"A santidade introduz na sociedade uma semente que cura e transforma. É permeados
pela vida dos sacramentos e pela oração que podemos penetrar no mistério mais íntimo
da Palavra de Deus" - lembrou o Patriarca de Constantinopla Bartolomeu I
(18/10/2008) Na tarde deste sábado, na Capela Sistina, na presença do Papa Bento
XVI e do Patriarca Ecuménico Bartolomeu I, os padres sinodais participaram na celebração
de Vésperas do 29º Domingo do tempo comum. Depois da bênção final, do Papa e do
Patriarca Bartolomeu, Bento XVI deu a palavra ao Patriarca Ecuménico que numa intervenção
ampla e circunstanciada, partilhou com a assembleia algumas reflexões sobre o tema
sinodal - a Palavra de Deus na vida e missão da Igreja - expondo como é que a tradição
ortodoxa (sobretudo o ensinamento patrístico grego) encarou esta questão. E concentrou-se
sobre três aspectos: - escutar e proclamar a Palavra de Deus através das Sagradas
Escrituras; - ver a Palavra de Deus na natureza e sobretudo na beleza dos ícones;
e, finalmente, - tocar e partilhar a Palavra de Deus na comunhão dos santos e na vida
sacramental da Igreja. Introduzindo a sua intervenção, Bartolomeu I começou por
sublinhar o “significado e importância” que assume o facto de ser “a primeira vez
na história que se oferece a um Patriarca Ecuménico a oportunidade de se dirigir a
um Sínodo dos Bispos da Igreja Católica Romana”. “Consideramos isto como uma manifestação
da obra do Espírito Santo que guia as nossas Igrejas a relações recíprocas mais estreitas
e profundas, um passo importante para o restabelecimento da nossa plena comunhão”.
“A Igreja Ortodoxa – observou o Patriarca de Constantinopla – atribui importância
eclesiológica fundamental ao sistema sinodal. Juntamente com o primado, a sinodalidade
constitui a estrutura fundamental do governo e da organização da Igreja”. “Aumentam
assim as nossas esperanças de que se chegue o dia em que as nossas duas Igrejas venham
a convergir plenamente sobre o papel do primado e da sinodalidade na vida da Igreja”.
Passando
a desenvolver os três aspectos anunciados, Bartolomeu I observou que escutar e contemplar
a Palavra da vida, não um direito natural do homem, mas sim um privilégio e um dom
dos filhos do Deus vivo. “A Igreja cristã é sobretudo uma Igreja escritural.
Embora os métodos de interpretação possam variar de um Padre da Igreja para outro,
de uma escola para outra e entre o Oriente e o Ocidente, contudo a Escritura
sempre foi recebida como uma realidade viva, não como um livro morto. No contexto
de uma fé viva, a Escritura é o testemunho vivo de uma história vivida na relação
entre um Deus vivo com o seu povo vivo”. Evocando a dimensão missionária da Igreja,
“chamada a transformar o mundo através da sua Palavra” e recordando que “a Palavra
divina demonstra profunda consideração pela diversidade das pessoas e dos contextos
culturais daqueles que a escutam e acolhem”, o Patriarca de Constantinopla fez referência
aos “múltiplos desafios da justiça social e da globalização”, que interpelam todos
cristãos: “Como discípulos da Palavra de Deus, hoje em dia é mais do que nunca
necessário que forneçamos uma perspectiva única – para além da perspectiva social,
política e económica – sobre a necessidade de desenraizar a pobreza, de oferecer um
equilíbrio num mundo global, de combater o fundamentalismo e o racismo e de desenvolver
a tolerância religiosa num mundo de conflitos”. “É respondendo às necessidades
dos pobres, dos indefesos e dos marginalizados do mundo – prosseguiu Bartolomeu I
– que a Igreja pode mostrar que é um sinal distintivo do espaço e da natureza da comunidade
global”. “`Seja no que diz respeito ao ambiente ou à paz, à pobreza ou à fome, à educação
ou à assistência no campo da saúde, existe hoje em dia um maior sentido de solicitude
e de responsabilidade comuns – advertida aliás tanto pelas pessoas de fé como também
por aquelas cuja mentalidade é claramente secular”.
Passando ao segundo ponto
– a Palavra de Deus na beleza dos ícones e da natureza criada, o Patriarca Ecuménico
observou que “mais do que em nenhum outro lugar, é na beleza da iconografia e no milagre
da criação que o Invisível se torna visível”.
