Paulo VI proclamou a fé com incansável solicitude e defendeu corajosamente a sua integridade
e pureza.
(6/8/2008) A figura do Papa Paulo VI,nos quinze anos do seu pontificado, foi evocada
a grandes traços pelo cardeal Giovanni Battista Re, na homilia da Missa de comemoração
dos trinta anos do falecimento do Papa Montini. Uma morte que – observou – pareceu
inesperada aos olhos do mundo, mas que era aguardada com muita consciência e grande
serenidade: “até ao último momento ele quis continuar a servir com amor, sem se subtrair
em nada aos próprios compromissos. A sua morte foi um testemunho de amor e de fidelidade”.
Significativo o nome escolhido por João Baptista Montini para o seu cargo
petrino. Como ele próprio explicou na cerimónia de início do pontificado, Paulo foi
o Apóstolo que “amou Cristo de maneira eminente, que em máximo grau desejou e se esforçou
por levar o Evangelho de Cristo a todas as gentes, e que por amor de Cristo ofereceu
a sua vida”. Desde há quatro séculos que nenhum Papa adoptara este nome. A escolha
aludia a uma certa afinidade de ideais do novo Papa com o Apóstolo que se sentiu chamado
a levar o Evangelho até aos confins da terra e que tinha colocado Cristo no centro
do seu coração de toda a sua vida. “A exemplo do Apóstolo dos gentios, Paulo
VI foi um apaixonado de Cristo. Mais ainda: podemos dizer que o seu espírito foi o
espírito do apóstolo Paulo, que se pode sintetizar num nome: Jesus Cristo. Para
mim, viver é Cristo!”.
Sobre a centralidade de Cristo, rosto de Deus
e nosso único Mestre, Paulo VI pronunciou palavras admiráveis. Como por exemplo no
discurso de abertura da segunda sessão do Concílio Vaticano II: “Cristo nosso
princípio! Cristo nosso caminho e nosso guia! Cristo nossa esperança e nosso fim…
Nenhuma outra luz brilhe nesta assembleia para além de Cristo, luz do mundo. Nenhuma
outra verdade interesse as nossas almas senão as palavras do Senhor, nosso único Mestre.
Nenhuma outra aspiração nos guie senão o desejo de Lhe sermos absolutamente fiéis”. “Esta
espiritualidade cristocêntrica assinalou profundamente o seu modo de conceber o serviço
petrino. Foi com profunda convicção que ele indicou que o segredo para concretizar
a “actualização” (“aggiornamento”) querido pelo Concílio consistia antes de mais em
colocar interiormente o espírito numa atitude de obediência a Cristo”.
O
grande amor a Cristo levou Paulo VI também a uma terna devoção à Mãe de Cristo e nossa
Mãe, a Virgem Maria. Ao amor a Cristo e a Maria Paulo VI uniu sempre o amor à
Igreja. Um amor não abstracto, mas real, feito também de fadiga e de íntimo sofrimento
por aquela Igreja que ele definia – na sua primeira Encíclica “Ecclesiam suam” – como
“mãe benigna e ministra de salvação de toda a sociedade humana”. Uma Igreja que –
observou o cardeal Re - não tem palavras suas, próprias, pois existe para dizer a
Palavra de Deus que é Jesus Cristo, para levar ao homem o anúncio do Evangelho, anúncio
de libertação, de crescimento, de progresso.
“Como Papa, ele viveu e proclamou
a fé com incansável solicitude e defendeu corajosamente a sua integridade e pureza.
Aproveitou todas as oportunidades para dar a conhecer a Palavra de Deus e o pensamento
da Igreja. Como o apóstolo Paulo, ele foi evangelizador pelas estradas do mundo”.
A
este propósito, o cardeal Re recordou o Sínodo que Paulo VI dedicou ao tema da evangelização,
e a Exortação Apostólica “Evangelii nuntiandi”. Em anos em que “a barca de Pedro
teve que navegar contra ventos e marés” – “anos difíceis para o magistério e para
o governo da Igreja, os anos da contestação” – Paulo VI teve que dirigir com firmeza
o timão da barca, empenhando-se com corajoso vigor na defesa do “depositum fidei”.
Em 1967, por ocasião dos 1900 anos do martírio de São Pedro e São Paulo,
promoveu o Ano da Fé, em cuja conclusão – em 1968 – pronunciou “o Credo do Povo de
Deus”, apontando aos teólogos e a toda a Igreja os pontos firmes fundamentais que
não é lícito abandonar. Reafirmou assim solenemente as verdades fundamentais do cristianismo.
O texto mais asperamente criticado e contestado do magistério de Paulo VI, e
ao mesmo tempo o que mais esforços e sofrimentos lhe custou, e que qualifica de modo
particular a grandeza deste pontífice, foi a Encíclica “Humanae vitae”. “Na
história da Igreja, Paulo VI ficará como o Papa do Concílio Vaticano II. Se foi João
XXIII a convocá-lo, foi ele a acompanhar a sua realização, guiando-o com sabedoria
e prodigalizando-se depois para que fosse correctamente aplicado.”
