2008-04-18 21:38:55

VISITA HISTÓRICA DE BENTO XVI À ONU: DIREITOS HUMANOS DEVEM FUNDAMENTAR-SE NA RAZÃO NATURAL


Nova York, 18 abr (RV) - A viagem apostólica internacional de Bento XVI aos EUA chega hoje a seu quarto dia. O Santo Padre iniciou as suas atividades celebrando esta manhã, de forma privada, às 6h45 locais, a santa missa na capela da nunciatura apostólica, em Washington.

Às 8h locais, o pontífice deixou a nunciatura transferindo-se para o aeroporto militar da capital estadunidense, de onde partiu com destino a Nova York, segunda e última etapa de sua viagem aos EUA. Às 10h45, Bento XVI chegou à ONU para o esperado encontro na sede do organismo internacional.

Bento XVI foi calorosamente recebido na entrada da ONU pelo secretário-geral, Ban Ki-moon, e pelo presidente da Assembléia Geral, Kerim Srgjan. Após um encontro privado com o secretário-geral, o Santo Padre se dirigiu à sala da Assembléia Geral, onde se encontrou com os representantes das Nações Unidas.

Ao dar as boas-vindas ao Santo Padre, Ban Ki-moon disse que o organismo é "uma instituição laica, com seis línguas oficiais, mas nenhuma religião oficial. Não temos uma capela, mas uma sala de meditação".

Em seguida, recordou as palavras do próprio papa sobre o terrível desafio da pobreza, sobre a não-proliferação dos armamentos nucleares e sobre o caminho rumo ao desarmamento, ressaltando assim a consonância que existe entre as posições da Santa Sé e as da ONU. Segundo Ban Ki-moon, ambas seguem "o princípio segundo o qual aqueles que têm um poder maior não o devem utilizar para violar os direitos humanos de outros".

Ban Ki-moon recordou também o compromisso de Bento XVI em favor do meio ambiente e de seus apelos em favor do diálogo entre religiões e culturas. "Santidade, esses são os objetivos que temos em comum e somos gratos por suas orações, ao mesmo tempo em que procedemos em nosso caminho para realizá-los", concluiu.

O papa se dirigiu ao presidente da Assembléia, Kerim Srgjan, e ao secretário-geral, Ban Ki-moon, agradecendo pelas palavras de boas-vindas e pelo convite de visitar a sede da ONU. Saudou ainda os embaixadores e os diplomatas dos Estados-membros e todos os presentes.

Logo depois, o papa propôs as suas reflexões sobre a finalidade e a missão da ONU. Espera-se dessa instituição, disse o pontífice, que leve avante a inspiração que guiou a sua fundação, ou seja, de ser um "centro para a harmonização dos atos das nações no perseguir os fins comuns", como a paz e o desenvolvimento.

Como o papa João Paulo II disse em 1995, a organização deveria ser "centro moral, na qual todas as nações do mundo se sintam em sua casa, desenvolvendo a consciência comum de ser, por assim dizer, uma 'família de nações'".

Bento XVI recordou os princípios fundadores da organização: o desejo de paz, a busca da justiça, o respeito pela dignidade da pessoa, a cooperação humanitária e assistência. Esses princípios, disse, expressam as justas aspirações do espírito humano e constituem os ideais que deveriam ser subjacentes às relações internacionais.

Como os meus predecessores Paulo VI e João Paulo II observaram aqui mesmo, trata-se de temas que a Igreja Católica e a Santa Sé acompanham com atenção e com interesse, porque vêem que problemas e conflitos concernentes à comunidade mundial podem ser sujeitos a uma regulamentação comum.

As Nações Unidas encarnam a aspiração a "um grau superior de orientação internacional", inspirado e governado pelo princípio da subsidiariedade e, portanto, capaz de responder às perguntas da família humana mediante regras internacionais vinculadoras e através de estruturas capazes de harmonizar o cotidiano desdobramento da vida dos povos.

Isso é ainda mais necessário num tempo em que experimentamos o paradoxo de um consenso multilateral que continua em crise por causa da sua subordinação às decisões de poucos, ao mesmo tempo em que os problemas do mundo exigem intervenções na forma de ação coletiva por parte da comunidade internacional.

