Paulo VI: corajosa testemunha da Verdade de Cristo.
(5/8/2008) Há 30 anos, a 6 de Agosto de 1978, festa da Transfiguração do Senhor,
tornava à Casa do Pai, o Papa Paulo VI. Humilde e corajosa testemunha da Verdade,
apóstolo da paz, homem do diálogo entre os povos e as culturas, que soube levar a
cumprimento, com sabedoria e abertura de espírito, o Concílio Vaticano II. Vamos evocar
hoje, nesta rubrica dedicada a “factos e personagens da história da Igreja”, esta
nobre figura de homem de Deus. E começámos por evocar as palavras com que se lhe referiu
o actual sucessor, Bento XVI, domingo passado, ao meio-dia, em Brassanone, nos Alpes
italianos, onde se encontra de férias:
“Como supremo Pastor da Igreja, Paulo
VI guiou o povo de Deus à contemplação do rosto de Cristo Redentor do homem e Senhor
da história. Esta amorosa orientação da mente e do coração para Cristo foi precisamente
um dos pontos fulcrais do Concílio Vaticano II, uma atitude fundamental que o meu
venerado predecessor João Paulo II herdou e relançou no grande Jubileu do ano 2000.
No centro de tudo, sempre Cristo: no centro das Sagradas Escrituras e da Tradição,
no coração da Igreja, do mundo e de todo o universo”.
^^^^^^^^^^^^^^^ “Fidem
servavi” (conservei a fé): nesta expressão paulina, pronunciada poucos dias antes
da sua própria morte, está condensado todo o pontificado de Paulo VI. Um Papa sereno
e firme, enamorado da Verdade, que guiou a barca de Pedro em anos tempestuosos para
a Igreja e para o mundo. Eleito a 21 de Junho de 1963, o Papa Montini confrontou-se
desde lado com um desafio histórico: levar ao seu cumprimento o Concílio Vaticano
II, nascido de uma intuição profética de João XXIII, mas que após os entusiasmos iniciais
corria o risco de se bloquear. Na Missa do início do pontificado, a 30 de Junho de
1963, Paulo VI não esconde as suas preocupações e propõe aos fiéis a sua visão da
Igreja:
“Defenderemos a santa Igreja dos erros de doutrina e de costumes,
que dentro e fora dos seus confins ameaçam a sua integridade e desfeiam a sua beleza;
procuraremos conservar e incrementar a virtude pastoral da Igreja, que a apresenta
livre e pobre, na atitude que lhe é própria, de mãe e mestra, amorosíssima com os
seus filhos, os fiéis, respeitosa, compreensiva, paciente”.
Três meses depois,
a 29 de Setembro, Papa Montini preside à solene abertura da segunda sessão do Concílio.
No seu discurso, enumera as quatro finalidades deste extraordinário acontecimento:
- o aprofundamento e a exposição doutrinal do mistério da Igreja; a sua renovação
interior; o incremento da unidade dos cristãos e o diálogo da Igreja com o mundo contemporâneo.
Paulo VI, que tomara parte, como arcebispo de Milão, à primeira sessão conciliar,
não se limita a ser um mero, digamos assim, “notário do Concílio”. Segue com cuidado
e paixão os trabalhos conciliares, intervém do melhor modo nas circunstâncias mais
delicadas. E no discurso de encerramento do Concílio Vaticano, o Pontífice exprime
sentimentos de alegria e comoção.
“Este Concílio confia à história a imagem
da Igreja católica representada por esta assembleia, cheia de Pastores que professam
a mesma fé, que respiram a mesma caridade, associados na mesma comunhão de oração,
de disciplina, de actividade, e – aspecto admirável – todos desejosos de uma só coisa
– oferecerem-se a si próprios, como Cristo nosso Mestre e Senhor, pela vida da Igreja
e pela salvação do mundo”.
Nos seus quinze anos de pontificado, Papa Montini
empenhar-se-á decididamente a favor da paz no mundo, também pelo reforço da dimensão
missionária da Igreja, sublinhada na Exortação “Evangelii nuntiandi”. Institui uma
Jornada da Paz, a celebrar no primeiro de Janeiro de cada ano. E faz-se apóstolo da
paz até aos confins da terra, com as suas nove viagens apostólicas internacionais
que o levarão a tocar todos os continentes. Memorável o seu discurso à assembleia
das Nações Unidas, em Nova Iorque, a 4 de Outubro de 1965, com o seu vibrante apelo
contra a guerra:
“Nunca mais a guerra, numa mais a guerra! É a paz, é a paz
que deve guiar a sorte dos Povos e de toda a humanidade!”
