(20/5/2007) A primeira semana dos trabalhos da V Conferência Geral do Episcopado
Latino-Americano e Caribenho, a decorrer em Aparecida (Brasil) ficou marcada pela
abordagem de uma nova conjuntura socio-política que apresenta desafios inéditos à
acção da Igreja nesta região. A "mudança de época", expressão que se tem repetido
desde que a Conferência se iniciou, a 13 de Maio, leva a uma reflexão quase permanente
sobre o "tempo actual". Os Bispos, que já aprovaram a publicação de um Documento Final,
procuram agora aproveitar os trabalhos dos grupos que foram organizados, com a definição
de critérios metodológicos. A análise da realidade eclesial tem partido das nuances
sociais, políticas, económicas e culturais que ocorreram nos 15 anos que passaram
desde a última Conferência Geral. Em muitos casos, como ficou claro nas intervenções
epicospais, essas mudanças não são apreciadas nem bem-vindas pela Igreja: o secularismo,
o subjectivismo e o relativismo (neste caso, mais visível nas legislações sobre os
temas da vida e da família) trazem dificuldades suplementares à acção dos católicos,
já de si desafiada pela crescente pobreza e exclusão social da região, para além da
"ameaça" representada pelas seitas.
D. Jorge Ortiga, presidente da Conferência
Episcopal Portuguesa, não quis ficar à margem destas preocupações e defendeu para
o nosso país a necessidade de uma acção de "evangelização" que faça frente a estas
mudanças, visíveis, por exemplo, na quebra da prática dominical ou no recente resultado
do referendo ao aborto. Para o Cardeal López Trujillo, presidente do Conselho
Pontifício para a Família, há uma "dolorosa transformação dos governos e os parlamentos,
numa conjuração que converte o delito em direito", em referência a matérias como o
aborto, a eutanásia ou a equiparação ao matrimónio de outras uniões. A Conferência
Episcopal do Chile assinalou que o sistema democrático, recuperado em todos os países
latino-americanos, não cumpriu as expectativas de quem nele acreditou, “sendo a marginalização
dos cidadãos das grandes decisões que afectam a sua vida e o futuro dos seus filhos
fonte de decepção do sistema democrático imperante”. Da Santa Sé, o Cardeal Renato
Martino, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, aludiu à "fragilidade" dos
regimes que se seguiram à queda das ditaduras militares, por causa de "derivas ideológicas,
populistas e neoliberais, com classes dirigentes que gozam de uma fraca credibilidade
e com elevados índices de corrupção". Segundo este responsável, na América Latina
faz falta uma liderança "capaz de agregar a confiança dos cidadãos nas instituições
públicas". Logo no discurso de abertura dos trabalhos, proferido por Bento XVI,
o Papa dizia existirem "motivos de preocupação diante de formas de governo autoritárias
ou sujeitas a certas ideologias que se acreditavam superadas na América Latina e nas
Caraíbas”, no que foi entendido como uma alusão, entre outros, aos governos de esquerda
da Venezuela, Bolívia, Equador e Cuba. Ao apresentar a situação da Igreja Católica
na Venezuela, o presidente da Conferência Episcopal local, D. Ubaldo Santana, alertou
para os riscos do "socialismo do século XXI", promovido pelo governo de Hugo Chávez,
"ocupando cada vez mais espaços de poder e provocando uma grande polarização". "Os
líderes deste novo modelo revolucionário, bolivariano e socialista, alentam e apoiam
a sua implantação em outros países da América com vistas a criar uma nova rede de
integração regional", declarou. Este facto foi criticado pelo Cardeal boliviano
D. Julio Terrazas Sandoval, para quem a "atenção, muito apelativa por parecer desinteressada,
que manifestam alguns dignitários deste Continente pelo que acontece na Bolívia" suscita
fundados "temores". "Ninguém desejaria sair de uma dependência estrangeira para
cair noutra", apontou.
D. Geraldo Lyrio Rocha, presidente da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil, maior país católico do mundo, falou de "uma sociedade que sofre
mudanças sucessivas e aceleradas, as quais acabam por enfraquecer e relativizar os
valores tradicionais, sobretudo éticos e religiosos". "Entre os graves problemas
que enfrentamos no momento não se pode esquecer a explosão do narcotráfico e o crescimento
da violência, inédita até então no Brasil. Não se pode negar, contudo, uma melhoria
nas condições da vida das camadas mais pobres nos últimos tempos, embora perdurem dolorosas
situações de miséria e a distância absurda que separa ricos e pobres e as grandes
desigualdades regionais", indicou ainda. Os regimes políticos que se poderiam
sentir atingidos por estas críticas têm preferido o silêncio, com excepção do venezuelano
Hugo Chávez, que aproveitou uma passagem do discurso de Bento XVI no Brasil para sair
ao ataque e exigir um "pedido de desculpas" ao Papa e à Igreja pelo tratamento dados
aos indígenas.