Bispos, servidores da Palavra, sem visões redutivas nem confusões na missão: Bento
XVI, aos bispos brasileiros, na catedral de São Paulo, esta sexta feira á tarde antes
da partida para Aparecida.
( 11/5/2007) Numa circunstanciada mensagem que dirigiu a todo o episcopado brasileiro,
no encontro realizado na catedral de São Paulo, nesta sexta-feira à tarde, Bento XVI
lançou um apelo a viver com todo o sentido da responsabilidade a missão de evangelização
e de guia pastoral que toca aos bispos. Nós Bispos
somos convocados para manifestar essa verdade central, pois estamos vinculados directamente
a Cristo, Bom Pastor. A missão que nos é confiada, como Mestres da fé, consiste em
recordar, como o mesmo Apóstolo das Gentes escrevia, que o nosso Salvador «quer que
todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade» (1Tm 2, 4-6). Esta
é a finalidade, e não outra, a finalidade da Igreja, a salvação das almas, uma a uma.
Por isso o Pai enviou seu Filho, e «como o Pai me enviou, também eu vos envio» (Jo
20,21). Daqui, o mandato de evangelizar: «Ide, pois, ensinai a todas as nações; baptizai-as
em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos
prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo» (Mt 28,19-20).
“Palavras simples e sublimes que indicam a obrigação de pregar a verdade
da fé, a urgência da vida sacramental, a promessa da contínua assistência de Cristo
à sua Igreja” – comentou o Papa. Onde Deus e
a sua vontade não são conhecidos, onde não existe a fé em Jesus Cristo e nem a sua
presença nas celebrações sacramentais, falta o essencial também para a solução dos
urgentes problemas sociais e políticos. A fidelidade ao primado de Deus e da sua vontade,
conhecida e vivida em comunhão com Jesus Cristo, é o dom essencial, que nós Bispos
e sacerdotes devemos oferecer ao nosso povo. Bento XVI reconheceu que “os tempos
de hoje são difíceis para a Igreja”, e que “muitos dos seus filhos estão atribulados”,
traçando mesmo um alongado e preocupante panorama: A vida social
está atravessando momentos de confusão desnorteadora. Ataca-se impunemente a santidade
do matrimônio e da família, iniciando-se por fazer concessões diante de pressões capazes
de incidir negativamente sobre os processos legislativos; justificam-se alguns crimes
contra a vida em nome dos direitos da liberdade individual; atenta-se contra a dignidade
do ser humano; alastra-se a ferida do divórcio e das uniões livres. Ainda mais: no
seio da Igreja, quando o valor do compromisso sacerdotal é questionado como entrega
total a Deus através do celibato apostólico e como disponibilidade total para servir
às almas, dando-se preferência às questões ideológicas e políticas, inclusive partidárias,
a estrutura da consagração total a Deus começa a perder o seu significado mais profundo. Perante
esta situação negativa, “como não sentir tristeza em nossa alma?” – interrogou-se
o Papa, que logo convidou a ter confiança, pois “a Igreja é santa e incorruptível”.Como
dizia Santo Agostinho, “Vacilará a Igreja se vacila o seu fundamento, mas poderá porventura
vacilar Cristo? Visto que Cristo não vacila, a Igreja permanecerá intacta até ao fim
dos tempos”. Entre os problemas que afligem a solicitude pastoral dos bispos brasileiros,
Bento XVI mencionou “a questão dos católicos que abandonam a vida eclesial”, apontando
como causa principal “a falta de uma evangelização em que Cristo e a sua Igreja estejam
no centro de toda a explanação”. Ora, como recorda a Encíclica “Deus caritas est”,
“ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro
com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte”. Impõe-se, pois,
“uma evangelização metódica e capital em vista de uma adesão pessoal e comunitária
a Cristo”. Trata-se efetivamente
de não poupar esforços na busca dos católicos afastados e daqueles que pouco ou nada
conhecem sobre Jesus Cristo, através de uma pastoral de acolhimento que os ajude a
sentir a Igreja como lugar privilegiado do encontro com Deus e mediante um itinerário
catequético permanente.Uma missão evangelizadora que convoque todas as forças vivas
deste imenso rebanho. Neste contexto, Bento XVI referiu os diferentes agentes
pastorais, assim como as associações e movimentos eclesiais que mais se empenha na
difusão da verdade evangélica. E aqui o Papa referiu expressamente as iniciativas
pastorais que contemplam as pessoas que vivem numa situação de pobreza. O povo pobre
das periferias urbanas ou do campo precisa sentir a proximidade da Igreja, seja no
socorro das suas necessidades mais urgentes, como também na defesa dos seus direitos
e na promoção comum de uma sociedade fundamentada na justiça e na paz. Os pobres são
os destinatários privilegiados do Evangelho e um Bispo, modelado segundo a imagem
do Bom Pastor, deve estar particularmente atento em oferecer o divino bálsamo da fé,
sem descuidar do “pão material”. Como pude evidenciar na Encíclica Deus caritas est,
“a Igreja não pode descurar o serviço da caridade, tal como não pode negligenciar
os Sacramentos nem a Palavra” (n. 22). Depois de ter recordado a importância
da vivência sacramental, “especialmente através da Confissão e da Eucaristia”, Bento
XVI recordou aos bispos brasileiros o grande critério da missão: Recomeçar a
partir de Cristo em todos os âmbitos da missão. Redescobrir em Jesus o amor e a salvação
que o Pai nos dá, pelo Espírito Santo. Esta é a substância, a raiz, da missão episcopal
que faz do Bispo o primeiro responsável pela catequese diocesana. Ora, prosseguiu
o Papa, a verdade supõe um conhecimento claro da mensagem de Jesus, transmitida graças
a uma compreensível linguagem inculturada, mas necessariamente fiel à proposta do
Evangelho. (…) Faz parte da catequese essencial também a educação às virtudes pessoais
e sociais do cristão, como também a educação à responsabilidade social. Mas precisamente
porque fé, vida e celebração da sagrada liturgia como fonte de fé e de vida, são inseparáveis,
é necessária uma mais correta aplicação dos princípios indicados pelo Concílio Vaticano
II no que diz respeito à Liturgia da Igreja – advertiu o Santo Padre. Trata-se de
devolver à Liturgia o seu caráter sagrado. Como recordou João Paulo II, “a liturgia
jamais é propriedade privada de alguém, nem do celebrante, nem da comunidade onde
são celebrados os santos mistérios” (Carta encl. Ecclesia de Eucharistia, n. 52).