Paulo VI não é indiferente
ao sofrimento das nações africanas dilaceradas pela miséria. Em 1967 publica a Encíclica
“Populorum progressio”. “O desenvolvimento – escreve – é o novo nome da paz”. Mas
– explica – há-de ser um “desenvolvimento integral”, visando “a promoção de cada homem
e do homem todo”. Com o Concílio, a Igreja actualiza-se (“aggiornamento”), renova-se
profundamente. Muitos, porém, querem dar uma interpretação ou progressista ou conservadora,
sem captar o autêntico significado do acontecimento. As turbulências pós-conciliares
muito farão sofrer Paulo VI, que nunca deixará de testemunhar a Verdade, convencido,
como Santo Agostinho, de que a felicidade… é precisamente “a alegria da verdade” (“gaudium
de veritate”). O caso mais evidente, neste sentido, é a publicação em 1968 da “Humanae
vitae”. Esta Encíclica, centrada sobre o amor conjugal responsável, reafirma o “não”
da Igreja ao uso dos sistemas artificiais de contracepção. Naquele 68 – ano símbolo
da contestação – Paulo VI torna-se objecto, mesmo no interior da Igreja católica,
de críticas cáusticas, que por vezes degeneram mesmo em insultos. E contudo tinha
sido, para o Papa Montini, uma decisão bem pesada, longamente meditada. A 4 de Agosto
de 1968, por ocasião do Angelus, o Papa expõe com límpida coerência, as respectivas
razões:
“A nossa palavra não é fácil, não é conforme a um uso que hoje em
dia se vai difundindo como cómodo e aparentemente favorável ao amor e ao equilíbrio
familiar. Queremos recordar que a norma por nós reafirmada não é nossa, mas é própria
das estruturas da vida, do amor e da dignidade humana”.
Promotor da “civilização
do amor” , Paulo VI aliará aos seus esforços pela paz, um constante e frutuoso empenho
ecuménico, na convicção de que, só unidos, os cristãos poderão ser factor de reconciliação
entre os povos. Histórico o seu encontro em Jerusalém com o Patriarca de Constantinopla,
Atenágoras, em 1964. O seu abraço fraterno comove tanto os católicos como os ortodoxos.
No ano seguinte, é finalmente revogada a excomunhão que as duas Igrejas tinham cominado
uma à outra em 1054. Passos em frente se deram também no diálogo com os anglicanos.
Em 1966, Paulo VI encontrou-se com o arcebispo de Cantuária, Michael Ramsey. Três
anos depois, em Genebra, de visita ao Conselho Ecuménico das Igrejas. Dotado
de grande sensibilidade, em 1978, precisamente nos últimos meses da sua existência
terrena, Papa Montini vive um momento especialmente dramático de seu amigo Aldo Moro.
Numerosos e vibrantes foram os apelos que dirigiu directamente aos “homens das Brigadas
Vermelhas”, a começar pelo Angelus de 19 de Março, três dias depois do sangrento sequestro
de Via Fani:
“Rezemos conjuntamente por todos os que nestes dias sofrem, sentindo
bem funda em si mesmos a marca da paixão de Jesus: pelas famílias que choram os seus
mortos, dizimados no exercício do seu dever por um insensato ódio homicida que mais
uma vez quis minar a pacífica convivência social; rezemos pelo presidente do conselho
Aldo Moro, a nós tão caro, sequestrado numa vil emboscada, com o mais vibrante apelo
a que seja restituído aos seus familiares”.
Homem de grande cultura, amante
da arte e da literatura, Paulo VI redescobriu o valor do mecenatismo, da Igreja que
encomenda obras de arte. O escultor Manzú e o arquitecto Nervi foram alguns dos artistas
mais conhecidos que trabalharam para a Santa Sé durante o seu pontificado. O Papa
Montini potenciou a Rádio Vaticano e a Academia das Ciências, exortou os homens de
cultura a servirem a verdade, a promoverem a dignidade do homem criado à imagem de
Deus. De entre os tantos frutos do seu ministério petrino, há que recordar também
a reforma litúrgica na sequência do Concílio Vaticano II, a reforma da Cúria Romana
e a celebração do Ano jubilar de 1975. A 29 de Junho de 1978, a pouco mais de
um mês da sua morte, Paulo VI podia afirmar, como São Paulo, ter combatido a boa batalha
do Evangelho:
“O nosso ofício é o mesmo de Pedro, ao qual Cristo confiou o
mandato de confirmar os seus irmãos: é o ofício de servir a verdade da fé… Eis, Irmãos
e Filhos, o desejo incansável, vigilante, esgotante, que nos moveu nestes quinze anos
de pontificado. ‘Fidem servavi’! (conservei a fé) podemos dizer hoje, com a humilde
e firme consciência de nunca ter atraiçoado a santa verdade”. ( escute
a montagem radiofónica.)