CONSTERNAÇÃO PELO CANCELAMENTO DA VISITA PAPAL À UNIVERSIDADE ROMANA "LA SAPIENZA"
Cidade do Vaticano, 16 jan (RV) - Bento XVI cancelou, nesta terça-feira, sua
anunciada visita à Universidade romana "La Sapienza", em virtude dos protestos de
alunos e professores. É a primeira vez, em seu pontificado, que ele se vê forçado
a cancelar um evento devido a manifestações negativas. Bento XVI havia sido convidado
pelo magnífico reitor da Universidade, para a inauguração do ano acadêmico, dedicado
"ao compromisso de abolir a pena de morte no mundo".
A Santa Sé "considerou
oportuno cancelar a visita do papa à Universidade "La Sapienza", devido aos acontecimentos
registrados nos últimos dias" _ afirma o comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé.
O protesto teve início com um abaixo-assinado de 67 membros do corpo docente
da "La Sapienza", no qual alegavam que o papa não seria bem-vindo, por ser um teólogo
que coloca a religião acima da ciência.
O grupo citou um discurso proferido
há quase duas décadas, na mesma Universidade, pelo então Cardeal Joseph Ratzinger,
no qual ele parecia justificar o julgamento de Galileu, ocorrido no século XVII. Galileu
foi considerado herege, por ter defendido a teoria heliocêntrica (a Terra gira em
torno do Sol) num momento em que se acreditava no geocentrismo (a Terra é que era
o centro do Universo).
Os universitários da "La Sapienza" ocuparam a Reitoria
e lançaram uma "semana anticlerical", com a projeção de um filme sobre Galileu e um
"almoço social, com vinho e carne de porco" para protestar contra a visita papal. Em
virtude do crescente clima de tensão gerado pelos protestos, Bento XVI decidiu não
participar do ato, organizado por ocasião da inauguração do ano acadêmico, e vai se
limitar a enviar o discurso que deveria proferir, como consta da nota da Sala de Imprensa
da Santa Sé.
A "La Sapienza" foi fundada há 705 anos, por Bonifácio VIII. O
magnífico reitor, Renato Guarini, que convidou Bento XVI, disse que o incidente serve
para levar católicos e ateus a refletirem.
Em 2006, Bento XVI já havia atraído
protestos, por causa de uma citação num seu discurso, proferido na Universidade alemã
de Regensburg, quando citou um imperador bizantino do século XIV, para quem, o Islã
era "uma religião que se baseia na violência". O discurso provocou violentos protestos
no mundo islâmico, e o papa, sucessivamente, explicou que se tratara de um "mal-entendido".
O anuncio do cancelamento da visita do papa à Universidade romana gerou algumas
manifestações de apoio ao pontífice, por parte não só de setores da Igreja, mas também
da política e da sociedade civil.
A presidência da Conferência Episcopal Italiana
divulgou uma nota de solidariedade a Bento XVI, na qual afirma que o episódio foi
"uma grave rejeição, que manifesta intolerância antidemocrática e fechamento cultural".
"Desejamos que através da recuperação da identidade cultural e da função educativa
da Universidade, a vida do ateneu possa retomar a forma ordenada, que permita o aprendizado
e o confronto cultural, a serviço da pessoa e da sociedade" _ conclui a nota.
A
Ação Católica Italiana também emitiu uma nota sobre o caso, afirmando que o mundo
católico não deve ceder, nesta queda de braço. O texto questiona ainda, se a Universidade
não deveria ser o local do "saber livre e ilimitado".
O primeiro-ministro da
Itália, Romano Prodi, afirmou que "nenhuma voz se deve calar" na Itália "e muito menos
a do papa". Prodi disse que condena os gestos, as declarações e as atitudes que, segundo
ele, provocaram uma tensão inaceitável e um clima que não faz honra às outras tradições
de civilização e de tolerância da Itália.
Por sua vez, o presidente da Itália,
Giorgio Napolitano, enviou uma carta especial ao papa, que ainda não foi divulgada.
Enquanto o ex-primeiro-ministro, Silvio Berlusconi, aproveitou a oportunidade para
acusar o Estado que, segundo ele, "não se demonstra capaz de garantir a liberdade
de expressão à máxima autoridade religiosa".
O Nobel de Literatura, Dario Fo,
crítico contumaz da Igreja, também defendeu o direito do papa à expressão. Dario Fo
afirma que é "contra toda e qualquer forma de censura, porque o direito de expressão
é sagrado". (CM/JD/AF)