Redescobrir e valorizar a obediência às normas litúrgicas por parte dos Bispos, como
“moderadores da vida litúrgica da Igreja”, significa testemunhar a própria Igreja,
una e universal que preside na caridade. “É necessário um salto de qualidade na
vivência do povo cristã do povo, para que possa testemunhar a sua fé de forma límpida
e esclarecida”. O Papa veio
ao Brasil (disse) para pedir-vos que, no seguimento da Palavra de Deus, todos os Veneráveis
Irmãos no episcopado saibam ser portadores de eterna salvação para todos os que lhe
obedecem (cf. Hb 5,10). Nós, pastores, na esteira do compromisso assumido como sucessores
dos Apóstolos, devemos ser fiéis servidores da Palavra, sem visões redutivas e confusões
na missão que nos é confiada. Não basta observar a realidade a partir da fé pessoal;
é preciso trabalhar com o Evangelho nas mãos e fundamentados na correcta herança da
Tradição Apostólica, sem interpretações movidas por ideologias racionalistas. Não
faltou, nestas palavras do Papa aos bispos brasileiros, uma referência ao diálogo
ecuménico, fazendo algumas importantes precisações: O Ecumenismo,
ou seja, a busca da unidade dos cristãos torna-se nesse nosso tempo, no qual se verifica
o encontro das culturas e o desafio do secularismo, uma tarefa sempre mais urgente
da Igreja católica. Com a multiplicação, porém, de sempre novas denominações cristãs
e, sobretudo diante de certas formas de proselitismo, frequentemente agressivo, o
empenho ecumênico torna-se uma tarefa complexa. Em tal contexto é indispensável uma
boa formação histórica e doutrinal, que habilite ao necessário discernimento e ajude
a entender a identidade específica de cada uma das comunidades, os elementos que dividem
e aqueles que ajudam no caminho de construção da unidade. O grande campo comum de
colaboração deveria ser a defesa dos fundamentais valores morais, transmitidos pela
tradição bíblica, contra a sua destruição numa cultura relativística e consumista;
mais ainda, a fé em Deus criador e em Jesus Cristo, seu Filho encarnado. Além do mais
vale sempre o princípio do amor fraterno e da busca de compreensão e de proximidade
mútuas; mas também a defesa da fé do nosso povo, confirmando-o na feliz certeza, que
a “a única Igreja de Cristo... subsiste na Igreja Católica governada pelo sucessor
de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele”) (Lumen gentium 8). Quase a
concluir a sua longa alocução aos membros da CNBB, Bento XVI fez questão de reconhecer
que o Brasil convive com um déficit histórico de desenvolvimento social, cujos traços
extremos são o imenso contingente de brasileiros vivendo em situação de indigência
e uma desigualdade na distribuição da renda que atinge patamares muito elevados.
A vós, veneráveis
Irmãos… (observou) compete promover a busca de soluções novas e cheias de espírito
cristão. Uma visão da economia e dos problemas sociais, a partir da perspectiva da
doutrina social da Igreja, leva a considerar as coisas sempre do ponto de vista da
dignidade do homem, que transcende o simples jogo dos factores económicos. (…) Ocorre
formar nas classes políticas e empresariais um autêntico espírito de veracidade e
de honestidade. Quem assume uma liderança na sociedade, deve procurar prever as consequências
sociais, directas e indirectas, a curto e a longo prazo, das próprias decisões, agindo
segundo critérios de maximização do bem comum, ao invés de procurar ganâncias pessoais. E
o Papa concluiu com o seu afectuoso encorajamento que é, ao mesmo tempo, (disse) uma
fraterna e sentida súplica: para que procedais e trabalheis sempre, como vindes fazendo,
em concórdia, tendo como vosso fundamento uma comunhão que na Eucaristia encontra
o seu momento culminante e o seu manancial inesgotável.