2008-01-07 13:14:47

Esperança e empenho comum a favor de toda a família humana: Bento XVI ao Corpo Diplomático


(7/1/2008) “A diplomacia é, de certo modo, a arte da esperança. A diplomacia deve dar esperança” – recordou Bento XVI, ao receber, nesta segunda-feira de manhã, o Corpo diplomático que representa, junto da Santa Sé, 176 diferentes países do mundo. No discurso pronunciado neste solene encontro de início de Janeiro para a apresentação dos votos de Ano Novo, o Papa passou em revista as maiores situações de crise através do mundo, recordando a necessidade de satisfazer “as legítimas expectativas de todos, como o acesso à alimentação, à água e à energia, à medicina e à tecnologia, e o controle das mutações climáticas”. Perante acontecimentos trágicos como as catástrofes naturais, o Santo Padre sublinhou a necessidade de “um empenho comum e forte”: “a medida da humanidade determina-se essencialmente na sua relação com o sofrimento e com quem sofre” – observou.
Bento XVI recordou os sessenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos assegurando que a Santa Sé não se cansará de reafirmar estes princípios e estes direitos fundamentais. Mas não deixou de observar que “o direito só poderá ser uma força eficaz da paz se os seus fundamentos permanecerem solidamente ancorado no direito natural, dado pelo Criador”.

A iniciar o seu discurso, numa discreta alusão à China continental, Bento XVI evocou “as nações que ainda não mantêm relações diplomáticas com a Santa Sé”, assegurando que estas “têm também um lugar no coração do Papa”, pois “a Igreja está profundamente convicta que a humanidade constitui uma família”.
Referindo a sua viagem ao Brasil, na abertura da Conferência Geral do CELAM, o Papa evocou “a alegria de encontrar os representantes da grande família que é a Igreja na América Latina e Caraíbas”, fazendo votos a favor de “uma crescente cooperação entre os povos da América Latina e, em cada um dos países que a compõem, o abandono das tensões internas para que possam convergir nos grandes valores inspirados pelo Evangelho”. Bento XVI mencionou expressamente Cuba, a 10 anos da visita pastoral de João Paulo II, levando então “uma mensagem de esperança que nada perdeu da sua actualidade” – sublinhou.

Na panorâmica sobre os “pontos quentes” do mundo, Bento XVI partiu do Médio Oriente, evocando a recente Conferência de Annapolis, que teria dado sinais do desejo de que se abandonem o recurso a soluções parciais ou unilaterais, a favor de uma abordagem global, respeitadora dos direitos e interesses dos povos da região”. E lançou um apelo:

“Uma vez mais faço apelo aos Israelitas e aos Palestinianos, para que concentrem as suas energias na concretização dos compromissos assumidos naquela ocasião e que não interrompam o processo em boa hora posto em movimento. Convido a comunidade internacional a apoiar estes dois povos, com convicção e compreensão pelos sofrimentos e receios de cada um deles”.

Relativamente ao Líbano, o Papa exprimiu o voto de que “os libaneses possam decidir livremente o seu destino” e afirmou pedir ao Senhor “que os ilumine, a começar pelos responsáveis da vida pública, a fim de que, pondo de lado os interesses particulares, estejam prontos a comprometer-se no caminho do diálogo e da reconciliação”.
Passando ao Iraque, reafirmada a urgência da reconciliação, perante os atentados, ameaças e violências que prosseguem, nomeadamente contra a comunidade cristã. O Papa advertiu para a necessidade de uma reforma constitucional que salvaguarde os direitos das minorias; e de que se assegurem importantes ajudas humanitárias às populações tocadas pela guerra.
Bento XVI encorajou “a prosseguir incansavelmente a via diplomática para resolver a questão do programa nuclear iraniano, negociando de boa fé, adoptando medidas destinadas a aumentar a transparência e a confiança recíprocas, tendo sempre em conta as autênticas necessidades dos povos e o bem comum da família humana”.

