Papa sublinha valor da jurisprudência do Tribunal da Rota Romana
(26/1/2008) O valor da jurisprudência da Rota Romana no conjunto da administração
da justiça na Igreja – foi o tema desenvolvido por Bento XVI no discurso pronunciado
neste sábado, na inauguração do Ano Judiciário deste Tribunal Apostólico, de cujoa
restabelecimento pelo Papa São Pio X se celebra agora o centenário. O Santo Padre
recordou que “este Tribunal serve ordinariamente de instância superior no grau de
apelo junto da Sé Apostólica, para tutelar os direitos na Igreja, provê à unidade
da jurisprudência e, através das suas próprias sentenças, ajuda os Tribunais de grau
inferior”.
“As sentenças da Rota Romana possuem um relevância jurídica que
ultrapassa o âmbito imediato das causas em que são emitidas” - observou o Pontífice.
“Qualquer sistema judiciário deve procurar oferecer soluções nas quais, juntamente
com a avaliação prudencial dos casos na sua dimensão concreta irrepetível, se apliquem
os mesmos princípios e normas gerais de justiça”. Isso porque “só assim se cria um
clima de confiança na actuação dos tribunais e se evita a arbitrariedade dos critérios
subjectivos”. Neste contexto, Bento XVI recordou “a exigência de unidade nos
critérios essenciais de justiça e a necessidade de poder prever de modo ponderado
o sentido das decisões judiciárias, que constituem “um bem eclesial público de especial
relevo para a vida interna do Povo de Deus e para o seu testemunho institucional no
mundo”. Em todo o caso, “está claro que o valor da jurisprudência da Rota Romana depende
da sua natureza de instância superior no grau de apelo junto da Sé Apostólica. As
disposições legais que reconhecem tal valor, não o criam, mas apenas o declaram. Esse
valor provém, em última análise, da necessidade de administrar a justiça segundo parâmetros
iguais em tudo o que, precisamente, é em si essencialmente igual”.
O Santo
Padre considerou “impróprio falar de contraposição entre a jurisprudência do Tribunal
da Rota e as decisões dos tribunais locais, os quais estão aliás chamados a uma função
indispensável, tornando imediatamente acessível a administração da justiça, indagando
e resolvendo os casos na sua situação concreta por vezes ligada à cultura e mentalidade
dos povos. Em todo o caso, todas as sentenças devem fundamentar-se nos princípios
e nas normas comuns de justiça”. “Estão em jogo as exigências da comunhão, que implica
a tutela do que é comum na Igreja universal, confiada de modo peculiar à Autoridade
Suprema e aos órgãos que participam ad normam iuris da sagrada potestade”.
Bento XVI, citando uma afirmação do seu predecessor que advertia contra o
risco de uma “mentalidade positivista na compreensão do direito”, exprimiu a preocupação
de que os tribunais eclesiásticos, nos juízos de nulidade dos matrimónios católicos
se afastem progressivamente da doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade matrimonial,
e que, sobre este delicado tema, prevaleçam as “jurisprudências locais”. O Santo Padre
quis, portanto, recordar o que já afirmara no ano passado, sobre “a dimensão intrinsecamente
jurídica do matrimónio”.
“O direito não se pode reduzir a um mero conjunto
de regras positivas que os tribunais estão chamados a aplicar. O único modo de fundar
solidamente a actividade jurisprudencial consiste em concebê-la como uma autêntico
exercício da prudentia iuris, de uma prudência que não é de modo algum arbitrariedade
ou relativismo, pois consente ler nos acontecimentos a presença ou ausência da relação
específica de justiça que é o matrimónio, com a sua real densidade humana e salvífica.
Só desse modo as máximas da jurisprudência adquirem o seu real valor, sem se tornarem
uma compilação de regras abstractas e repetitivas, expostas ao risco de interpretações
subjectivas e arbititrárias”.
A jurisprudência do Tribunal da Rota Romana
deve ser portanto “encarada como obra exemplar de sapiência jurídica, realizada com
a autoridade do Tribunal estavelmente constituído pelo Sucessor de Pedro, para o bem
de toda a Igreja”.
“Na Igreja, precisamente pela sua universalidade e pela
diversidade das culturas jurídicas em que está chamada a actuar, existe sempre o risco
de que se formem… jurisprudências locais cada vez mais distantes da interpretação
comum das leis positivas e até mesmo da doutrina da Igreja sobre o matrimónio. Faço
portanto votos de que se estudem os meios oportunos para tornar a jurisprudência da
Rota Romana cada vez mais claramente unitária, assim como também efectivamente acessível
a todos os agentes da justiça, de modo a assegurar uma aplicação uniforme em todos
os tribunais da Igreja”.