(20/6/2007) Neste dia 20 de Junho assinala-se pelo sétimo ano consecutivo o Dia Mundial
do Refugiado instituído pela ONU. Algumas organizações cívicas fundadas por cidadãos
cristãos (por exemplo, o Conselho Português para os Refugiados) e outras ligadas à
Igreja, integradas na Plataforma FORCIM, têm procurado dar a justa visibilidade, em
Portugal, a este grande dia da coragem dos refugiados, da determinação das suas famílias
e da ousada acção dos trabalhadores humanitários que os acompanham. Têm sido emitidos
comunicados de imprensa, publicados livros com histórias de vida, organizado congressos
internacionais e outras acções de sensibilização (escolas, paróquias) para que esta
realidade seja menos invisível e mais conhecida das pessoas. Porém, muito está ainda
por fazer para que o país seja terra de liberdade, segurança e de paz para os deserdados
das zonas empobrecidas do planeta. Num país considerado um dos menos acolhedores
da Europa, onde à centena e meia de requerentes de asilo é recusado o estatuto de
refugiado através de uma desproporcionada burocracia processual, onde continuam a
faltar estruturas suficientes de acolhimento para estes "irmãos e irmãs" em fugas
legítimas que, desde há já alguns anos deixaram de nos bater à porta, porque outros
o fazem melhor do que nós, é preciso apelar para a ética da partilha de responsabilidades
humanitárias no sentido de garantir o bem comum. Portugal também sabe, e bem,
o que significa fugir de uma terra... Pensemos nos milhares de "refugiados ultramarinos",
como lhes apelidou a Igreja, da passada e conturbada década de setenta. Eles são,
ainda hoje, memória viva e sofrida que apela a uma justiça global e protecção legal
de quem não tem outra terra senão aquela que algures o acolhe como pessoa, capaz de
redar a liberdade violada e torturada. Diante de guerras/guerrilhas esquecidas
alimentadas por interesses internacionais, de "invasões" muito mediatizadas porque
em demanda da razoável justificação, de intolerantes deslocações internas forçadas,
de tráficos ilícitos que metem a vida em perigo, de hegemonias políticas e religiosas
que eliminam à queima-roupa adversários, de mudanças de regime e perseguições ideológicas
e raciais que ameaçam inocentes e os mais vulneráveis, este Dia surge como um clamor
que interroga a própria Europa na sua política externa, cooperação e responsabilidades
políticas a nível do desenvolvimento sustentável para com continentes irmãos (por
exemplo, para com a vizinha África), como o afirmou recentemente com veemência, à
imprensa missionaria, António Guterrez, Alto Comissário para os Refugiados. Tudo parece
indicar que, o novo Centro de Acolhimento da Bobadela, assim como os últimos refugiados
- encontrados à deriva no Mediterrâneo - e "transferidos" de outros países (dois em
2005; seis em 2006) e os trinta já anunciados pelo Ministro da Administração Interna
para 2007 são, sobretudo, mérito da diplomacia de influência do Alto Comissário sobre
os nossos governos. Será este gesto sinal de uma atitude humanitária em mudança
- desde há muito almejada pela Sociedade civil - com vista a um melhor/maior acolhimento
e aplicação generosa da lei de asilo ou, em vésperas de outra Presidência portuguesa
da União Europeia, não passará de mais uma acção cuja bondade política há que decifrar
no próximo futuro? Os requerentes de asilo que nos batem directamente à porta nos
aeroportos, os refugiados que outros países estão cada vez mais a negociar connosco
o acolhimento humanitário, assim como os imigrantes que contribuem para o nosso progresso
económico e social são "sinal dos tempos" a interpretar com responsabilidade social
e ética. Provocam os nossos parâmetros "ricos" de viver, de consumir o ambiente, de
governar as fronteiras, de partilhar os bens e de projectar o amanhã sobre esta terra
de deslocações forçadas a aumentar de dia para dia. Ontem europeus em fuga por causa
de Grandes Guerras, hoje africanos e asiáticos por causa de alterações climáticas,
amanhã... quem sabe? Eu, ou talvez tu... É este o sentimento que me invade e que sempre
me desassossega quando penso nas histórias - poucas - que ouvi da boca e vi nos olhos
de alguns refugiados a viver e a esperar em Portugal. Deixar passar em silêncio
o Dia do Refugiado nas comunidades cristãs sem uma palavra de solidariedade inquieta
é refugiar-se num futuro de ilusão, por mais religioso que se apresente, e cair em
amnésia em relação à memória do passado. Como calar uma realidade tão dramática que
engloba perto de vinte milhões de pessoas das quais diariamente ouvimos e habituamo-nos
a ver imagens de trágicas históricas, violentas fugas e injustas perseguições? Cito
alguns palcos de fuga: Libéria, Iraque, Sudão, Afeganistão, Timor Lorosae, Cuba, Guiné,
Kosovo, Congo, Colômbia, Serra Leoa, Nepal... Celebrar este Dia é honrar a determinação,
a coragem, o valor e o anseio de dignidade de homens e mulheres que, forçados a abandonar
pela calada da noite a terra que amam, a casa que construíram, o emprego que conseguiram
e a família que Deus lhes deu, acreditam na bondade da Humanidade e, apesar de tudo,
esperam em Deus , com todos os nomes em que é invocado, porque sonham o regresso à
terra de onde foram desterrados. Celebrar o Dia Mundial é também recordar aqueles
que se "tornam refugiados com os refugiados" ao serviço desta causa humanitária através
das muitas Organizações públicas e privadas presentes em incontáveis e frágeis "campos
de recolha" repletos de crianças, que se submetem a condições de vida inseguras, às
vezes insuportáveis, para que a esperança e a dignidade não se exilem da vida dos
sobreviventes da liberdade e do direito a existir. Lembremos também os mártires desta
causa humanitária que foram silenciados no sangue em pleno exercício do seu trabalho,
serviço e missão. Rui Pedro Conselheiro Geral Scalabriniano