Ainda no continente asiático, o Papa referiu as crises que afectam o Paquistão, Afganistão, Sri-Lanka e Myanmar (Birmânia). Sobre o Paquistão, “duramente atingido pela violência nos últimos meses”, fez votos de que “as forças políticas e sociais se empenhem na construção de uma sociedade pacífica que assegure os direitos de todos”. Para o Afganistão, recordou a necessidade de um maior apoio aos esforços de desenvolvimento, para construir um futuro de serenidade.

Passando à África, Bento XVI começou por exprimir o seu “profundo sofrimento ao constatar que a esperança foi praticamente derrotada pelo sinistro cortejo de fome e de morte que prossegue no Darfur”. “De todo o coração desejo que a operação conjunta das Nações Unidas e da União Africana leve a necessária ajuda e reconforto, às populações afectadas” – declarou o Papa. Referidas as dificuldades que subsistem, no processo de paz, na República Democrática do Congo, sobretudo nas regiões orientais, junto dos Grandes Lagos, mas também na Somália, em particular na capital Mogadiscio. O Papa faz “apelo às partes em conflito para que cessem as operações militares, facilitem a passagem da ajuda humanitária e respeitem os civis”. Especial referência mereceu “o Quénia, que conheceu nestes últimos dias uma brusca erupção de violência”. Bento XVI associa-se ao apelo lançado no passado dia 2 pelos Bispos católicos do país:

“Convido todos os habitantes, em particular os responsáveis políticos, a procurarem através do diálogo uma solução pacífica assente na justiça e na fraternidade. A Igreja católica não é indiferente aos gemidos de dor que se elevam nestas regiões. Faz seus os pedidos de ajuda dos refugiados e deslocados e empenha-se em favorecer a reconciliação, a justiça e a paz”.

Terminando pela Europa, Bento XVI reafirmou o “contributo essencial” que “a Igreja Católica pode e deve dar à unificação” do continente. Formulando um juízo positivo sobre o “Tratado de Lisboa”, o Papa afirmou seguir atentamente o período aberto com a respectiva assinatura:

“Esta etapa relança o processo de construção da casa Europa, a qual só será para todos um lugar bom para aí viver, se estiver construída sobre uma sólida base cultural e moral de valores comuns provenientes da nossa história e das nossas tradições”.

Sobre os progressos realizados nos diferentes países balcânicos, o Papa congratulou-se, acrescendo porém palavras circunstanciadas sobre a questão do Kosovo:

“Mais uma vez exprimo o desejo de que o estatuto definitivo do Kosovo tome em consideração as legítimas revindicações das partes em presença, garantindo a todos os que habitam esta terra segurança e respeito dos seus direitos, para que se afaste definitivamente o espectro das confrontações violentas e se reforce a estabilidade europeia”.

Em relação a Chipre, Bento XVI evocou “com alegria” a visita, em Junho passado, do arcebispo local, Crisóstomos II, exprimindo “o desejo e a esperança de que, no contexto da União Europeia, não se poupem esforços para encontrar uma solução a uma crise que dura já desde há demasiado tempo”.

Quase a concluir o seu discurso, no final da panorâmica internacional esboçada, Bento XVI exprimiu um parecer global sobre a situação que se vive no mundo:

“Permanecem frágeis a segurança e a estabilidade do mundo. São diversos os factores de preocupação. Contudo, todos eles testemunham que a liberdade humana não é absoluta; trata-se de um bem partilhado, cuja responsabilidade toca a todos.”

O Papa referiu como elementos fundamentais a ordem e o direito, observando porém:

“O direito só pode ser uma força eficaz de paz se os seus fundamentos permanecerem solidamente ancorados no direito natural, dado pelo Criador. É por isso que nunca se pode excluir Deus do horizonte do homem e da história. O nome de Deus é um nome de justiça, representa um premente apelo à paz”.

