Ressurreição de Cristo é a plenitude da História da Salvação. D. José Policarpo, no
Dia de Páscoa, fala do sentido do pecado, da vida e da morte
(24/3/2008) Com esta Liturgia da Ressurreição do Senhor atingimos o ponto máximo
da celebração pascal, que nos fez percorrer o caminho de Jesus, desde a Sua entrada
messiânica em Jerusalém, até à Sua morte no Calvário. Seguimo-l’O, neste itinerário,
como discípulos: celebrámos com Ele a Ceia Pascal, deixando-nos surpreender pelo dom
do Seu corpo e sangue, que nos deu, sob a forma do pão e do vinho, como o alimento
da nova Aliança; vivemos, com Ele, a densidade da agonia, abraçando com amor todo
o sofrimento do mundo; pedimos-Lhe que com a força do Seu amor nos ensinasse a oferecer
com amor toda a nossa vida; partilhámos do sofrimento de Maria, Sua Mãe, a cujo amor
maternal Ele confiou o nosso caminho de salvação. A celebração da Ressurreição é indesligável
deste itinerário de redenção. A Ressurreição começou por ser o ponto de chegada
do itinerário pessoal de Jesus Cristo, na fidelidade à Sua missão. O autor dos Actos
dos Apóstolos situa-a no termo do itinerário profético de Jesus: “de tudo o que aconteceu
em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do baptismo de João”. Toda a vida
pública de Jesus foi um caminhar para Jerusalém, para a Sua hora, sempre envolvido
pelo amor do Pai, assumindo no dom da Sua vida o infinito amor de Deus pelos homens,
numa fidelidade sem limites. A Ressurreição é a resposta da fidelidade do amor do
Pai para com o Seu Filho: “Por isso Deus O exaltou e Lhe deu o Nome que está acima
de todo o nome” (Fil. 2,9). 2. Ponto culminante da missão redentora de Cristo,
a Sua ressurreição é também a plenitude do nosso caminho de redenção. Se na Sua paixão,
Ele venceu o nosso pecado, na Sua ressurreição Ele resolveu o drama da nossa morte.
A vida do homem só se resolve cabalmente se se decifrar o enigma da morte. A vitória
sobre o pecado tinha de ser prévia à vitória sobre a morte, porque toda a revelação,
desde o Génesis, nos falava de uma relação causal entre o pecado e a morte, talvez
mais exactamente, entre o pecado e a maneira de viver a morte. São Paulo, na Carta
aos Romanos, resume assim toda a tradição bíblica da inter-relação entre o pecado
e a morte: “Assim como por um só homem o pecado entrou no mundo e pelo pecado a morte,
o que fez com que a morte atingisse todos os homens, porque todos pecaram”. Este drama
do pecado e da morte encontrou solução na morte e ressurreição de Jesus Cristo: “Assim,
pois, como a falta de um só arrastou todos os homens para uma condenação, assim a
obra de justiça de um só proporciona a todos uma justificação que dá a vida” (Rom.
5,12.19). O que é que significa esta relação entre o pecado e a morte? Nada, na
Sagrada Escritura, nos sugere que, mesmo que não pecasse, o homem não morreria. A
morte é um processo biológico normal e inevitável, que atinge toda a criação. As consequências
do pecado fizeram-se sentir na dimensão psicológica e espiritual da morte, ou seja,
na maneira de viver a morte. Identifiquemos, pelo que conhecemos da realidade humana,
alguns sintomas destas consequências do pecado: antes de mais, o medo de morrer. Num
quadro de justiça não manchada, a morte seria desejada como passagem para a plenitude
definitiva da vida. O pecado alterou a própria compreensão da vida, a morte aparece
como a negação da vida e por isso é temida. Só recuperando o verdadeiro sentido da
vida, se resgata a morte e se lhe restitui o sentido de passagem para a vida definitiva.
