2008-09-13 15:22:06

PAPA FALA AO MUNDO DA CULTURA


Paris, 12 set (RV) - O acontecimento chave da tarde deste primeiro dia da visita do papa à França foi o seu encontro com o mundo da cultura, no Colégio dos Bernardinos, filhos espirituais de São Bernardo de Claraval.

O falecido cardeal Jean-Marie Lustiger, quando era arcebispo de Paris, quis que esse colégio fosse um centro de diálogo entre a Sabedoria cristã e as correntes culturais, intelectuais e artísticas da sociedade. É em si emblemático, como Bento XVI mesmo ressaltou, a escolha desse Colégio para esse encontro com o mundo da cultura.

Estavam presentes cerca de 700 representantes do mundo da cultura francesa, entre eles membros do Instituto de França, acadêmicos, pesquisadores, escritores (Daniel Pennac, François Cheng e Jonathan Littel), artistas, atores, diretores de cinema, compositores, diretores de teatro, de museus, personalidades da mídia, editores, responsáveis por associações e manifestações culturais, a ministra da Cultura, assim como ministros de outras pastas, os ex-presidentes Giscard d’Estaing e Jacques Chirac, representantes da Unesco... o prefeito de Paris, Bertrand Delanoe, e líderes muçulmanos, como Dalil Bubaker, reitor da grande mesquita de Paris.

Também participaram o filósofo Régis Debray, o chef Alain Passart, assim como os historiadores Emmanuel Le Roy Ladurie e Max Gallo, só para citar alguns nomes da seleta assembléia.

O papa escolheu como tema do seu encontro com o mundo da cultura as origens da teologia ocidental e as raízes da cultura européia.

Para entrar de cheio no assunto, Bento XVI falou da origem do monaquismo: os mosteiros, disse ele, eram o lugar em que os monges “procuravam Deus” na confusão dos tempos em que nada parecia resistir. Os monges queriam empenhar-se em encontrar o que vale e permanece sempre, ou seja, queriam encontrar a própria Vida. Neste sentido, os monges eram escatológicos, mas não no sentido que se interessassem só pelo fim do mundo ou pela própria morte, mas no sentido existencial, ou seja, atrás das coisas provisórias buscavam o definitivo.

Mas como os monges eram cristãos, nessa procura de Deus eles não partiam da estaca zero, da escuridão absoluta. Tinham a Palavra, a Sagrada Escritura. Como a busca de Deus exigia a cultura da palavra, faz parte do mosteiro a biblioteca que indica os caminhos para a palavra, a escola, a erudição, tudo isto em função da Palavra com “P” maiúsculo. O homem aprende, por meio das palavras, a Palavra.

Na lógica da sua explanação, o papa quis dar outro passo: ele disse que a Palavra que abre o caminho da procura de Deus é ela mesma este caminho, é uma Palavra que se refere à comunidade. A Palavra não conduz a um caminho só individual de uma imersão mística, mas introduz na comunhão com os que caminham na fé. É necessário, portanto, não só refletir sobre a Palavra, mas também lê-la de modo justo.

Bento XVI explicou que a Palavra, a Bíblia, as Sagradas Escrituras, formadas por tantos livros que foram aparecendo num arco de tempo de mais de um milênio, com todas as suas diversidades nos mostram que a Palavra de Deus chega a nós somente através da palavra humana, ou seja, Deus nos fala através dos homens, das suas palavras e da sua história:

“Dito em expressões modernas: a unidade dos livros bíblicos e o caráter divino das suas palavras não são captáveis de um ponto de vista puramente histórico... A Escritura precisa de interpretação, precisa da comunidade em que ela se formou e onde ela é vivida. Existem dimensões de sentido da Palavra e das palavras que se descobrem unicamente na comunhão vivida desta Palavra que criou a história. Através da percepção crescente da pluralidade destes sentidos, a Palavra não é desvalorizada, mas aparece, ao contrário, em toda a sua grandeza e dignidade".

É por isto, explicou Bento XVI, que o cristianismo não é, em sentido clássico, apenas uma religião do livro. O cristianismo percebe nas palavras a Palavra, o próprio Logos, que estende o seu mistério através de tal multiplicidade. Esta estrutura particular da Bíblia é um desafio sempre novo para cada geração. Segundo a sua natureza, ela exclui tudo o que hoje é chamado de fundamentalismo. “Sempre e só na unidade dinâmica do conjunto, os muitos livros formam um Livro, revelam-se na palavra e na história humana a Palavra de Deus e o agir de Deus no mundo.

