O apelo da Semana da Unidade e o tema escolhido para 2008: “orai sem cessar” (1Tes
5,17)
(16/1/2008) Celebramos, este ano, um século sobre o início da Semana de Oração pela
Unidade dos Cristãos. Nela relembramos o gesto profético de Paul Wattson, que abriu
um fecundo caminho que, ao longo de cem anos, congregou um número crescente de cristãos,
provenientes das mais diversas tradições, em torno da oração pela reconciliação entre
os discípulos e discípulas de Cristo e pela procura incessante e sempre renovada da
unidade desejada pelo mesmo Cristo. Uma unidade na fé, na verdade e na caridade. Uma
unidade no essencial, no respeito pela legítima pluralidade das diferentes tradições.
No rescaldo da III Assembleia Ecuménica Europeia, realizada na cidade romena de
Sibiú de 4 a 9 de Setembro de 2007, este oitavário de oração torna ainda mais actual
o que o cardeal Walter Kasper aí proferiu: "As mãos que se uniram não podem mais ser
separadas". O mesmo repetira já o papa João Paulo II à saciedade, ao afirmar o carácter
irreversível do caminho ecuménico. O mesmo é-nos reafirmado por Bento XVI e o mesmo
foi o sentir dos delegados presentes em Sibiu. Os caminhos aí apontados revelaram
as inúmeras possibilidades de construção e de vivência desta unidade no concreto da
vida das Igrejas e de cada cristão: empenho social, luta pela integridade da criação,
defesa dos direitos humanos, procura de uma civilização mais justa e fraterna, acolhimento
do outro na sua diferença e na sua riqueza… Mas este Oitavário remete-nos para o essencial:
não há unidade dos cristãos sem reconciliação, e esta é obra do Espírito em nós. Aqui,
a oração converte-nos ao desejo que o Espírito grita em nós, abre-nos os horizontes
para perceber a urgência da prece de Jesus para que "todos sejam um", cria em nós
a capacidade de irmos ao encontro do outro numa atitude de verdade e de bondade.
Tradicionalmente,
a Semana de oração pela unidade dos cristãos é celebrada de 18 a 25 de Janeiro. Esta
data foi proposta em 1908 por Paul Wattson de maneira que elas se realizassem no período
entre a festa de São Pedro e a de São Paulo. Assim sendo, esta escolha tem um significado
simbólico. No hemisfério Sul, onde o mês de Janeiro é o período das férias de Verão,
preferiu-se adoptar uma outra data, por exemplo, uma semana próxima do Pentecostes
(sugestão feita pelo movimento Fé e Constituição em 1926), que constitui uma data
simbólica para a unidade da Igreja.
A passagem bíblica escolhida para a celebração
do centésimo aniversário da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos é extraída
da 1ª Carta aos Tessalonicenses. A exortação “orai sem cessar” (1Tes 5,17) sublinha
o papel essencial da oração na vida da comunidade dos fiéis. Pois ela permite aos
seus membros aprofundar a sua relação com Cristo e com os demais irmãos na fé. Esta
passagem faz parte de uma série de “imperativos” e declarações através das quais Paulo
encoraja a comunidade a viver da unidade que Deus nos dá em Cristo, a ser na prática
o que ela é em princípio : o Corpo único de Cristo, visivelmente unido num mesmo lugar.
Paulo nutria grandes esperanças para a Igreja de Tessalónica: a fé, a esperança
e a caridade que não cessavam de crescer nesta cidade, a maneira com que ela havia
acolhido a Palavra apesar dos sofrimentos, e a alegria que ela expressava no Espírito
Santo, tudo concorria para suscitar sua admiração e seus louvores (1Tes 1,2-10). Todavia
ele estava preocupado. A sua saída precipitada não lhe tinha deixado tempo de
consolidar a obra que tinha começado e rumores inquietantes chegavam até ele. Certos
desafios provinham do exterior, sobretudo a perseguição da comunidade e dos seus membros
(1Tes 2,14). Outros eram de natureza interna: alguns membros da comunidade continuavam
a ter comportamentos cada vez mais marcados pela cultura ambiente do que pela nova
vida em Cristo (4,1-8) ; outros criticavam os responsáveis que exerciam a autoridade
e, em consequência o próprio Paulo (cf. 2,3-7,10) ; outros ainda desesperavam-se da
sorte reservada aos que morriam antes do regresso de Cristo. Um dos principais
objectivos de Paulo era edificar esta comunidade na unidade. Nem mesmo a morte pode
cortar os laços que a unem enquanto único corpo de Cristo. Jesus foi morto e ressuscitou
por todos. Assim, quando o Senhor voltar, tanto os que já adormeceram quanto os que
ainda vivem, «vivamos então unidos a ele» (5,10). Isto conduz Paulo a pronunciar
os imperativos que figuram em 1Tes 5,13-18 e formam uma lista de exortações das quais
uma parte foi escolhida para servir de base à Semana de oração deste ano. Esta passagem
se inicia pela exortação que Paulo dirige aos membros da comunidade : “Vivei em paz
entre vós” (5,13b) – paz que não significa simplesmente a ausência de conflitos, mas
a harmonia na qual os dons de cada membro da comunidade contribuem à sua prosperidade
e crescimento. É interessante notar que Paulo não dá nenhum ensinamento teológico
abstracto, nem faz alusão às emoções e aos sentimentos. O apelo “orai sem cessar”
(5,17) faz parte desta lista de imperativos. Isto nos lembra que a vida numa comunidade
cristã só é possível através de uma vida de oração. Paulo mostra ainda que a oração
é parte integrante da vida dos cristãos, precisamente quando eles procuram manifestar
a unidade que lhes é dada em Cristo – uma unidade que não se limita aos acordos doutrinais
e às declarações oficiais, mas que se exprime em “tudo o que contribui à paz” – através
de acções concretas que testemunham a unidade em Cristo, e entre si e que a fazem
crescer.