Quem é que leva o testemunho da Boa Nova de Jesus pelos caminhos de Nova Iorque, nos
inquietantes subúrbios à margem das grandes cidades, nos lugares onde os jovens se
congregam à procura de alguém em quem possam confiar? Esta a pergunta dirigida pelo
Papa aos jovens e seminaristas no Seminário St. Joseph de Nova Iorque
(19/4/2008) Na tarde deste sábado, Bento XVI deslocou-se ao seminário de São José
de Nova Iorque para um encontro com os jovens e seminaristas, concluindo assim o
penúltimo dia da sua viagem apostólica aos Estados Unidos. Na alocução dirigida
aos 20 mil jovens presentes, o Papa começou por evocar seis figuras que se distinguiram
pela fé e pela caridade, pelo amor a Deus e pelo serviço aos irmãos, e cujas imagens
se encontravam expostas no recinto desportivo onde tinha lugar o encontro: santa Isabel
Ana Seton, Santa Francisca Xavier Cabrini, S. João Neumann, beata Kateri Tekakwitha,
venerável Pierre Toussaint e o padre Félix Varela. “Todos eles – sublinhou Bento XVI
– responderam à chamada de Deus a uma vida de caridade. Cada um deles O serviu nas
ruelas, caminhos e subúrbios de Nova Iorque. Nenhum modelo estereotipado, uniforme,
os irmana. Os elementos comuns que os congrega é o facto de, “inflamados pelo amor
de Jesus”, as vidas de todos eles e elas se terem transformado em “extraordinários
trajectos de esperança”.
“Através de orfanatos, escolas e hospitais, ocupando-se
dos pobres, dos doentes e dos marginalizados, e mediante o testemunho convincente
que provém do caminhar humildemente na esteira de Jesus, estas seis pessoas abriram
o caminho da fé, esperança e caridade a inúmeras pessoas, incluindo porventura aos
seus próprios antepassados”.
A questão que hoje se coloca é ver quem dá continuidade
à missão que estes verdadeiros discípulos de Jesus realizaram na terra americana:
“E
hoje? Quem é que leva o testemunho da Boa Nova de Jesus pelos caminhos de Nova Iorque,
nos inquietantes subúrbios à margem das grandes cidades, nos lugares onde os jovens
se congregam à procura de alguém em quem possam confiar? É Deus a nossa origem
e o nosso destino, e Jesus é o caminho. O percurso desta viagem vai passando – como
no caso dos nossos santos – pelas alegrias e provações de uma vida quotidiana normal:
no interior das vossas famílias, na escola ou no colégio, nas vossas actividades ,
no tempo livre ou nas vossas comunidades paroquiais.”
Evocando “a belíssima
liturgia da Vigília Pascal” (nomeadamente o Cântico do círio pascal), Bento XVI sublinhou
que “não foi por desespero ou angústia, mas com uma grande confiança cheia de esperança,
que nós gritámos a Deus em favor do nosso mundo: Dissipa Senhor as trevas do nosso
coração! Dissipa as trevas do nosso espírito!”. E foi a partir deste conceito
de “trevas” a vencer, com o espírito e a esperança cristãs, que o Papa desenvolveu
a sua catequese aos jovens de Nova Iorque, distinguindo as trevas que afectam “o coração”
das trevas, particularmente subtis e como tal mais funestas, que podem envolver “o
espírito”, distorcendo a nossa percepção da verdade e o exercício da verdadeira liberdade. No
primeiro caso, Bento XVI incluiu “os sonhos e desejos” destruídos por tantas diversas
razões: droga, falta de casa, pobreza, racismo, violência. Situações em que a pessoa
se sentiu degradada a mero objecto, perante “uma insensibilidade do coração que ignora
e ultraja a dignidade que Deus atribui a cada pessoa humana. Trevas que há que superar
graças a mãos amigas capazes de estar ao lado dos “vulneráveis e inocentes”, “no caminho
da bondade e da esperança”. Uma segunda zona de trevas é a das que atingem o espírito
– advertiu o Papa. Facto que muitas vezes passa desapercebido, o que é ainda mais
funesto, com a “manipulação da verdade” que “distorce a percepção da realidade e perturba
a nossa imaginação e as nossas aspirações. Questão que se prende com a da liberdade.
Embora reconhecendo que “há que salvaguardar rigorosamente a importância da liberdade”,
Bento XVI pôs de sobreaviso sobre o risco de manipulação:
“Mas a liberdade
é um valor delicado. Pode ser mal-entendida ou usada mal, acabando por não conduzir
à felicidade que todos dela esperamos, conduzindo pelo contrário a um cenário sombrio
de manipulação, em que a nossa compreensão de nós próprios e do mundo se torna confusa
ou é até mesmo distorcida por aqueles que têm segundas intenções”.
O maior
risco é o de separar a liberdade da verdade: hoje em dia há quem, em nome do respeito
pela liberdade do indivíduo, considere errado procurar a verdade, mesmo a verdade
sobre o que é bem. É o que se chama “relativismo”, que pretende libertar a consciência
dando a tudo o mesmo valor. Tal confusão moral leva a perder o respeito por si mesmo,
podendo levar ao desespero, e mesmo ao suicídio.
“Caros amigos, a verdade
não é uma imposição. Nem é simplesmente um conjunto de regras. É a descoberta de Alguém
que nunca atraiçoa, Alguém em quem podemos sempre confiar. Na busca da verdade acabamos
por viver tendo como base a fé, porque, em última análise, a verdade é uma pessoa:
Jesus Cristo. É por isso que a autêntica liberdade não é a opção de “libertar-nos
de”. É optar por “nos empenharmos a favor de”. Sair de nós próprios permite-nos ser
envolvidos no ser-para-os-outros de Jesus Cristo”.
Na parte conclusiva
da sua alocução aos jovens e seminaristas dos Estados Unidos, Bento XVI sublinhou
com insistência a importância da oração e da contemplação.
“O mais importante
é que desenvolvais a vossa relação com Deus. Esta relação exprime-se na oração. Em
virtude da própria natureza, Deus fala, escuta, responde. São Paulo recorda-nos que
podemos e devemos orar incessantemente. Longe de nos dobrar sobre nós próprios
ou de nos afastar dos altos e baixos da vida, por meio da oração nós dirigimo-nos
a Deus e, através d’Ele, dirigimo-nos uns aos outros, inclusive aos marginalizados
e a todos os que seguem vias diferentes de Deus. Como os santos nos ensinam de modo
tão concreto, a oração torna-se esperança em acto”.
Outro aspecto ligado à
oração é “a contemplação em silêncio”. São João diz-nos que, para captar a revelação
de Deus é preciso antes escutar, e depois responder e anunciar o que ouvimos e vimos.
Talvez tenhamos perdido “a arte de escutar”.
“Amigos, não tenhais medo do
silêncio e do recolhimento, escutai a Deus, adorai-O na Eucaristia. Deixai que a sua
palavra modele o vosso caminho como maturação na santidade”.