Bento XVI ressaltou que toda a dramaticidade deste tema é iluminado nos escritos de São Paulo, quando ele diz que é necessário transcender a letra, pois a letra mata, e o Espírito dá vida, vivifica, e dá liberdade. Mas também aqui, sublinhou o papa, é preciso ler São Paulo na sua inteireza. E explicou:

“O Espírito libertador não é simplesmente a própria idéia, a visão pessoal de quem interpreta. O Espírito é Cristo, e Cristo é o Senhor que nos indica a estrada. Com a palavra sobre o Espírito e sobre a liberdade se abre um vasto horizonte, mas, ao mesmo tempo, se põe um claro limite ao arbítrio e à subjetividade, um limite que obriga de maneira inequívoca o indivíduo, como a comunidade, e cria um laço superior ao da letra do texto: o ligame da inteligência e do amor... Esta tensão entre o ligame e a liberdade... apresenta-se à nossa geração como um desafio face aos dois pólos que são, de um lado, o arbitrário subjetivo, do outro, o fanatismo fundamentalista. Se a cultura européia de hoje compreendesse a liberdade como ausência total de laços, seria fatal e favoreceria inevitavelmente o fanatismo e o arbítrio. A ausência de laços e o arbitrário não são a liberdade, mas a sua destruição”.

Sempre tendo presente o “ora et labora”, reza e trabalha, de São Bento, o papa partiu, então, para o segundo termo do lema: o “labora”, o trabalha. Bento XVI explicou que no mundo grego, o trabalho físico era considerado como coisa de escravo, pois na concepção grega, o sábio, o homem verdadeiramente livre se consagrava unicamente às coisas do espírito. Mas a tradição judaica, seguida pelo monaquismo, era bem diferente: Deus, vivo e verdadeiro, é também o Criador: sujou as mãos com a criação da matéria. Deus trabalha e continua a agir na e sobre a história dos homens. Ele entra como Pessoa na gestação laboriosa da história. Deus é o criador do mundo e a criação ainda não está acabada; a semelhança do homem com Deus está justamente aqui, em ser co-artífice do mundo com Deus.

O papa partira da consideração que o monaquismo era um “procurar Deus”, numa atitude verdadeiramente filosófica que consiste em olhar para além das realidades penúltimas e colocar-se à busca das realidade últimas, que são verdadeiras. E para que esta busca seja possível é necessário que exista num primeiro tempo, num primeiro momento, um movimento interior que suscita não somente a vontade de procurar, mas que torna também crível o fato que nesta Palavra se encontra um caminho de vida, no qual Deus vai ao encontro do homem para permitir que o homem vá ao Seu encontro. Noutras palavras, é necessário o anúncio aberto da Palavra, que não pode ser entendido como propaganda: a fé deve ser comunicada aos outros; o Deus em quem acreditamos, uno e verdadeiro revelou-se no decorrer da história de Israel e, ultimamente, em seu Filho, dando, assim, a resposta aos problemas do homem e do mundo.

O papa concluiu o seu denso discurso ao mundo da cultura francesa indicando a pregação de São Paulo no Areópago de Atenas onde os sábios formavam como que um tribunal competente em matéria de religião e se opunham à intrusão de divindades estrangeiras: Paulo diz a este tribunal: “percorrendo a cidade e considerando os objetos do vosso culto, encontrei também um altar com esta inscrição: «Ao Deus desconhecido». O que adorais sem o conhecer, eu vo-lo anuncio”. “Paulo, disse Bento XVI, não anuncia deuses desconhecidos. O anúncio d’Aquele que os homens ignoram, mas que conhecem: é este Desconhecido-Conhecido que os homens procuram. E se nós não anunciamos o Deus Desconhecido-Conhecido, a razão humana não pode desabrochar plenamente e descobrir que Ele mesmo se revelou. Vejamos como o papa cocluiu a sua reflexão:

“A situação atual é diferente da que Paulo encontrou em Atenas, mas, apesar da diferença, em muitos pontos ela é também muito análoga: Nossas cidades não estão mais cheias de altares e de imagens que representam diversas divindades. Para muitos, Deus se tornou realmente o grande Desconhecido. Mas como então atrás das numerosas imagens dos deuses estava escondida e presente a demanda do Deus desconhecido, assim também a atual ausência de Deus é tacitamente atormentada pela demanda que se refere a Ele. Procurar Deus e deixar-se encontrar por Ele: isto não é menos necessário hoje do que no passado. Uma cultura meramente positivista que relegasse ao campo subjetivo como não científica a pesquisa acerca de Deus, seria a capitulação da razão, a renúncia às suas possibilidades mais altas e, portanto, uma derrota do humanismo com conseqüências graves”. (PL)








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