"Construir caminhos de comunhão", é a palavra de ordem para a Igreja em Portugal,
indicada aos Bispos Portugueses por Bento XVI no final da visita "ad limina Apostolorum
Senhor Cardeal Patriarca, Amados Bispos portugueses! Sinto grande
alegria em receber-vos hoje na Casa de Pedro, pela força de Deus sólido pilar daquela
ponte que sois chamados a ser e a estabelecer entre a humanidade e o seu destino supremo,
a Santíssima Trindade. Oito anos depois da vossa última Visita ad Limina, encontrais
modificado o rosto de Pedro mas não o coração nem os braços que vos acolhem e confirmam
na força de Deus que nos sustenta e irmana em Cristo Senhor: «Graça e paz vos sejam
dadas em abundância» (1 Ped 1, 2). Com estas palavras de boas-vindas, a todos
saúdo, agradecendo ao presidente da Conferência Episcopal, Dom Jorge Ortiga, o esboço
feito da vida e situação das vossas dioceses e os devotados sentimentos que me exprimiu
em nome de todos e que retribuo com vivo afecto e a certeza das minhas orações por
vós e quantos estão confiados à vossa solicitude pastoral. Amados Bispos de Portugal,
cruzastes a Porta Santa do Jubileu do ano 2000 à cabeça da peregrinação dos vossos
diocesanos, convidando-os a entrar e permanecer em Cristo como a Casa dos seus desejos
mais profundos e verdadeiros, ou seja, a Casa de Deus, e a medir até onde já se fizeram
realidade tais desejos, isto é, até onde a vida e o ser de cada um encarna o Verbo
de Deus, à semelhança de São Paulo que dizia: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que
vive em mim» (Gal 2, 20). Indicador concreto dessa encarnação: o transbordar
para os outros da vida de Cristo que irrompe em mim. É que «eu não posso ter Cristo
só para mim; posso pertencer-Lhe apenas unido a todos aqueles que se tornaram ou hão-de
tornar Seus. (…) Tornamo-nos “um só corpo”, fundidos todos numa única existência»
(Carta enc. Deus caritas est, 14). Este «corpo» de Cristo que abraça a humanidade
de todos os tempos e lugares é a Igreja. Prefiguração desta viu-a Santo Ambrósio naquela
«terra santa» indicada por Deus a Moisés: «Tira as tuas sandálias dos pés, porque
o lugar em que estás é uma terra santa» (Ex 3, 5); e lá, mais tarde, foi-lhe
ordenado: «Tu, porém, permanece aqui comigo» (Dt 6, 31) – ordem esta, que o
Santo Bispo de Milão actualiza para os fiéis nestes termos: «Tu permaneces comigo
[com Deus], se permaneces na Igreja. (…) Permanece, pois, na Igreja; permanece onde
te apareci; aí Eu estou contigo. Onde está a Igreja, aí encontras o ponto de apoio
mais firme para a tua mente; onde te apareci na sarça ardente, aí está o alicerce
da tua alma. De facto, Eu te apareci na Igreja, como outrora na sarça ardente. Tu
és a sarça, Eu o fogo; fogo na sarça, sou Eu na tua carne. Por isso, Eu sou fogo:
para te iluminar, para destruir os teus espinhos, os teus pecados, e te manifestar
a minha benevolência» (Epistulæ extra collectionem: Ep. 14, 41-42).