3. O aspecto mais grave desta alteração do sentido da vida e da morte é o deixar
de se acreditar na vida depois da morte. Esta, no seu drama, levou à perda do sentido
da perenidade da vida, à esperança na vida em plenitude e para sempre. Embora não
seja fácil arrancar completamente do coração humano a esperança na vida depois da
morte, há em todos os tempos, e hoje são muitos, homens e mulheres que vivem como
se a vida acabasse na morte, o que altera profundamente o sentido da vida, a maneira
como se vive. A morte e ressurreição de Cristo, porque liberta o homem do pecado,
redime a morte do seu sentido dramático de fim de vida, e volta a dar-lhe o sentido
da passagem para uma vida plena e definitiva. E esta é, para nós, a expressão máxima
da nossa redenção. Como diz Paulo aos Coríntios: “Se Cristo não ressuscitou dos mortos,
a vossa fé é vã e permaneceis ainda nos vossos pecados” (1Cor. 15,17). 4. A ressurreição
de Cristo abre-nos o horizonte da plenitude da vida, que n’Ele e em nós por Ele, se
manifestará na vitória sobre a morte. A morte é vencida, não anulando-a, mas morrendo
bem, “morrendo em Cristo”, sempre na expressão de Paulo. Na segunda leitura desta
celebração, ele escreve aos Colossenses: “Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às
da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando
Cristo, que é a vossa vida, se manifestar, então também vós vos haveis de manifestar
com Ele na glória” (Col. 3,4). A vida de Cristo ressuscitado é participada por
nós, na nossa caminhada de fé e de união ao Senhor, portanto antes da nossa morte
física, mas que significa morte para o pecado. Na morte de Cristo, todos nós, os crentes,
purificados pela Páscoa, já morremos; morremos antes de morrer, o que nos permitirá
abraçar a morte como a manifestação de uma vida “escondida em Deus”. Isto significa
que temos acesso à vida definitiva, à vida plena, como primícias do Reino, antes de
morreremos fisicamente. Na nossa existência de crentes, a nossa morte é tão permanente
como a vida. Quando chegar a hora da nossa morte física, já estamos habituados a morrer,
porque nos foi comunicado o dom da vida definitiva, pela participação na ressurreição
de Cristo. Este processo de vitória sobre a morte, começa na participação na vida
do Ressuscitado e terá a sua plenitude na nossa própria ressurreição, também ela um
dogma da nossa fé. Para Paulo, a relação entre a ressurreição de Cristo e a nossa
própria ressurreição é natural e inevitável: “Se nós pregamos que Cristo ressuscitou
dos mortos, como é que alguns entre vós podem dizer que não há ressurreição dos mortos!
Se não há ressurreição dos mortos, Cristo também não ressuscitou” (1Co. 15,12-13).
5. É por isso que a ressurreição de Cristo é o grande anúncio querigmático dos
Apóstolos e da Igreja primitiva: “Deus ressuscitou-O ao terceiro dia, e permitiu-Lhe
manifestar-Se, não a todo o Povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus”
(Act. 10,40-41). E este é também o anúncio da nossa libertação, da redenção da nossa
morte. A ressurreição de Cristo não é, apenas, a solução justa do seu drama pessoal;
tudo o que Ele viveu, foi por causa de nós, porque na Sua vida se resolvia a nossa
vida. A Sua ressurreição é o triunfo da vida, também para nós. É o anúncio da nossa
própria vitória sobre a morte. O anúncio pascal é feito por testemunhas da ressurreição.
Não é apenas uma verificação positiva, é a esperança testemunhada, baseada na experiência
de convivência com Cristo ressuscitado pelas primeiras testemunhas. Hoje são testemunhas
da ressurreição todos os que experimentaram já, na sua vida, esta vitória sobre a
morte, todos os que são testemunhos da esperança. Celebrar a Páscoa é ser enviado,
sempre de novo, a testemunhar essa esperança. † JOSÉ, Cardeal-Patriarca