2008-10-18 18:34:15

"A santidade introduz na sociedade uma semente que cura e transforma. É permeados pela vida dos sacramentos e pela oração que podemos penetrar no mistério mais íntimo da Palavra de Deus" - lembrou o Patriarca de Constantinopla Bartolomeu I


(18/10/2008) Na tarde deste sábado, na Capela Sistina, na presença do Papa Bento XVI e do Patriarca Ecuménico Bartolomeu I, os padres sinodais participaram na celebração de Vésperas do 29º Domingo do tempo comum.
Depois da bênção final, do Papa e do Patriarca Bartolomeu, Bento XVI deu a palavra ao Patriarca Ecuménico que numa intervenção ampla e circunstanciada, partilhou com a assembleia algumas reflexões sobre o tema sinodal - a Palavra de Deus na vida e missão da Igreja - expondo como é que a tradição ortodoxa (sobretudo o ensinamento patrístico grego) encarou esta questão. E concentrou-se sobre três aspectos: - escutar e proclamar a Palavra de Deus através das Sagradas Escrituras; - ver a Palavra de Deus na natureza e sobretudo na beleza dos ícones; e, finalmente, - tocar e partilhar a Palavra de Deus na comunhão dos santos e na vida sacramental da Igreja.
Introduzindo a sua intervenção, Bartolomeu I começou por sublinhar o “significado e importância” que assume o facto de ser “a primeira vez na história que se oferece a um Patriarca Ecuménico a oportunidade de se dirigir a um Sínodo dos Bispos da Igreja Católica Romana”.
“Consideramos isto como uma manifestação da obra do Espírito Santo que guia as nossas Igrejas a relações recíprocas mais estreitas e profundas, um passo importante para o restabelecimento da nossa plena comunhão”.
“A Igreja Ortodoxa – observou o Patriarca de Constantinopla – atribui importância eclesiológica fundamental ao sistema sinodal. Juntamente com o primado, a sinodalidade constitui a estrutura fundamental do governo e da organização da Igreja”. “Aumentam assim as nossas esperanças de que se chegue o dia em que as nossas duas Igrejas venham a convergir plenamente sobre o papel do primado e da sinodalidade na vida da Igreja”.

Passando a desenvolver os três aspectos anunciados, Bartolomeu I observou que escutar e contemplar a Palavra da vida, não um direito natural do homem, mas sim um privilégio e um dom dos filhos do Deus vivo.
“A Igreja cristã é sobretudo uma Igreja escritural. Embora os métodos de interpretação possam variar de um Padre da Igreja para outro, de uma escola para outra e entre o Oriente e o Ocidente, contudo a Escritura sempre foi recebida como uma realidade viva, não como um livro morto. No contexto de uma fé viva, a Escritura é o testemunho vivo de uma história vivida na relação entre um Deus vivo com o seu povo vivo”.
Evocando a dimensão missionária da Igreja, “chamada a transformar o mundo através da sua Palavra” e recordando que “a Palavra divina demonstra profunda consideração pela diversidade das pessoas e dos contextos culturais daqueles que a escutam e acolhem”, o Patriarca de Constantinopla fez referência aos “múltiplos desafios da justiça social e da globalização”, que interpelam todos cristãos:
“Como discípulos da Palavra de Deus, hoje em dia é mais do que nunca necessário que forneçamos uma perspectiva única – para além da perspectiva social, política e económica – sobre a necessidade de desenraizar a pobreza, de oferecer um equilíbrio num mundo global, de combater o fundamentalismo e o racismo e de desenvolver a tolerância religiosa num mundo de conflitos”.
“É respondendo às necessidades dos pobres, dos indefesos e dos marginalizados do mundo – prosseguiu Bartolomeu I – que a Igreja pode mostrar que é um sinal distintivo do espaço e da natureza da comunidade global”. “`Seja no que diz respeito ao ambiente ou à paz, à pobreza ou à fome, à educação ou à assistência no campo da saúde, existe hoje em dia um maior sentido de solicitude e de responsabilidade comuns – advertida aliás tanto pelas pessoas de fé como também por aquelas cuja mentalidade é claramente secular”.

Passando ao segundo ponto – a Palavra de Deus na beleza dos ícones e da natureza criada, o Patriarca Ecuménico observou que “mais do que em nenhum outro lugar, é na beleza da iconografia e no milagre da criação que o Invisível se torna visível”.