Nesta óptica, Bento XVI referiu o diálogo intercultural e inter-religioso que, sublinhou, “estimula a colaboração sobre temas de interesse mútuo, como a dignidade da pessoa humana, a busca do bem comum, a construção da paz e o desenvolvimento”. Mas existem condições para que assim seja:

“Para ser verdadeiro, este diálogo (intercultural e inter-religioso) deve ser claro, evitando relativismos e sincretismos, mas sim animado por um sincero respeito dos outros e por um espírito de reconciliação e de fraternidade”.

Neste contexto, o Papa não deixou de evocar a carta recebida, a 13 de Outubro passado, da parte de 138 personalidades muçulmanas, renovando a sua “gratidão pelos nobres sentimentos aí expressos”.

Recordando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada há sessenta anos, Bento XVI assegurou o apoio da Santa Sé a estes princípios e direitos:

“Pela sua parte, a Santa Sé não se cansará de reafirmar os princípios e os direitos que assentam sobre o que é permanente e essencial à pessoa humana. É um serviço que a Igreja deseja prestar à verdadeira dignidade do homem, criado à imagem de Deus. Partindo precisamente destas considerações, não posso deixar de deplorar uma vez mais os contínuos ataques perpetrados, em todos os continentes, contra a vida humana”.

A este propósito, o Papa observou que “as novas fronteiras da bioética não impõem uma escolha entre ciência e moral; exigem, isso sim, um uso moral da ciência”.
Congratulando-se com a adopção, no passado dia 18 de Dezembro, da parte da Assembleia geral das Nações Unidas, de uma resolução apelando os Estados a adoptarem uma moratória sobre a aplicação da pena de morte, Bento XVI fez votos de que “tal iniciativa estimule o debate público sobre o carácter sagrado da vida humana”.

“Deploro uma vez mais os preocupantes atentados à integridade da família, fundada sobre o casamento entre um homem e uma mulher. Todos os responsáveis da política deveriam defender esta instituição fundamental, célula de base da sociedade”.

O Papa exprimiu também preocupação pelas violações à liberdade religiosa, “exigência inalienável da dignidade de cada homem e pedra angular no edifício dos direitos humanos”. “A Santa Sé defende-a e pede o respeito da mesma, da parte de todos” e “está preocupada pelas discriminações contra os cristãos e contra os fiéis de outras religiões” – acrescentou.

Quase a concluir, o Papa sublinhou ainda que “a paz não pode ser apenas uma mera palavra ou uma aspiração ilusória”:

“A paz é um compromisso e um modo de vida que exigem que se satisfaçam as expectativas legítimas de todos, como o acesso à alimentação, à água e à energia, à medicina e à tecnologia, assim como ao controle das alterações climáticas. Só assim se pode construir o futuro da humanidade; só assim se favorece o desenvolvimento integral para hoje e para amanhã”.

Fazendo sua “a expressão particularmente feliz” forjada há quarenta anos por Paulo VI na Encíclica “Populorum Progressio” – “o desenvolvimento é o novo nome da paz”, observou Bento XVI:

“Para consolidar a paz, é preciso que os resultados macroeconómicos positivos obtidos em 2007 por numerosos países em vias de desenvolvimento sejam apoiados por políticas sociais eficazes e pela concretização de empenhos de assistência da parte dos países ricos”.

Foi mesmo a concluir este discurso do Ano Novo de 2008, ao Corpo Diplomático que o Papa referiu a diplomacia como “a arte da esperança”:

“A diplomacia é, de certa maneira, a arte da esperança. Ela vive da esperança e procurar entrever até mesmo os seus mais ténues sinais. A diplomacia deve dar esperança. Todos os anos a celebração do Natal vem-nos lembrar que, quando Deus se fez criancinha, a Esperança veio habitar no mundo, no coração da família humana. Esta certeza torna-se hoje oração: que Deus abra o coração dos que governam a família dos povos (para acolherem) a Esperança que nunca desilude!”










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