O papa ressaltou a necessidade de que todos os responsáveis internacionais ajam conjuntamente e demonstrem uma prontidão em atuar em boa fé, no respeito da lei e na promoção da solidariedade em relação às regiões mais remotas do planeta. Penso de modo particular nos países da África e de outras partes do mundo, que permanecem à margem de um autêntico desenvolvimento integral e, por isso, correm o risco de experimentar somente os efeitos negativos da globalização.

No contexto das relações internacionais, é necessário reconhecer o papel superior que desempenham as regras e as estruturas intrinsecamente ordenadas a promover o bem comum e, portanto, a defender a liberdade humana. Tais regras não limitam a liberdade; pelo contrário, a promovem, quando proíbem comportamentos e atos que atuam contra o bem comum, criam obstáculo para o seu efetivo exercício e, por isso, comprometem a dignidade de toda pessoa humana.

Em nome da liberdade, deve existir uma correlação entre direitos e deveres, com a qual toda pessoa é chamada a assumir a responsabilidade das próprias escolhas, feitas conseqüentemente ao entrar em relação com os outros.

Outro aspecto importante que o papa ressaltou diz respeito ao modo como foram aplicados por vezes os resultados das descobertas da pesquisa científica e tecnológica.

Apesar dos enormes benefícios que a humanidade pode adquirir delas, alguns aspectos de tal aplicação representam uma clara violação da ordem da criação, a ponto de não somente contradizer o caráter sagrado da vida, mas a própria pessoa humana e a família serem despojadas de sua identidade natural.

Do mesmo modo, prosseguiu Bento XVI, a ação internacional voltada a preservar o meio ambiente e a proteger as várias formas de vida sobre a terra não deve garantir somente um uso racional da tecnologia e da ciência, mas deve também redescobrir a autêntica imagem da criação. Isso jamais requer uma escolha a ser feita entre ciência e ética: trata-se, sobretudo, de adotar um método científico que seja verdadeiramente respeitoso dos imperativos éticos.

Em seguida, Bento XVI destacou o tema do princípio da subsidiariedade. A ajuda por parte da comunidade internacional não significa uma limitação de soberania, exige diálogo e reconciliação, observou ele. Todo Estado tem o dever primário de proteger a sua população de violações graves e contínuas dos direitos humanos, bem como das conseqüências de crises humanitárias, provocadas tanto pela natureza quanto pelo homem.

Se os Estados não são capazes de garantir análoga proteção, a comunidade internacional deve intervir com os meios jurídicos previstos pela Carta das Nações Unidas e por outros instrumentos internacionais. A ação da comunidade internacional e de suas instituições jamais deve ser interpretada como uma imposição indesejada e uma limitação de soberania.

Pelo contrário, observou o Santo Padre, é a indiferença ou a falta de intervenção que produzem dano real. Aquilo que é necessário é uma busca mais profunda de modos de prevenir e controlar os conflitos, explorando todo possível caminho diplomático e dando atenção e encorajamento aos mais sutis sinais de diálogo ou de desejo de reconciliação.

Outro tema importante do discurso do Santo Padre aos representantes das nações foi a importância da justa visão da pessoa humana. Tal princípio deve invocar a idéia da pessoa como imagem do Criador, o desejo de uma absoluta e essencial liberdade.

Como sabemos, frisou o papa, a fundação da ONU coincide com a profunda rejeição experimentada pela humanidade quando foi abandonada a referência ao significado da transcendência e da razão natural e, conseqüentemente, foram gravemente violadas a liberdade e a dignidade do homem.

Quando isso acontece, estão ameaçados os fundamentos objetivos dos valores que inspiram e governam a ordem internacional e estão ameaçadas as bases daqueles princípios congênitos e invioláveis formulados e consolidados pelas Nações Unidas.
A referência à dignidade humana conduz ao tema sobre o qual fomos convidados a concentrar-nos este ano, que marca os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Reconhecer o fundamento religioso é necessário por sua universalidade e para salvaguardar os direitos, apesar dos contextos sociopolíticos particulares contrastantes.

O documento foi o resultado de uma convergência de tradições religiosas e culturais, todas motivadas pelo desejo comum de colocar a pessoa humana no centro de instituições, leis e intervenções da sociedade e de considerar a pessoa humana essencial para o mundo da cultura, da religião e da ciência.

