sínodo, quando os trabalhos se vão já encaminhando para a conclusão,
D. António Taipa faz notar a reserva que neste momento se impõe a todos os Padres
Sinodais no que diz respeito às Proposições que vão ser apresentadas ao Papa. Mas
não se eximiu a algumas declarações: “Penso que o Sínodo está a chegar agora ao
seu ponto mais forte, que é a nossa colaboração efectiva naquilo que vamos propor
ao Santo Padre. Durante toda a assembleia sinodal, em todas as intervenções, notaram-se
coincidências muito fortes e quase permanentes. Por exemplo, a leitura orante da Escritura,
aquilo que se vem chamando a Lectio divina. Insistiu-se muito nesta modalidade
da leitura da Palavra. Depois, insistiu-se muito na homilia, como um espaço
ou um tempo particularmente privilegiado para ajudarmos as pessoas a entrarem em contacto
com a Palavra de Deus. Há também uma coisa de que se falou, mas não tanto como eu
gostaria, ou seja: o passar de uma pastoral bíblica a uma animação bíblica de toda
a pastoral. Falou-se um pouco, mas não se trocou a coisa em miúdos, como se costuma
dizer. Não sei se isso foi por o conceito não estar muito claro, por não ser muito
claro o que signifique uma animação bíblica de toda a pastoral, para além (ou em
vez de ou depois de) uma pastoral bíblica. Quando falei de dar atenção
ao mundo e à história e de amar este mundo e esta humanidade, no fundo é um pouco
isto o a que me queria referir. Porque, quando nós partirmos do mundo para a Palavra,
a Palavra vai dando sentido, vai dando força e vai iluminando permanentemente as situações,
e nós acabamos por ir respondendo às situações com a Palavra. Como dizia o nosso Padre
Américo: “Dizem que é perigosos um homem de um só livro. Então eu sou muito mais
perigoso porque sou de um só livro – o meu livro é o Evangelho”. Esta sua familiaridade
com o Evangelho fazia com que ele ouvisse permanentemente Deus a falar. Padre Américo
ouvia permanentemente a Palavra de Deus em todas as situações em que se encontrava.
A propósito de tudo e em toda a parte, ele falava do Evangelho. Fosse o que fosse.
Ora é isto que eu esperaria que no Sínodo se trocasse mais em miúdo, mas que se passou
um bocado ao lado. Depois, a necessidade, que se disse continuamente, de aproximar
as pessoas da Bíblia, e de as aproximar com verdade. Porque é inegável que agora já
há uma certa aproximação, em toda a parte. Mas é um bocadinho, digamos assim, fora
do correcto. É uma primeira aproximação da Bíblia como um livro interessante, mas
praticamente sem fé, sem a venerar, sem sentir a necessidade de fazer um acto de fé
antes de a ler, um acto de fé em Deus que ali e por ali vem conversar connosco. De
facto – e isto disse-se no Sínodo – é um perigo… ler a Sagrada Escritura. É
um perigo uma pessoa abrir-se à Palavra de Deus ou abrir-se ao diálogo que Deus quer
estabelecer connosco, porque é um diálogo exigente, é uma Palavra que exige permanentemente
a minha conversão, exige muita liberdade, exige que eu me liberte da muita coisa de
mim, do que tenho, do que sou, do que penso, para obedecer à Palavra que Deus me vai
dizendo. Isto é exigente, e não me admiro que as pessoas tenham algum medo. Nisto
também se insistiu muito: na necessidade da pessoa se aproximar da Palavra também
com a sua fé, com a sua abertura ao Espírito de Deus.”