(2/1/2008) Já houve uma festa assim. E, depois, tudo ficou pelo caminho. Refiro-me
à questão do novo Tratado europeu. O Tratado Constitucional, ou a chamada "Constituição
Europeia", foi festivamente assinado no final de 2004 em Roma, era então primeiro-ministro
Santana Lopes. A solenidade seguia-se a um longo processo iniciado na própria noite
em que se acordou o Tratado de Nice, em Dezembro de 2000, passando pela Convenção
Europeia que trabalhou em 2002 e 2003, pela Conferência Intergovernamental (CIG) sem
sucesso na presidência italiana no 2º semestre de 2003 e, finalmente, pelo acordo
geral alcançado na presidência irlandesa no 1º semestre de 2004. A festa oficial
feita em Roma com a assinatura do Tratado Constitucional parecia sólida, insusceptível
de frustrações. E todavia… poucos meses depois, em meados de 2005, era o fracasso
diante dos referendos em França e na Holanda, países fundadores das Comunidades Europeias.
As cautelas, por isso, justificam-se plenamente com o Tratado de Lisboa. Não chega
a assinatura. É essencial a ratificação por todos os 27 Estados-membros da União Europeia.
Essa será, sem dúvida, a questão mais importante, no plano institucional e político,
do ano europeu em 2008. Disso depende, afinal, que o Tratado possa entrar em vigor
em 1 de Janeiro de 2009. E que possa estar já em aplicação, aquando das eleições para
o Parlamento Europeu em Junho de 2009, como tinha sido a meta lançada pela chanceler
alemã Angela Merkel, ao relançar a prioridade do novo Tratado Reformador. Será
lamentável, nesse quadro, se Portugal não fizer o prometido referendo europeu: primeiro,
porque é essencial que façamos aquele debate europeu que é indispensável a vencermos
a "periferia mental" em que ainda nos arrastamos colectivamente quanto às questões
europeias; segundo, porque vencer essa "periferia mental" é condição do nosso sucesso
nacional no quadro europeu comunitário; terceiro, porque as questões que Maastricht
abriu em 1992 e que o Tratado de Lisboa leva muitíssimo mais longe, em termos de União
Política e de intensidade da integração europeia, recomendam uma legitimação mais
profunda, no plano político e social, do que um simples carimbo parlamentar; quarto,
porque foi prometido por todos e democracia não pode ser sinónimo de fraude; quinto,
porque a integração europeia constrói-se em base de areias movediças, se avançar sistematicamente
naquilo que Adriano Moreira chama de "democracia furtiva" e Romano Prodi, quando presidente
da Comissão Europeia, elogiou como a "ambiguidade construtiva"; e, sexto, porque acredito
que o "Sim" ganharia com segurança. Uma das coisas mais deploráveis nas actuais
lideranças europeias é esta patética "demofobia", o medo do povo, o pavor da expressão
popular directa. Foi isso que levou a optar pelo modelo de um Tratado em versão de
tabelião, cheio de remissões, com redacção cifrada e claramente consciente da sua
"ilegibilidade". E é isso também que, abundando até nessa alegada "tecnicidade", leva
a recusar, agora, qualquer referendo. É um gravíssimo erro, de fundo e de forma.
Estas lideranças europeias, apavoradas com o espectro dos referendos francês e holandês,
não prestam bom serviço à Europa se não se libertarem dessa "demofobia" e não forem
capazes de ousar, com convicção e segurança, a defesa e afirmação do que contrataram
no novo Tratado de Lisboa. Essa União Europeia será bem mais frágil do que precisamos.
E poderia mesmo tropeçar logo no referendo irlandês, que, esse, é inevitável. Quanto
mais medo as lideranças europeias continuarem a exibir diante da possibilidade de
referendos, tanto pior poderão resultar as coisas naqueles que se fizerem: a Irlanda,
ao menos. O referendo europeu em Portugal, ao contrário do que tem sido o discurso
dominante, entre nós e na Europa, poderia justamente ser uma prova de confiança: aquela
ousadia que falta para consolidar o processo do Tratado de Lisboa. Para que, chegados
ao final de 2008, a sua ratificação geral esteja realmente confirmada e plenamente
legitimada. No mais, duas outras questões dominarão a realidade europeia em 2008:
no plano económico, caberá ver em que termos resistirá (e reagirá?) a economia europeia
à crise que se iniciou nos Estados Unidos da América e continua a arrastar-se; e,
no plano social, as questões ligadas à imigração continuarão a ser o desafio (e a
interpelação) mais flagrante. Ano de incertezas, portanto. José Ribeiro e Castro,
Deputado no Parlamento Europeu ( em Ecclesia)