“Os ícones são um apelo visível
à nossa vocação celeste. São convites a irmos para além das nossas preocupações fúteis
e as míopes reduções do mundo. Encorajam-nos a procurar o extraordinário no ordinário,
a estarmos plenos daquela mesma maravilha que caracterizou a maravilha divina no Génesis:
Deus viu o que tinha feito, e era tudo muito bom”. “Os ícones – concluiu Bartolomeu
I – sublinham a missão fundamental da Igreja de reconhecer que todas as pessoas e
todas as coisas são criadas e chamadas a ser boas e belas”. “Os ícones
recordam-nos um outro modo de ver as coisas, um outro modo de resolver os conflitos”.
“Comportámo-nos com arrogância e indiferença para com o mundo criado. Recusámo-nos
a contemplar a Palavra de Deus nos oceanos do nosso planeta, nas árvores dos nossos
continentes, nos animais da nossa terra. Negámos a nossa própria natureza, que nos
chama a ser humildes para escutar a Palavra de Deus se nos quisermos tornar participantes
da natureza divina”. Recordando que “os teólogos cristãos orientais sempre
sublinharam as proporções cósmicas da Incarnação divina”, advertiu o Patriarca de
Constantinopla: “Quando a Igreja não consegue reconhecer as dimensões mais amplas,
cósmicas, da Palavra de Deus, limitando as suas preocupações a questões meramente
espirituais, ela descura a sua missão de implorar de Deus a transformação – sempre
e em toda a parte – de todo o universo poluído”.
Finalmente, uma referência
ao terceiro aspecto anunciado pelo Patriarca Ecuménico no início da sua alocução:
a palavra de Deus, na perspectiva da comunhão dos santos e da vida sacramental. “A
Palavra de Deus encontra a sua plena incarnação no mundo criado, sobretudo no Sacramento
da Santa Eucaristia. É ali que a Palavra se faz carne e nos permite vê-lo, mas também
tocá-lo com as nossas mãos, como declara São João, tornando-o parte do nosso
corpo e sangue, segundo as palavras de São João Crisóstomo.” “Na Eucaristia, Palavra
e Sacramento tornam-se uma única realidade. A Palavra deixa de ser palavras
e torna-se uma Pessoa, incarnando em Si todos os seres humanos e todo o mundo
criado”. E aqui se integra o aspecto referente aos Santos: “Na vida da Igreja,
o insondável esvaziar-se de si mesmo (Kenose) e a partilha generosa ((koinonia) do
Logos divino reflectem-se na vida dos santos como experiência tangível e expressão
humana da Palavra de Deus na nossa comunidade”. “O santo tem uma relação orgânica
com o céu e com a terra, com Deus e com toda a criação”. “Na luta ascética, o santo
reconcilia a Palavra e o mundo” “Nos santos conhecemos a própria Palavra de Deus,
porque…Deus e os seus santos partilham a mesma glória e o mesmo esplendor”.
“O santo consuma-se no fogo do amor de Deus”. “Na comunhão dos santos, cada um de
nós está chamado a tornar-se como fogo, para tocar o mundo com a força mística
da Palavra de Deus, de modo que – como extensão do Corpo de Cristo – também o mundo
possa dizer alguém me tocou!” “O mal desenraíza-se só com a santidade, não
com a severidade. E a santidade introduz na sociedade uma semente que cura e transforma.
Permeados pela vida dos sacramento9s e pela pureza da oração, podemos penetrar o mistério
mais íntimo da Palavra de Deus”.
A concluir esta bela e profunda alocução,
no Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus, sábado à tarde, na Capela Sistina, o
Patriarca Bartolomeu I sublinhou que só com a graça divina a conversão é possível;
não com a força da vontade humana. “A transformação espiritual acontece quando o corpo
e a alma são enxertados na Palavra viva de Deus, quando as nossas células contêm o
fluxo sanguíneo doador de vida dos sacramentos, quando estamos abertos à partilha
de todas as coisas com todas as pessoas… “Não se pode isolar o sacramento do nosso
próximo do sacramento do altar… Se pretendemos conservar o sacramento do
altar, não podemos evitar ou esquecer o sacramento do próximo. Esta é uma condição
fundamental para realizar a Palavra de Deus no mundo, na vida e na missão da Igreja”.