CARDEAL VANHOYE: COM SUA MORTE, CRISTO TROUXE DEUS PARA HABITAR NO CORAÇÃO DO HOMEM
Cidade do Vaticano, 15 fev (RV) - Na Antiga Aliança entre Deus e o homem era
impossível uma plena comunicação entre homem e Deus, visto como uma potência da qual
não se podia aproximar. Cristo, morrendo pela humanidade, permitiu-lhe aproximar-se
da casa do Pai. Desde então e até hoje, a estrada para entrar nela é dada pela fé,
pela esperança e pela caridade.
Foram as considerações centrais com as quais
o cardeal jesuíta, Albert Vanhoye, concluiu a leitura meditada da Carta aos Hebreus,
na quinta manhã de exercícios espirituais da Quaresma, pregados para o papa e a Cúria
Romana.
Os cristãos vivem desde sempre uma condição de privilégio em comparação
com a relação do antigo povo judeu com Deus. A condição é a de ter descoberto a proximidade,
a paternidade de Deus e não _ como no Antigo Testamento _ a Sua distante e inamovível
potestade.
O Cardeal Vanhoye explicou que os últimos capítulos _ do décimo
em seguida _ da Carta aos Hebreus, contêm o coração desse assunto. Como cristãos temos
um direito de entrada no santuário celeste _ e não tanto uma "confiança" como afirmam
algumas tradições: temos um direito a fazer parte da família divina, fundada no sangue
derramado por Jesus _ explicou.
E é essa suprema oferta sacrifical que marca
a profunda novidade em relação aos judeus da Antiga Aliança, que com o seu rígido
ritualismo colocavam, ao invés, inúmeros graus de separação entre o homem e Deus:
"Na
Antiga Aliança havia a separação entre o povo e os sacerdotes. O povo jamais era autorizado
a entrar no edifício do templo. Podia ficar somente no pátio. Os sacerdotes tinham
o direito de entrar no edifício. Havia, porém, separação também entre simples sacerdotes
e sumo sacerdote. Os primeiros não podiam entrar na parte mais santa, mas somente
na parte santa do edifício. Havia também a separação entre sacerdote e vítima. O sacerdote
não podia oferecer a si mesmo, não era digno, não era capaz. Portanto, devia oferecer
como vítima um animal, mas um animal não é capaz de santificar o sacerdote. Por fim,
havia a separação entre vítima e Deus. Um animal não pode entrar em comunhão com Deus.
Ora, ao invés, por meio da oferta de Cristo, todos os fiéis têm o direito de entrar
no santuário e não se trata mais do santuário não autêntico, fabricado pelas mãos
do homem, mas do santuário verdadeiro, isto é, trata-se de entrar na intimidade de
Deus."
Portanto, São Paulo afirma a existência não mais da distância, mas da
confidência entre o homem e Deus, adquirida com a morte redentora de Jesus, com a
sua humanidade glorificada. Convida a "aproximar-se" de Deus com coração puro, isto
é, a fazer aquilo que antes era inconcebível e proibido.
Portanto, a Aliança
é "nova" porque aquilo que a morte de Cristo produziu, antes não existia. Diferentemente
do antigo israelita, buscar a vontade de Deus para o cristão não mais significa conformar-se
a um código fixo, mas buscar uma criação contínua.
Sobretudo quem tem responsabilidades
pastorais deve ter consciência disso _ frisou o Cardeal Vanhoye. E sendo a novidade
cristã uma fonte inesgotável, ela deve ser sempre anunciada procurando fundamentá-la
nos três pilares da fé, da esperança e da caridade, e não _ como acontece _ em discursos
de tipo moralizador:
"Por vezes os pregadores cristãos fazem por demais exortações
morais e não suficientemente exortações teologais, que são as mais importantes. O
autor menciona as três virtudes teologais: a fé, a esperança, a caridade. Poderia
ter mencionado as virtudes morais ou cardeais, mas não o fez, porque estas virtudes
não têm uma relação direta com a Nova Aliança. Os judeus se preocupavam, sobretudo,
em observar bem todas as tradições e os mandamentos. Ao invés, o Novo Testamento não
insiste tanto na lei a ser observada, mas exorta a ter fé, esperança e caridade."
Com
a segunda meditação, o pregador jesuíta concluiu a reflexão sobre a Carta aos Hebreus,
ocupando-se da sua solene conclusão, centralizada na Ressurreição e Aliança eterna.
O Cardeal Vanhoye repercorreu os níveis sucessivos de aprofundamento da doutrina cristã,
passados da inicial compreensão da Ressurreição de Jesus como simples restituição
da vida de Deus ao Filho, à Ressurreição como fruto da intervenção do Espírito Santo,
o sopro vital de Deus.
Nesse ponto, o pregador dos exercícios deteve-se sobre
a ligação, evidenciada por São Paulo, entre o espírito vital e o sangue, este último
já considerado sagrado pelos antigos _e pela Bíblia _ porque portador do sopro de
vida.
Uma intuição correta, confirmada pela ciência quando se descobriu que
é o sangue que oxigena o corpo, isto é, que carrega o "sopro" do respiro humano às
células. E de modo análogo à biologia, o Cardeal Vanhoye comparou:
"Como nós
inspiramos o ar da atmosfera para oxigenar o nosso sangue e torná-lo capaz de vivificar
todo o nosso corpo, assim Cristo em sua paixão por meio de uma oração intensa inspirou
o Espírito Santo. Para vencer o medo da morte, Ele rezou, suplicou e recebeu o Espírito
Santo, o qual entrou n'Ele e o impeliu a oferecer a própria vida num dom de amor.
Podemos dizer que na Paixão, o sangue de Cristo embebeu-se do Espírito Santo, adquirindo
a capacidade de comunicar uma vida nova e de fundar a Nova Aliança."
Refletindo
sobre essa nova relação estipulada entre Deus e o homem através de Cristo, São Paulo
tem também ele uma intuição que, segundo o Cardeal Vanhoye, expressa uma verdade do
cristianismo de um ângulo de profundidade jamais afirmada até aquele momento. São
Paulo não auspicia aos cristãos somente que façam a vontade de Deus, mas que Deus
mesmo opere neles aquilo que O agrada. Um ulterior elemento que distingue a Nova da
Antiga Aliança:
"Assim é indicado, parece-me, o elemento mais profundo da Nova
Aliança. O fato que recebemos em nós a própria ação de Deus. Na Antiga Aliança, Deus
prescrevia aquilo que se deveria fazer, o prescrevia mediante uma lei externa. Esse
tipo de Aliança não funcionou, porque o homem não é capaz, sozinho, com as próprias
forças, de fazer a vontade de Deus. Por isso o Senhor quis instituir uma Nova Aliança:
prometeu inscrever a sua lei no coração do homem, dar-lhe um coração novo e dar o
Seu espírito (...) Portanto, a Nova Aliança não consiste somente no receber as leis
de Deus dentro do nosso coração, mas em receber a ação do próprio Deus em nós."
Também
no Evangelho de São João _ recordou o Cardeal Vanhoye _ Cristo fala das suas obras
como um dom do Pai. O mesmo vale para os cristãos, que, aliás, são acompanhados desde
a fundação da Igreja pela certeza, expressa por Jesus, de poder realizar obras até
mesmo maiores do que as d'Ele: ou de melhor realizá-las pelo próprio Cristo mediante
a inteligência, generosidade e dedicação deles. (RL)