“Os ícones são um apelo visível à nossa vocação celeste. São convites a irmos para além das nossas preocupações fúteis e as míopes reduções do mundo. Encorajam-nos a procurar o extraordinário no ordinário, a estarmos plenos daquela mesma maravilha que caracterizou a maravilha divina no Génesis: Deus viu o que tinha feito, e era tudo muito bom”. “Os ícones – concluiu Bartolomeu I – sublinham a missão fundamental da Igreja de reconhecer que todas as pessoas e todas as coisas são criadas e chamadas a ser boas e belas”. “Os ícones recordam-nos um outro modo de ver as coisas, um outro modo de resolver os conflitos”.
“Comportámo-nos com arrogância e indiferença para com o mundo criado. Recusámo-nos a contemplar a Palavra de Deus nos oceanos do nosso planeta, nas árvores dos nossos continentes, nos animais da nossa terra. Negámos a nossa própria natureza, que nos chama a ser humildes para escutar a Palavra de Deus se nos quisermos tornar participantes da natureza divina”.
Recordando que “os teólogos cristãos orientais sempre sublinharam as proporções cósmicas da Incarnação divina”, advertiu o Patriarca de Constantinopla: “Quando a Igreja não consegue reconhecer as dimensões mais amplas, cósmicas, da Palavra de Deus, limitando as suas preocupações a questões meramente espirituais, ela descura a sua missão de implorar de Deus a transformação – sempre e em toda a parte – de todo o universo poluído”.

Finalmente, uma referência ao terceiro aspecto anunciado pelo Patriarca Ecuménico no início da sua alocução: a palavra de Deus, na perspectiva da comunhão dos santos e da vida sacramental.
“A Palavra de Deus encontra a sua plena incarnação no mundo criado, sobretudo no Sacramento da Santa Eucaristia. É ali que a Palavra se faz carne e nos permite vê-lo, mas também tocá-lo com as nossas mãos, como declara São João, tornando-o parte do nosso corpo e sangue, segundo as palavras de São João Crisóstomo.” “Na Eucaristia, Palavra e Sacramento tornam-se uma única realidade. A Palavra deixa de ser palavras e torna-se uma Pessoa, incarnando em Si todos os seres humanos e todo o mundo criado”.
E aqui se integra o aspecto referente aos Santos: “Na vida da Igreja, o insondável esvaziar-se de si mesmo (Kenose) e a partilha generosa ((koinonia) do Logos divino reflectem-se na vida dos santos como experiência tangível e expressão humana da Palavra de Deus na nossa comunidade”. “O santo tem uma relação orgânica com o céu e com a terra, com Deus e com toda a criação”. “Na luta ascética, o santo reconcilia a Palavra e o mundo” “Nos santos conhecemos a própria Palavra de Deus, porque…Deus e os seus santos partilham a mesma glória e o mesmo esplendor”. “O santo consuma-se no fogo do amor de Deus”. “Na comunhão dos santos, cada um de nós está chamado a tornar-se como fogo, para tocar o mundo com a força mística da Palavra de Deus, de modo que – como extensão do Corpo de Cristo – também o mundo possa dizer alguém me tocou!” “O mal desenraíza-se só com a santidade, não com a severidade. E a santidade introduz na sociedade uma semente que cura e transforma. Permeados pela vida dos sacramento9s e pela pureza da oração, podemos penetrar o mistério mais íntimo da Palavra de Deus”.

A concluir esta bela e profunda alocução, no Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus, sábado à tarde, na Capela Sistina, o Patriarca Bartolomeu I sublinhou que só com a graça divina a conversão é possível; não com a força da vontade humana. “A transformação espiritual acontece quando o corpo e a alma são enxertados na Palavra viva de Deus, quando as nossas células contêm o fluxo sanguíneo doador de vida dos sacramentos, quando estamos abertos à partilha de todas as coisas com todas as pessoas… “Não se pode isolar o sacramento do nosso próximo do sacramento do altar… Se pretendemos conservar o sacramento do altar, não podemos evitar ou esquecer o sacramento do próximo. Esta é uma condição fundamental para realizar a Palavra de Deus no mundo, na vida e na missão da Igreja”.








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