"A nossa fé opõe-se à resignação de considerar o homem incapaz da verdade. Esta resignação
perante a verdade é o núcleo central da crise do Ocidente, da crise da Europa": Bento
XVI na Missa em Mariazell
Na manhã deste sábado Bento XVI, deslocou-se ao Santuário mariano de Mariazell,
local de peregrinação para os fiéis austríacos e de toda a Europa central. Este
é aliás o destino da "peregrinação" de três dias do Papa à Áustria, por ocasião dos
850 anos do Santuário. O Papa chegou a esta pequena estação de montanha, a 870
metros de altura, por ocasião da festa litúrgica da Natividade da Virgem Maria (8
de Setembro). À imagem do que aconteceu ontem, na capital austríaca, milhares de pessoas
juntaram-se à celebração, apesar da chuva que continua a cair copiosamente. O
mau tempo obrigou mesmo a alterar a viagem desde Viena, realizada por automóvel e
não por helicóptero, como estava previsto. Mariazell, com cerca de dois mil habitantes,
é um santuário construído no coração da Áustria, 160 quilómetros a sudoeste de Viena,
recebendo um milhão de habitantes por ano, provenientes da Áustria, da Hungria, da
República Checa, Eslováquia, Eslovénia e Croácia . Bento XVI centrou a primeira
parte da sua homilia sobre a atitude do peregrino, a caminho de uma meta, numa atitude
de busca e de expectativa, com um “coração inquieto e aberto”. Só assim – advertiu
– é possível o impulso em direcção à fé cristã. O Evangelho da festa mariana deste
dia 8 de Setembro, com a genealogia que desde Abraão conduz a José mostre bem que
Deus é fiel, não obstante as sombras e infidelidades de algumas das figuras que emergem
na história de Israel, história que constitui uma autêntica peregrinação que conduz
a Cristo.
“O impulso para a fé cristã, o início da Igreja de Jesus Cristo
foi possível porque havia em Israel pessoas com um coração em busca – pessoas que
não se contentaram com a rotina de cada dia mas perscrutaram ao longe em busca de
algo maior: Zacarias, Isabel, Simeão, Ana, Maria e José, os doze e muitos outros.
Porque os seus corações estavam em atitude de espera, podiam reconhecer em Jesus Aquele
que Deus tinha mandato e tornar-se assim o início da sua família universal. A
Igreja dos gentios tornou-se possível porque tanto na área do Mediterrâneo como também
no próximo e no médio Oriente, onde iam chegando os mensageiros de Jesus Cristo, havia
pessoas em expectativa que não se contentavam com o que todos faziam e pensavam, mas
procuravam a estrela que lhes podia indicar o caminho para a própria Verdade, para
o Deus vivo. É deste coração inquieto e aberto que temos necessidade. É este
o núcleo da peregrinação”.
O Papa sublinhou que “também hoje não basta ser
e pensar de um modo qualquer, como todos os outros. O projecto da nossa vida vai mais
longe. Temos necessidade de Deus, daquele Deus que mostrou o seu rosto e abriu o seu
coração: Jesus Cristo”. “Só Ele é a ponte que põe em contacto imediato Deus e o homem”. “Se
nós O chamamos único Mediador da salvação, válido para todos, que a todos diz respeito
e do qual, em última análise, todos têm necessidade – esclareceu o Papa - isto de
modo nenhum significa desprezo das outras religiões nem absolutização soberba do nosso
pensamento, mas só o facto de estarmos conquistados por Aquele que nos tocou interiormente
e nos encheu de dons, para que nós pudéssemos por nossa vez transmiti-los aos outros”.
“De
facto, a nossa fé opõe-se decididamente à resignação que considera o homem incapaz
da verdade – como se esta fosse demasiado grande para ele. Esta resignação perante
a verdade é o núcleo da crise do Ocidente, da Europa. Se para o homem não existe uma
verdade, ao fim e ao cabo ele não pode sequer distinguir o bem do mal. E então tornam-se
ambíguos os grandes e maravilhosos conhecimentos da ciência: podem abrir perspectivas
para o bem, para a salvação do homem, mas também tornar-se uma terrível ameaça, a
destruição do homem e do mundo. Temos necessidade da verdade”.
Recordando
o lema desta sua peregrinação ao santuário de Mariazell, na celebração dos 850 anos
da sua criação – “Olhar para Cristo” – o Papa observou que, “para o homem em busca,
este convite transforma-se num pedido dirigido a Maria “Mostra-nos Jesus”. “Rezemos
hoje assim com todo o coração… interiormente, procurando o Rosto do Redentor – exortou.
E Maria responde-nos, apresentando-nos antes de mais Jesus menino.
“Deus fez-se
pequeno para nós. Deus não vem com força exterior, mas vem na impotência do seu amor,
que constitui a sua força. Ele coloca-se nas nossas mãos. Pede o nosso amor. Convida-nos
a tornarmo-nos também nós pequenos, a descer dos nossos altos tronos e aprender a
ser crianças diante de Deus. Ele oferece-nos o Tu. Pede-nos que confiemos n’Ele e
que aprendamos assim a estar na verdade e no amor”.
“O Menino Jesus – acrescentou
o Papa, neste contexto – recorda-nos naturalmente todas as crianças do mundo, nas
quais Ele quer vir ao nosso encontro: as crianças que vivem na pobreza; as que são
exploradas como soldados; que nunca puderam experimentar o amor dos pais; as crianças
doentes e que sofrem, mas também as crianças felizes e sãs”.
“A Europa
tornou-se pobre de crianças: queremos tudo para nós, e provavelmente não confiamos
suficientemente no futuro. Mas privada de futuro será a terra só quando se extinguirem
as forças do coração humano e da razão iluminada pelo amor – quando o rosto de Deus
já não resplender sobre a terra. Onde há Deus, há futuro”.
Quase a concluir
a sua homilia da Missa celebrada neste sábado de manhã em Mariazell, Bento XVI convidou
a contemplar também Cristo crucificado. Observando que “Deus redimiu o mundo não mediante
a espada mas a Cruz”, comentou o gesto dos braços abertos de Jesus crucificado.
“É
antes de mais o gesto da Paixão, em que Ele se deixa pregar por nós, para nos dar
a sua vida. Mas os braços estendidos são ao mesmo tempo a atitude de quem reza… Jesus
transformou a paixão – sofrimento e morte – em oração, num acto de amor a Deus e aos
homens. Por isso os braços estendidos são, afinal, também um gesto de abraço, com
que Ele nos quer atrair a Si, apertar-nos nas mãos do seu amor. Ele é assim a imagem
do Deus vivo, é o próprio Deus, podemos confiar n’Ele”
Uma última palavra
da sua homilia, reservou-a o Papa à vida moral, a viver em relação de amizade com
Deus.
“O cristianismo é algo de mais e de diferente de um sistema moral,
de uma série de exigências e de leis. É o dom de uma amizade que perdura na vida e
na morte. ‘Já não vos chamo servos mas amigos’ – diz o Senhor aos seus. É nesta amizade
que nós confiamos. Mas precisamente porque o cristianismo é mais do que uma moral,
precisamente porque é o dom de uma amizade, é por isso que leva em si também uma grande
força moral de que nós, perante os desafios do nosso tempo, tanta necessidade temos”.