Estas palavras bem traduzem a vivência e o apelo deixado por Deus aos peregrinos do
Grande Jubileu. Neste momento, quero convosco dar graças a Cristo Senhor pela
grande misericórdia que usou para com a sua Igreja peregrina em Portugal nos dias
do Ano Santo e nos anos sucessivos permeados do mesmo espírito jubilar, que vos fez
olhar, sem medo, limitações e falhas que vos deixaram à míngua de pão e tomar o caminho
de regresso à Casa do Pai, onde há pão em abundância. De facto, sente-se perdurar
o mesmo clima do Jubileu em numerosas iniciativas por vós tomadas nos anos imediatos:
o recenseamento geral da prática dominical, o retomar a caminhada sinodal feita ou
a fazer, a convocação em mais do que uma diocese da statio eucarística ou da
missão geral segundo modalidades novas e antigas, a realização nacional do encontro
de movimentos e novas comunidades eclesiais e do congresso da família, a vontade de
servir o homem consignada pela Igreja e o Estado numa nova Concordata, a aclamação
da santidade exemplar na pessoa de novos Beatos… Neste longo peregrinar, a confissão
mais frequente nos lábios dos cristãos foi a falta de participação na vida comunitária,
propondo-se encontrar novas formas de integração na comunidade. A palavra de ordem
era, e é, construir caminhos de comunhão. É preciso mudar o estilo de organização
da comunidade eclesial portuguesa e a mentalidade dos seus membros para se ter uma
Igreja ao ritmo do Concílio Vaticano II, na qual esteja bem estabelecida a função
do clero e do laicado, tendo em conta que todos somos um, desde quando fomos baptizados
e integrados na família dos filhos de Deus, e todos somos corresponsáveis pelo crescimento
da Igreja. Esta eclesiologia da comunhão na senda do Concílio, à qual a Igreja
portuguesa se sente particularmente interpelada na sequência do Grande Jubileu, é,
meus amados Irmãos, a rota certa a seguir, sem perder de vista eventuais escolhos
tais como o horizontalismo na sua fonte, a democratização na atribuição dos ministérios
sacramentais, a equiparação entre a Ordem conferida e serviços emergentes, a discussão
sobre qual dos membros da comunidade seja o primeiro (inútil discutir, pois o Senhor
Jesus já decidiu que é o último). Com isto não quero dizer que não se deva discutir
acerca do recto ordenamento na Igreja e sobre a atribuição das responsabilidades;
sempre haverá desequilíbrios, que exigem correcção. Mas tais questões não nos podem
distrair da verdadeira missão da Igreja: esta não deve falar primariamente de si mesma,
mas de Deus. Os elementos essenciais do conceito cristão de «comunhão» encontram-se
neste texto da primeira Carta de São João: «O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos,
para que também vós tenhais comunhão connosco. Quanto à nossa comunhão, ela é com
o Pai e com seu Filho Jesus Cristo» (1, 3). Sobressai aqui o ponto de partida da comunhão:
está na união de Deus com o homem, que é Cristo em pessoa; o encontro com Cristo cria
a comunhão com Ele mesmo e, n’Ele, com o Pai no Espírito Santo. Vemos assim – como
escrevi na primeira Encíclica – que, «ao início do ser cristão, não há uma decisão
ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa [Jesus
Cristo] que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo» (Deus
caritas est, 1); a evangelização da pessoa e das comunidades humanas depende,
absolutamente, da existência ou não deste encontro com Jesus Cristo. Sabemos que
o primeiro encontro pode revestir-se duma pluralidade de formas, como o demonstram
inúmeras vidas de Santos (a apresentação destas faz parte da evangelização, que deve
ser acompanhada por modelos de pensamento e de conduta), mas a iniciação cristã da
pessoa passa, normalmente, pela Igreja: a presente economia divina da salvação requer
a Igreja. À vista da maré crescente de cristãos não praticantes nas vossas dioceses,
talvez valha a pena verificardes «a eficácia dos percursos de iniciação actuais, para
que o cristão seja ajudado, pela acção educativa das nossas comunidades, a maturar
cada vez mais até chegar a assumir na sua vida uma orientação autenticamente eucarística,
de tal modo que seja capaz de dar razão da própria esperança de maneira adequada ao
nosso tempo» (Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis, 18). Amados
Bispos de Portugal, há quatro semanas encontrastes-vos no Santuário de Fátima com
o Cardeal Secretário de Estado que lá enviei como meu Legado Especial no encerramento
das celebrações pelos 90 anos das Aparições de Nossa Senhora. Apraz-me pensar em Fátima
como escola de fé com a Virgem Maria por Mestra; lá ergueu Ela a sua cátedra para
ensinar aos pequenos Videntes e depois às multidões as verdades eternas e a arte de
orar, crer e amar. Na atitude humilde de alunos que necessitam de aprender a lição,
confiem-se diariamente, a Mestra tão insigne e Mãe do Cristo total, todos e cada um
de vós e os sacerdotes vossos directos colaboradores na condução do rebanho, os consagrados
e consagradas que antecipam o Céu na terra e os fiéis leigos que moldam a terra à
imagem do Céu. Sobre todos implorando, pelo valimento de Nossa Senhora de Fátima,
a luz e a força do Espírito, concedo-lhes a minha Bênção Apostólica.