Os direitos humanos são sempre mais apresentados como linguagem comum e substrato ético das relações internacionais. Ao mesmo tempo, a universalidade, a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos servem como garantias para a salvaguarda da dignidade humana.

Todavia, observou Bento XVI, é evidente que os direitos reconhecidos e delineados na Declaração se aplicam a cada um em virtude da origem comum da pessoa, a qual permanece sendo o ponto mais alto do desígnio criador de Deus para o mundo e para a história. Tais direitos estão baseados na lei natural inscrita no coração do homem e presente nas diversas culturas e civilizações.

Remover os direitos humanos desse contexto significaria restringir o seu âmbito e ceder a uma concepção relativista, segundo a qual o significado e a interpretação dos direitos poderiam variar e a sua universalidade seria negada em nome de contextos culturais, políticos, sociais e até mesmo religiosos diferentes. Entretanto, continuou o papa, não se deve permitir que tal ampla variedade de pontos de vista obscureça o fato de que não somente os direitos são universais, mas o é também a pessoa humana, sujeito desses direitos.

A vida da comunidade mostra claramente que o respeito pelos direitos e as garantias que lhe são próprias são as medidas do bem comum, que servem para avaliar a relação entre justiça e injustiça, desenvolvimento e pobreza, segurança e conflito.

A promoção dos direitos humanos permanece sendo a estratégia mais eficaz para eliminar as desigualdades entre países e grupos sociais, bem como para um aumento da segurança. O bem comum que os direitos humanos ajudam a alcançar não se pode realizar simplesmente com a aplicação de procedimentos corretos e nem mesmo diante de um simples equilíbrio entre direitos contrastantes, observou o pontífice.

O mérito da Declaração Universal é ter permitido a diferentes culturas, expressões jurídicas e modelos institucionais convergir em torno de um núcleo fundamental de valores e, portanto, de direitos.

Bento XVI prosseguiu dizendo que hoje, porém, é necessário redobrar os esforços diante das pressões para reinterpretar os fundamentos da Declaração e comprometer a sua unidade íntima, de modo a facilitar um distanciamento da proteção da dignidade humana para satisfazer simples interesses, muitas vezes interesses particulares.

A Declaração foi adotada como "concepção comum a ser perseguida" (preâmbulo) e não pode ser aplicada por partes separadas, segundo tendências ou escolhas seletivas que correm simplesmente o risco de contradizer a unidade da pessoa humana.

Quando são apresentados simplesmente em termos de legalidade, os direitos correm o risco de se tornar frágeis proposições separadas da dimensão ética e racional, que é o seu fundamento e finalidade.

Pelo contrário, a Declaração Universal reforçou a convicção de que o respeito pelos direitos humanos está radicado principalmente na justiça, que não muda, na qual se baseia também a força vinculadora das proclamações internacionais. Tal aspecto é muitas vezes não observado quando se tenta privar os direitos da sua verdadeira função em nome de uma estéril perspectiva utilitarista.

Bento XVI ressaltou o desafio do discernimento, isto é, a capacidade de distinguir o bem do mal. Confiar o discernimento de modo exclusivo aos Estados singularmente pode, por vezes, ter conseqüências que excluem a possibilidade de uma ordem social respeitosa da dignidade e dos direitos da pessoa.

As Nações Unidas, disse o Santo Padre, podem contar com os resultados do diálogo entre religiões e usufruir da disponibilidade dos fiéis de colocar as suas experiências a serviço do bem comum. A sua tarefa é propor uma visão da fé não em termos de intolerância, de discriminação e de conflito, mas em termos de respeito total da verdade, da consciência, dos direitos e da reconciliação.

Obviamente, os direitos humanos devem incluir o direito à liberdade religiosa, inclusive como expressão de uma dimensão que é, ao mesmo tempo, individual e comunitária, uma visão que manifesta a unidade da pessoa, embora distinguindo claramente entre a dimensão de cidadão e a de fiel.

O Santo Padre concluiu seu denso discurso afirmando que as Nações Unidas permanecem sendo um lugar privilegiado no qual a Igreja está comprometida a levar a sua experiência "em humanidade", desenvolvida ao longo dos séculos entre povos de todas as raças e culturas, e a colocá-la à disposição de todos os membros da comunidade internacional. (RL/BF)







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