Mas permanecerá
também como o Papa que amou o mundo moderno, admirando as suas riquezas culturais
e científicas”.
“A grande ânsia de Paulo VI era de servir o homem de hoje,
nas suas misérias e grandezas, sustentando-o no caminho sobre a terra e indicando-lhe
ao mesmo tempo a meta eterna, (pois) somente nesta ele pode encontrar todo o seu significado
e valor o esforço que ele quotidianamente exprime aqui na terra”.
Sensível
às ânsias e inquietações do homem moderno, foi um Papa do diálogo, atento a nunca
fechar as portas ao encontro…
“Para Paulo VI, o diálogo era expressão do espírito
evangélico que procura aproximar-se de todos, a todos fazer-se compreender, inspirando
um estilo de convivência caracterizado pela abertura recíproca e pelo pleno respeito
da justiça, na solidariedade e no amor. Diálogo também com o errante, a fim de obter
a sua emenda de vida”.
Num mundo pobre de amor e marcado por problemas e
violências, Paulo VI esforçou-se por instaurar uma civilização inspirada pelo amor,
na qual a solidariedade e o amor chegassem ali onde não podia chegar a justiça social
(por muito importante que esta seja).
“A civilização do amor a construir
nos corações e nas consciências foi para o Papa Montini mais do que uma ideia ou um
projecto. Foi a guia e o esforço de toda a sua vida. / Foi a favor desta nova civilização
que Paulo VI se gastou sem medida, rezando e actuando, renovando as estruturas da
Igreja, indo ele próprio ao encontro de todos os homens de boa vontade e procurando
todas as ocasiões para difundir por toda a parte uma palavra de esperança e de paz,
um convite a superar os egoísmos e rancores”.
É neste horizonte da civilização
do amor que há que situar o “elevado magistério social” do Papa Montini – observou
o cardeal Re. Um magistério em que se fez advogado dos pobres e denunciou as situações
de injustiça que “clamam aos céus”. Foi muito sensível ao problema da fome no mundo,
ao grito de angústia dos pobres, às graves desigualdades sociais, como bem mostra
a sua Encíclica “Populorum progressio”.
E o cardeal João Baptista Re concluiu
a sua homilia na Missa de sufrágio pelo Papa Paulo VI, a 30 anos do falecimento, evocando
a grandes pinceladas “algumas iniciativas e alguns gestos” que ainda hoje merecem
ser recordados.
- Foi o primeiro Papa a deslocar-se à Palestina, (de onde
viera São Pedro). Realizada logo no início do seu pontificado, e com o Concílio Vaticano
II em curso, foi uma “viagem de alto valor simbólico, que exprimia o seu mundo interior,
a sua espiritualidade e a sua teologia”. Esta viagem deu início à grande actividade
de viagens e visitas apostólicas que o seu sucessor João Paulo II realizaria através
de todo o mundo.
- Foi também o primeiro Papa a intervir na sede das Nações
Unidas, em Nova Iorque, apresentando-se como um peregrino que desde há dois mil anos
tinha uma mensagem a anunciar a todos os povos – o Evangelho do amor e da paz. O discurso
ali pronunciado, em Outubro de 1965, teve grande eco em todo o mundo, nomeadamente
no seu vigoroso apelo à paz: “Nunca mais a guerra, nunca mais um contra o outro, ou
um acima do outro, mas um para o outro, um com o outro” – disse ele. Na mesma ordem
de ideias, instituiu a Jornada Mundial da Paz, a celebrar a 1 de Janeiro de cada ano.
-
De registar também a abolição da corte pontifícia e a sua renúncia à tiara, depondo-a
ele próprio, numa celebração em que a estava usando, a 13 de Novembro de 1964, para
a doar aos pobres. Um gesto profundamente simbólico, alguns meses antes da sua viagem
à Índia. “Gesto programático de humildade e de partilha, símbolo de uma Igreja que
coloca os pobres no centro das suas atenções e os aborda com amor, vendo neles Cristo”.
Paulo VI quis que no Vaticano se adoptasse um estilo de vida mais simples. Reformou
e internacionalizou a Cúria Romana, tornando-a mais eficiente e mais pastoral.
“Trinta
anos passados desde que Paulo VI transpôs a misteriosa porta da eternidade”, o cardeal
Re concluiu a sua homilia - na missa celebrada na basílica onde se encontra sepultado
“bem perto do túmulo do Apóstolo Pedro”, “dando graças a Deus pelo luminoso testemunho
deixado por este Sucessor de Pedro”.
“Queremos agradecer também ao Servo de
Deus Paulo VI pelo seu apaixonado amor a Cristo, à Igreja e ao mundo. Pelo exemplo
da sua vida espiritual, pelos seus ensinamentos e por quanto fez para combater as
injustiças e violências e para instaurar no mundo a civilização do amor e da paz”,.